quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O sequestro da sustentabilidade

Depois dos 150 chefes de estado deixarem Paris nas mãos de seus negociadores para discutir o futuro do Planeta na COP21. Os países membros do G77 querem financiamento para se adaptar aos impactos das mudanças climáticas e suas consequências e para a transição para uma energia verde. Sem garantias econômicas nada acontecerá, esta tem sido a premissa da sustentabilidade: Quem paga a conta?
A urgência demanda que medidas sérias sejam adotadas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa para que a temperatura global não ultrapasse os 2°C ou teremos impactos irreversíveis. Até 12/12/15 saberíamos se realmente os homens do poder desejam minimizar os efeitos das mudanças climáticas ou irão se curvar mais uma vez ao atual modelo econômico e suas consequências devastadoras. Neste ínterim, a palavra sustentabilidade será usada e abusada. O que já foi esperança se tornou um jargão com pouca credibilidade!
Um recorte para o ano de 1995, quando eu estava tentando completar meu doutorado na Universidade de Nottingham (Inglaterra) e tive a oportunidade de participar oficialmente da minha primeira conferência acadêmica internacional que discutia o desenvolvimento sustentável, em Manchester. Já no início, assisti a uma palestra de uma doutoranda russa que havia entrevistado acadêmicos nos Estados Unidos e na nova Rússia (pós-dissolução da União Soviética), pedindo para eles descreverem o que entendiam sobre desenvolvimento sustentável. Foram 74 diferentes definições e eu acabei também sabendo que a palavra sustentabilidade não existe no vocábulo russo, sendo que a mais próxima seria “estabilidade”. Uma resposta de um professor se destacava no estudo: “Estabilidade para mim é ter pão sobre a mesa”. Simples e direto, diante de um estado que não mais garantia o básico, o que importava era garantir a sobrevivência física de sua família!
Para mim, desde então, a sustentabilidade tomou outra dimensão. Em dois anos de pesquisa, eu já havia lido dezenas de livros e artigos científicos que debatiam a economia, energia, exploração de recursos naturais não renováveis, globalização, explosão demográfica, impactos socioambientais, pensamento sistêmico, ecologia industrial e a proposta de desenvolvimento sustentável. Na ocasião apresentei meu primeiro artigo em conferência e que tentava fazer sentido disto tudo. O título era provocador: “The Big Brothers: Trasnational Corporations, Trade Organizations and Multilateral Financial Institutions” (em português Os Grandes Irmãos: Empresas Transnacionais, Organizações de Comércio e Instituições Financeiras Multilaterais), numa referência ao romance de George Orwell, de 1984, depois transformado em filme. Neste eu apresentava minhas dúvidas e sérias preocupações que com o modelo econômico mundial, onde seria muito difícil vingar a sustentabilidade sob esta tríade dos Big Brothers. Na ocasião, o organizador da conferência, Prof. Richard Welford, da Universidade de Huddersfield, também editava um novo livro: “Hijacking Environmentalism: Corporate Responses to Sustainable Development”, numa tradução livre, seria algo como: “Sequestro do Ambientalismo: Resposta das Empresas para o Desenvolvimento Sustentável”, e acabou me convidando para colocar meu artigo em forma de capítulo no livro, tendo ele como coautor. O livro composto por dez capítulos apresentava uma dura crítica de como o termo “desenvolvimento sustentável” vinha sendo desfigurado de sua proposta, se traduzindo em soluções rasas e de marketing empresarial. A “lavagem verde” vinha prevalecendo, isto é, uma apropriação das virtudes ambientais por parte das empresas, num jogo de faz de conta!
20 anos depois, vemos a lama da Samarco, Vale e BH Billinton, destruir a bacia do Rio Doce e a possibilidade de renda de centenas de pessoas, revelando da pior forma o quanto estamos desprotegidos e o quanto temos de lutar para que as pessoas “tenham pão na mesa”, diante da irresponsabilidade e negligência dos setores privados e públicos; Vemos uma empresa como a Vale ser desqualificada do Índice de Sustentabilidade da BM&FBovespa, quando eu me pergunto: Como ela foi parar lá diante das suas atividades nefastas já denunciadas antes do crime de Mariana?; Vemos o Senado Federal aprovar a PL 654/2015, que acelera a liberação de licenças ambientais para grandes empreendimentos em infraestrutura, reduzindo o prazo de liberação para 60 dias, demonstrando o quanto somos reféns do modelo politico-propina-empresa; Vemos os discursos sobre a importância da sustentabilidade na boca do povo e ao mesmo tempo as pessoas se digladiando para consumir nas “Black Fridays” ao redor do mundo; Vemos discursos oficiais da presidência da República falando em controle de desmatamento e energia limpa, enquanto nos impõe a Usina de Belo Monte e aumenta a participação da energia suja no sistema!
Enfim, vemos que o livro de Welford, de 1995, nunca esteve tão atual e o quanto ainda temos de barreiras pela frente para alcançar a sustentabilidade. Só nos resta saber se ainda há tempo para chegar a algum lugar, sem sequestros no meio da estrada, sem emissões e com o pão garantido! (ecodebate)

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