Verdades e mentiras
Para ajudar no
entendimento desse conceito, a repórter Carolina Melo ouviu uma dezena de
especialistas para identificar os 10 mitos sobre a sustentabilidade.
Quando
uma palavra cai na boca do povo e pode ser ouvida em toda parte, referindo-se a
uma variedade de assuntos, há duas possibilidades. A primeira é ela ter virado
um chavão, um lugar-comum destituído de significado real, que pode ser usado
para qualquer coisa, da venda de sabonete aos programas de governo. A outra
possibilidade é a palavra representar um conceito que realmente se tornou o
zeitgeist - o "espírito dos tempos", termo criado pelos filósofos
alemães - da nossa era. A expressão "ser verde" se encaixa claramente
na primeira categoria. Qual é o caso de sustentabilidade? Vamos a eles:
1. Ninguém realmente sabe o que isso significa
O sentido moderno do termo
foi claramente definido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, da Organização das Nações Unidas, em 1987. O documento,
chamado Nosso Futuro Comum, classificou o desenvolvimento sustentável como
aquele que "satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a
capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades". Ou
seja, recomenda cuidar dos ecossistemas no presente para que haja recursos
suficientes para sustentar a vida humana no futuro. "Sustentabilidade não
é apenas proteger o ambiente", disse a VEJA o americano Anthony Cortese,
fundador e presidente da organização educacional Second Nature: "Não
estamos preocupados com a salvação do planeta. A Terra já sobreviveu a cinco
extinções em massa, a última delas a que acabou com os dinossauros, há 65
milhões de anos, e vai sobreviver se o modo de vida humano causar nova extinção
em massa". O assunto não é se preocupar com o fim do mundo, completa
Cortese, "mas encontrar formas de preservar a capcidade da Terra de
sustentar uma civilização próspera e moderna."
2. É um sinônimo de verde
Os dois conceitos têm
pontos em comum, mas "verde" significa, sobretudo, a preferência do
natural sobre o artificial. Com quase 7 bilhões de pessoas no planeta e um
acréscimo de 2 bilhões previsto para 2050, dependemos da tecnologia para dar a
elas um bom padrão de vida. A tecnologia não é algo necessariamente ruim.
Quando limpa, sem causar impactos destrutivos ao ambiente, pode encontrar
recursos renováveis, como as células solares, as turbinas de vento e os carros
elétricos. "O tempo que o planeta demora em produzir os recursos de que o
homem precisa é muito maior do que o tempo que o homem leva para consumi-los.
Por isso a tecnologia limpa é tão importante", disse Rosely Imbernon,
especialista em educação ambiental da Universidade de São Paulo.
3. Trata-se, em resumo, de preservar a natureza
Seria limitado discutir a
sustentabilidade apenas do ponto de vista ambiental. As perspectivas sociais e
econômicas da humanidade estão no mesmo patamar da preservação do meio
ambiente. Mesmo que os moradores das grandes cidades decidam economizar água
para que o abastecimento seja suficiente para todos, quase 1 bilhão de pessoas
não terão acesso garantido a esse recurso - e isso não é sustentável.
"Hoje, 70% dos recursos naturais são consumidos por apenas 25% da
população mundial. Não basta cuidar desses recursos, é preciso encontrar uma
forma de garantir uma vida saudável para todos", diz Anthony Cortese, da
Second Nature.
4. É outra palavra para reciclagem
Reciclar se tornou a
solução simbólica da crise ambiental e é a mensagem mais divulgada quando se
fala em contribuir para a sustentabilidade. Deu certo, de muitas formas. As
pessoas estão realmente preocupadas com o assunto, e a coleta seletiva de lixo
se tornou a contribuição que a maioria está disposta a dar ao futuro do
planeta. A complicação é que encaminhar garrafas e latas de alumínio para o
reaproveitamento é apenas um item de uma enorme pauta. Energia e transporte,
por exemplo, são questões com maior prioridade. "A reciclagem deveria ser
a última etapa realizada em desenvolvimentos sustentáveis", diz Rosely
Imbernon, da USP. "A escolha de produtos com menor impacto ambiental e de
tecnologias mais limpas deve ser o primeiro passo." Em resumo, quem acha
que vive de forma sustentável apenas porque está separando o lixo para a
reciclagem precisa pensar melhor no assunto.
5. Custa muito caro
Esse é o mito dos mitos. A
impressão de que ser sustentável sai caro está associada ao fato de que existe
um custo inicial na implantação de tecnologias limpas. De fato, quando se tem
um sistema insustentável - a fábrica poluente, o transporte a diesel, lâmpadas
incandescentes ou um carrão gastador na garagem -, não há como escapar de
despesas na troca por tecnologia mais sustentável. Quase sempre o investimento
é fartamente recompensado pela economia que se fará no futuro. Algumas vezes
nem é necessário gastar com nova tecnologia, mas apenas modificar processos
rotineiros. Anthony Cortese dá um exemplo: "A Interface, a maior
fabricante mundial de carpetes, economizou 400 milhões de dólares nos últimos
dez anos somente por reduzir o desperdício de matéria-prima utilizada na
produção".
