Estudo
de consórcio internacional que inclui cientistas brasileiros mostra que
vegetação secundária na América Latina absorve 11 vezes mais CO2 do
ar que matas amazônicas maduras
As
florestas secundárias, que rebrotam após o desmatamento de uma área, são
conhecidas pelo nome algo pejorativo de capoeiras. A palavra vem do tupi e
significa, literalmente, “mato que não é mais”. Vistas como pobres em
biodiversidade e jamais tão ricas em estoque de carbono quanto uma floresta
primária – a tal “mata virgem”–, as capoeiras são frequentemente desprezadas e
outra vez desmatadas. Um estudo lançado hoje, porém, deve ajudar a reduzir esse
preconceito.
Um
consórcio internacional de cientistas, que inclui gente de diversas
instituições de pesquisa do Brasil, acaba de publicar no periódico Nature
a maior análise já feita sobre o padrão de crescimento das florestas
secundárias na chamada região neotropical, que vai do México ao Estado de São
Paulo. Eles concluíram que as capoeiras demoram, em média, apenas 66 anos para
repor 90% da biomassa (portanto, do estoque de carbono) que possuíam antes do
desmatamento. E mais: uma floresta em regeneração sequestra 11 vezes mais
carbono do que uma mata virgem na Amazônia.
“Esta
é a primeira estimativa da resiliência das florestas secundárias. Sempre houve
muita dúvida sobre a taxa de crescimento e a resiliência dessas florestas”,
disse ao OC o engenheiro florestal Daniel Piotto, professor da Universidade
Federal do Sul da Bahia. Ele é coautor do trabalho, coordenado pelo holandês
Lourens Poorter, da Universidade de Wageningen.
A
importância das capoeiras da América Latina para o ciclo do carbono e,
portanto, para o clima, é evidente. Somente na Amazônia, 22% de toda a área
desmatada é ocupada por matas em regeneração, segundo dados do Terraclass, do
Inpe. Esse número é provavelmente ainda maior na Mata Atlântica, que tem menos
de 10% de sua cobertura florestal original.
No
entanto, essa importância nunca havia sido traduzida em números antes. Estudos
pontuais mostravam ora que as florestas poderiam entrar em colapso a partir de certo
grau de desmatamento, ora que o crescimento de uma floresta secundária era
lento demais para fazer alguma diferença no clima no curto prazo.
“Meus
estudos na Zona Bragantina, no leste do Pará, mostravam um tempo de recuperação
de 150 anos. Estudos feitos na Venezuela chegavam a 250 anos. A meta-análise [o
novo estudo] aponta 66 anos”, diz Ima Vieira, pesquisadora do Museu Paraense
Emílio Goeldi e uma das maiores especialistas em florestas secundárias do país.
Ela também é coautora do trabalho, realizado pelo consórcio autointitulado
Amantes da Floresta Secundária – ou “2ndFOR” (“SecondFor”, em inglês), para os
menos íntimos.
Os
dados anteriores não estão necessariamente errados. O que acontece é que há uma
variação gigantesca de tempo de regeneração dentro da zona neotropical, com
capoeiras crescendo mais rápido em regiões onde chove mais e onde há mais
florestas intactas em volta.
“De
posse dessa taxa de crescimento, será possível fazer previsões sobre o
potencial de mitigação [de emissões de gases de efeito estufa] das florestas
secundárias”, afirma Piotto. O 2ndFOR já está fazendo essas contas.
Mapa
O
consórcio integrou tanto dados coletados pelos pesquisadores em campo quanto
resultados de análises anteriores, e produziu um mapa mostrando em que regiões
as capoeiras absorvem mais carbono e onde absorvem menos. O mapa poderá ser
usado pelos formuladores de políticas públicas para priorizar a conservação em
florestas de baixa resiliência e incentivar a regeneração em regiões de crescimento
rápido da capoeira.
Imagem
mostra velocidade de regeneração, medida em biomassa acumulada em 20 anos.
Quanto maior o círculo preto, maior a taxa de crescimento da floresta.
A
princípio a notícia é ruim para a Mata Atlântica, já que sua reposição de
biomassa é até 70% mais lenta que na Amazônia – e é justamente ali que há mais
florestas precisando de regeneração. Piotto diz que isso seria olhar apenas
metade do quadro. “Há muito mais áreas disponíveis para recuperar na Mata
Atlântica do que na Amazônia”, afirma.
O
estudo deverá ter também implicações para o cumprimento da meta do Brasil para
o Acordo de Paris. A chamada INDC aposta na recuperação de florestas como forma
de sequestrar carbono e compensar o que se emite pelo desmatamento legal na Amazônia.
O leste do Pará é uma das regiões onde mais vale a pena deixar o mato crescer.
Mas
isso só se deixarem mesmo o mato crescer. “Se essas florestas vão resistir no
campo depende de questões políticas e institucionais que vão além da nossa
pesquisa”, afirma Ima Vieira. “No que depender dos produtores rurais, não vão,
porque eles as veem como empecilho.”
O
Pará é o único Estado da Amazônia que tem uma lei que protege as capoeiras,
definindo estágios de sucessão (crescimento) e vedando o desmatamento em capoeiras
de crescimento avançado.
Mesmo
no Pará, Vieira estima que 50% das capoeiras sejam recentes – portanto,
passíveis de desmatamento legal.
Segundo
a pesquisadora, preservar as florestas secundárias é importante, mas
fundamental mesmo é não desmatar as primárias. “A capoeira não vai recuperar a
biodiversidade”, diz. “Elas levam 66 anos em média para recuperar 90% da
biomassa, mas 70 anos para recuperar 35% das espécies de árvores nativas.”
(ecodebate)
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