Manifesto dos Povos do Cerrado no Dia Mundial da
Água
O
Cerrado, “berço das águas” do Brasil, não só está ameaçado, como tem sido
assassinado dia após dia. E se ele for extinto levará consigo a água que chega
às torneiras, usada para beber, banhar, cozinhar, molhar as plantações, dar de
beber aos animais… Já imaginou a vida sem água? Impossível, não é? Então, se
toda essa devastação continuar no Cerrado, terá fim o bioma e as principais
fontes de água do Brasil e da América do Sul.
São
originárias do Cerrado as nascentes que abastecem seis das oito bacias
hidrográficas brasileiras, destaque para as bacias do Araguaia/Tocantins, São
Francisco e Paraná/Paraguai. Devido às características do solo e vegetação do
Cerrado, este bioma possui relevante importância na manutenção dos aquíferos,
responsáveis por abastecer nossos rios.
A
água que escorre pelos rios, córregos e veredas, alimenta culturas regionais e
modos de vida baseados no extrativismo, na agricultura familiar e no
artesanato, atividades que valorizam a exploração sustentável dos bens
naturais. Os povos e comunidades tradicionais que vivem no Cerrado são os
valorosos Guardiões de toda esta riqueza, pois sabem que é dela que dependem
suas famílias. Mas este rico e estratégico bioma está sendo devastado,
principalmente, pelo agronegócio e seu discurso de “desenvolvimento”, que, na
verdade, está na contramão das iniciativas de conservação do bioma e da vida.
Nas
últimas quatro décadas, esta incessante devastação do Cerrado se acentuou.
Dados revelam que apenas 48% da vegetação original do bioma encontra-se total
ou parcialmente conservada. E para piorar, o desmatamento só tem aumentado nos
últimos dez anos, sendo maior até mesmo que o da Amazônia. Essa destruição
desenfreada tem gerado impactos graves à biodiversidade, extinguido grandes e
pequenos rios ano a ano – contribuindo também para o aumento do aquecimento
global. E os impactos são sentidos no cotidiano: falta de água, chuvas fortes e
contínuas que provocam enchentes e, em outro extremo, secas mais frequentes e
severas.
Além
disso, as áreas de recarga degradadas perdem, por exemplo, a capacidade de
infiltração das águas das chuvas, reduzindo o volume de água dos aquíferos, responsáveis
pelo armazenamento e distribuição das águas às bacias. Outro grave problema é o
uso intensivo de agrotóxicos, responsável por poluir nossas águas, matar as
árvores frutíferas e as plantas medicinais, além de ocasionar problemas
gravíssimos de saúde aos humanos.
Com
a degradação desse bioma, as áreas de recarga perdem a capacidade de
infiltração das águas das chuvas, com isso reduz o volume dos aquíferos. Tudo
isso afetará, por sua vez, as nascentes. Contudo, além do problema enfrentado
quanto à diminuição das águas, há também outra preocupação: a qualidade de
nossas águas. O uso intensivo dos agrotóxicos utilizados nas plantações polui
as águas, mata as árvores frutíferas e as plantas medicinais, além de ocasionar
graves problemas para a saúde humana.
Nesta
lógica, para grupos econômicos e o Estado, o Cerrado é apenas um espaço a ser
continuamente explorado por meio do agronegócio, de empresas multinacionais e
da construção de grandes projetos de infraestrutura, como barragens, ferrovias,
hidrovias, perímetros irrigados e outros. Prova disso é o recém-criado Plano de
Desenvolvimento do MATOPIBA, que abrange áreas territoriais do Maranhão,
Tocantins, Piauí e Bahia, espaço considerado como a última fronteira agrícola
do país.
A
principal intenção do MATOPIBA é ampliar as áreas de monocultura nesses
estados, desconsiderando a realidade de quem ali vive, aumentando os conflitos
e trazendo sofrimento e angústias aos povos e comunidades que dependem desse
território que, em muitos casos, não foram ainda regularizados. Pesquisadores
consideram o Cerrado em processo de extinção, por isso o MATOPIBA trará
consequências irreversíveis à vida do bioma e dos seres humanos, impactando o
Brasil e outros países da América do Sul.
“A
proteção das águas tinha de ser questão de segurança nacional, porque se o
Cerrado for extinto, leva ao fim dos rios e dos reservatórios de água” (Altair
Sales).
Preservar
o Cerrado é conservar as águas e a vida! Por isso os Povos do Cerrado exigem e
se posicionam pelo/a:
· Reconhecimento do
Cerrado como Patrimônio Nacional com aprovação da Lei 504/2010;
· A proteção do
Cerrado está intrinsecamente ligada aos Territórios dos Povos e Comunidades
Tradicionais e a necessidade da Reforma Agrária – por isso é importante que o
governo federal garanta a demarcação dos Territórios Indígenas, regularização e
titulação das terras dos Quilombolas, Geraizeiros, Retireiros, Ribeirinhos,
Pescadores, Vazanteiros e o assentamentos dos Sem Terra;
· Somos contra a
PEC 215 – que transfere ao Legislativo ao responsabilidade a responsabilidade
pelas demarcações de Terras Indígenas, a titulação dos Territórios Quilombolas
e a criação de Unidades de Conservação.
· Cumprimento e a
fiscalização da Legislação Ambiental – e Projeto de Lei que proteja e conserve
as áreas de recarga;
· Somos contrários
ao licenciamento de novos projetos de irrigação – em especial novos perímetros
irrigados e grandes propriedades, que quase sempre utiliza pivôs centrais e
lineares, que hoje estão atrelados à construção de grandes lagos artificiais, os
“Piscinões”;
· Queremos nossas
águas livres de agrotóxicos – pelo fim da pulverização aérea, da isenção de
impostos aos agrotóxicos, não à criação de zonas livres de agrotóxicos e
transgênicos;
· Exigimos
políticas públicas que evitem novos desmatamentos e que defendam o que ainda
resta do Cerrado;
· É de
responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente o monitoramento das áreas de
vegetação nativa e o desenvolvimento de programas de recuperação das áreas
degradadas e das nascentes;
· Posicionamos
contra o Plano de Desenvolvimento do MATOPIBA – é uma grande ameaça ao Cerrado,
pois promoverá o aumento da grilagem de terras, expulsão dos camponeses/as de
suas terras e territórios, aumentando a degradação ambiental.
· Exigimos que o
Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais de serem consultados no caso de
empreendimentos que afetem seus modos de vida, garantido pela Convenção 169 da
OIT ratificada pelo Brasil seja cumprido. (ecodebate)
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