6. Significa reduzir o
padrão de vida
Não é verdade. Ou, pelo
menos, não toda a verdade. Durante muito tempo, a sustentabilidade foi encarada
como uma crítica ao alto padrão de vida dos habitantes dos países ricos. O
conceito de sustentabilidade não é um clamor por uma vida menos confortável,
mas, sim, uma reflexão sobre o consumo excessivo. Basicamente, é uma proposta
de fazer mais com menos. "Não é preciso deixar de viver bem, mas mudar o
conceito do que é uma vida boa", disse a VEJA Mark Lee, diretor da
Sustainability, consultoria com sede em Londres. "Pequenas substituições
podem ter resultados extraordinários."
7. Depende dos consumidores
e militantes, não do governo
A escolha do consumidor e
dos movimentos organizados é necessária e produtiva, mas não é suficiente para
promover grandes mudanças. Só o governo tem o poder e os recursos para fazer
diferença real. Pode, por exemplo, usar a tributação para coibir a emissão de
gases do efeito estufa. Também pode criar padrões para veículos mais eficientes
no uso de combustíveis. Um ponto controverso diz respeito a deixar ou não a
questão da sustentabilidade a cargo da livre iniciativa. Pode-se esperar que os
preços subam naturalmente à medida que os recursos naturais fiquem escassos,
reduzindo-se assim o consumo. O problema, no entender de Anthony Cortese, é que
o preço da maioria dos produtos não inclui o verdadeiro valor dos serviços que
o planeta nos presta com seu ecossistema. Caberia ao governo informar à
sociedade o valor real dos impactos externos de cada item. Dessa forma, a
indústria se veria obrigada a procurar soluções mais eficientes e responsáveis
para não ficar fora do mercado. "Temos um falso senso de segurança quanto
aos impactos que causamos no dia a dia; por isso precisamos saber o preço real
das coisas para refletir sobre a verdadeira causa", diz.
8. Novas tecnologias são a
solução
Nem sempre criar novas
tecnologias é a solução para a dilapidação dos recursos naturais. Às vezes,
reinventar uma metodologia ou um sistema já existente atende perfeitamente aos
desafios da sustentabilidade. "Muitas pessoas pensam na melhoria do carro,
mas poucas pensam em mobilidade urbana", diz Maria Raquel Grassi,
coordenadora do núcleo Petrobras de sustentabilidade da Fundação Dom Cabral.
"Sem os engarrafamentos, reduziríamos o gasto de combustível."
9. O cerne do problema é a
superpopulação
Não é exatamente um mito,
mas uma falsa questão. Todo o problema ambiental é, em última análise,
populacional. Se a população total do planeta fosse reduzida a 190 milhões de
pessoas - um Brasil, portanto -, teríamos espaço de sobra para depositar nosso
lixo bem longe de casa. Mas isso não vai acontecer. Como já está bem
demonstrado, a melhor forma de conter o aumento da população é promover a
educação e a melhoria das condições de vida. Como a vida melhorou em boa parte
do mundo, a ONU já foi forçada a rever suas projeções de crescimento
populacional: o número de pessoas na Terra deve se estabilizar em torno de 9
bilhões em 2050. É muita gente, visto que hoje, com 6,8 bilhões de habitantes,
já estamos gastando recursos naturais acima da capacidade de reposição do
planeta. Mas há como contornar o problema. A China, com 1,3 bilhão de
habitantes, é o maior produtor de gases de efeito estufa no mundo. Mas as
emissões per capita correspondem a apenas 30% das dos Estados Unidos, que têm
310 milhões de habitantes. "A culpa não é só do tamanho da população, mas
também da integração do crescimento populacional com os hábitos de consumo da
sociedade", diz Anthony Cortese. "Se o mundo inteiro consumisse como
os Estados Unidos, precisaríamos de quatro planetas", explica.
10. É fácil viver de forma
sustentável
Nem sempre uma atitude
sustentável é suficiente para colaborar com o planeta. Não que seja inútil, mas
o conceito de sustentabilidade está ligado a atitudes que consideram resultados
de longo prazo. "Na hora de tomar uma decisão para um negócio, vale
imaginar todos os impactos possíveis no futuro, ambientais, sociais e
econômicos", diz Maria Raquel Grassi. Antes de desenvolver uma prática que
aparenta ser a solução de todos os problemas, é preciso olhar para todos os
lados e ter certeza de que ela não causará outros tipos de impacto. Um exemplo:
a derrubada de uma floresta para plantar cana para a produção de etanol. O uso
do combustível alternativo seria benéfico no que diz respeito à emissão de
gases do efeito estufa. Mas a derrubada da mata, por sua vez, encheria a
atmosfera com mais dióxido de carbono. "Entender o conceito é um grande
passo, mas os resultados só são percebidos depois que o ciclo se completa sem
passar por nenhum problema", explica Mark Lee. (abril)
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