Entre muitos aplausos e
lágrimas, ministros de 195 países aprovaram na noite de sábado o "Acordo
de Paris", primeiro marco jurídico universal de luta contra o aquecimento
global. O documento histórico da 21ª Conferência do Clima (COP21) das Nações
Unidas terá caráter "legalmente vinculante", e define, pela primeira
vez um acordo válido para todas as nações, que terão de organizar estratégias
para limitar o aumento médio da temperatura da Terra a 1,5ºC até 2100. O acordo
prevê US$ 100 bilhões por ano para projetos de adaptação dos efeitos do
aquecimento a partir de 2020. Trata-se do mais amplo entendimento na área desde
o Protocolo de Kyoto, assinado em 1997.
Apesar de não fixar metas
globais numéricas de redução de emissões de gases de efeito estufa, o documento
estabelece "limitar o aumento da temperatura média global a bem abaixo de
2ºC em relação aos níveis pré-industriais, e manter esforços para limitar o
aumento da temperatura a 1,5ºC”.
E diz que, para segurar o
aquecimento do planeta a este nível, é preciso alcançar o pico de emissões o
mais rápido possível e obter um balanço entre emissões e remoções desses gases
na segunda metade do século. Na prática, isso significa ter emissões líquidas
zero – tudo que continuar sendo emitido até lá tem de ser retirado da atmosfera
de algum modo, seja com florestas ou com mecanismos de captura de carbono. A
inclusão desse detalhamento foi vista como um bom sinal em relação a versões
anteriores do texto, que tinham sido criticadas por estarem vagas demais,
inconsistentes com a meta. Essa cláusula deixa o caminho para o 1,5°C mais
clara.
O documento traz também um
reconhecimento de que as INDCs – metas nacionalmente determinadas até o momento
por 187 países – ainda fazem com que as emissões do planeta atinjam, em 2030, a
marca de 55 gigatoneladas de CO2, número incompatível com a meta de 2°C. O
texto “nota” que esforços maiores serão necessários e sugere que seria
necessário baixar para 40 gigatoneladas até aquele ano. Hoje as emissões
globais estão em torno de 52 gigatoneladas.
Para atender a essa
necessidade, o acordo estabelece um mecanismo de avaliação quinquenal das
metas. Ficou acertado que um primeiro balanço dos objetivos será realizado em
2018, mas a primeira verificação de fato acontecerá em 2023.
Finanças
Sobre quem vai pagar a conta,
o documento traz como decisão que os países desenvolvidos, como os Estados
Unidos e os da União Europeia, devem prover recursos financeiros para ajudar
países em desenvolvimento a ter ações de mitigação e adaptação. E diz que
“outras partes são convidadas a prover ou a continuar a prover tal suporte
voluntariamente”. Essa foi a solução encontrada para um dos pontos cruciais de
debate durante as duas semanas de conferência. Os países desenvolvidos queriam
aumentar a base de doadores. Os em desenvolvimento topavam, no máximo, uma
participação voluntária em base sul-sul. Mas as nações africanas não se sentiam
confortáveis com isso.
A decisão é que os ricos
deverão contribuir com US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020 para projetos
de adaptação e de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas a serem
empreendidos pelos países em desenvolvimento. O volume, considerado baixo
perante uma necessidade que especialistas calculam ser de trilhões de dólares,
deverá ser revisado.
Antes de 2025, diz o texto,
“as partes devem estabelecer um novo objetivo coletivo a partir de um piso de
US$ 100 bilhões”. O valor será aplicado em organismos como o Fundo Verde, o
Mecanismo Global de Meio Ambiente, o Fundo dos Países Menos Desenvolvidos e o
Fundo Especial para Mudanças Climáticas.
"Este texto contém os principais
avanços, que muitos de nós não acreditavam possível. Este acordo é
diferenciado, justo, dinâmico e legalmente vinculante", afirmou Laurent
Fabius, que se emocionou ao lembrar os delegados governamentais de conferências
anteriores, que morreram "sem poder conhecer este dia". "O
documento confirma nosso objetivo central, vital, de limitar o aumento a
temperatura média da Terra bem abaixo de 2ºC, e se esforçar para limitá-lo a
1,5ºC".
Além de Fabius, o
secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, discursou e lembrou a
responsabilidade histórica dos delegados. "O mundo inteiro está nos
observando", advertiu. "O tempo chegou de deixar os interesses
nacionais de lado e agir nos interesses globais."
Já o presidente da França,
François Hollande, único chefe de Estado presente, exortou os delegados
governamentais a estarem à altura de um momento único. "O 12 de dezembro
de 2015 poderá ser um dia não só histórico, mas uma grande data para a
humanidade", afirmou, pedido aos ministros que adotassem "o primeiro
acordo universal de nossa história". "É raro em uma vida a ocasião de
mudar o mundo. Vocês a tem. Aproveitem."
‘Roubamos a cena’
Com lágrimas nos olhos, e, em
alguns momentos, sem conseguir contê-las, a ministra do Meio Ambiente, Izabella
Teixeira, e o embaixador do Brasil nos EUA, Luiz Alberto Figueiredo, que
desempenhou um papel estratégico de negociação da 21ª Conferência do Clima da
ONU, disseram neste sábado, após a adoção do Acordo de Paris, estarem muito
satisfeitos com o documento.
Figueiredo vinha liderando
essas negociações desde 2008, e Izabella, desde 2011. Exaustos do longo
processo, os dois se abraçavam em comemoração. Entre os negociadores, há uma
sensação de que o Brasil ajudou a destravar vários pontos, um deles ao propor a
alternativa de como descrever o limite de temperatura ("bem abaixo de 2°C,
com esforços em direção a 1,5°C").
"Nós estamos muito
satisfeitos. É um trabalho que começou em Durban (onde foi aprovada a
plataforma de negociações que estabeleceu que em 2015 deveria se chegar ao novo
acordo global) e que nos trouxe até aqui. Todo mundo nos cumprimentou pelo
esforço, pela colaboração, como um país que sempre se colocou para construir
soluções. O Acordo de Paris traz as bases para construirmos um futuro de baixo
carbono e também para aumentar a ambição (de redução das emissões)", disse
Izabella.
Mais cedo, ainda antes de o
texto ser aprovado, a ministra disse que o resultado refletia as visões do
Brasil. "É tudo o que o Brasil defendeu. Nós chegamos com uma INDC forte,
e roubamos a cena", afirmou.
Ela destacou ainda a
importância que o documento dá para que as emissões de carbono sejam
balanceadas pela absorção do gás por sumidouros, como as florestas, a partir da
metade do século. Isso levaria a emissões líquidas zero. "Esse papel de
sumidouro é o que queremos desempenhar com a meta de reflorestamento e
recuperação de pastagens. Com isso viramos um player para a solução."
Figueiredo explicou que
"o acordo conduz para um mundo de baixas emissões, um mundo em que as
energias renováveis prevalecerão". Para o embaixador, o resultado é “muito
bom e ambicioso". Ele explica: "O acordo cobre o que precisa cobrir,
remete a um trabalho pós-Paris para a regulamentação das coisas. E lança um
sinal inequívoco de que o mundo está marchando para uma economia global de
baixo carbono”.
Em seguida, ele complementou.
"O acordo vai mais além do que as negociações levariam a esperar. Houve
uma evolução clara na posição dos países. Só o fato de ter 188 INDCs. Isso é
uma coisa que ninguém esperava. E isso ajudou decididamente a destravar tudo. A
presença dos chefes de Estado também ajudou a formar o engajamento em
Paris." (biodieselbr)
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