Estudo avalia efeitos distintos e limitações do
manejo florestal sustentável.
Resultados de pesquisas realizadas na Amazônia apontam limitações na eficácia de diretrizes de gestão de ecossistemas e de certificados internacionais
Resultados de pesquisas realizadas na Amazônia apontam limitações na eficácia de diretrizes de gestão de ecossistemas e de certificados internacionais
O
Manejo Florestal Sustentável é um dos pontos basilares da Lei de Gestão de
Florestas Públicas, aprovada pelo Congresso Nacional em 2006 como resposta ao
desmatamento crescente que ocorria à época no Cerrado e, principalmente, na
Amazônia.
A
nova legislação contribuiu decisivamente para a redução do desmatamento na
Amazônia Legal, que caiu dos 27.700 km2 de floresta derrubada em
2004 para a mínima histórica de 5.000 km2 em 2014, de acordo com o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – embora, em 2015, o
desmatamento tenha voltado a subir, atingindo 5.800 km2.
O
Ministério do Meio Ambiente define o Manejo Florestal Sustentável como “a
administração da floresta para obtenção de benefícios econômicos, sociais e
ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto
do manejo”.
A
estratégia prevê a retirada seletiva de espécies de valor comercial em
quantidade limitada, preservando as árvores jovens, por exemplo. Também é
obrigatória a retirada prévia das lianas, os cipós e a vegetação aérea que
crescem entre as árvores, evitando assim que a derrubada de um indivíduo
arraste outras árvores consigo.
Estas
e outras medidas buscam reduzir ao máximo o impacto da atividade madeireira nas
florestas nacionais. Assim mesmo, o impacto existe. Como fazer para
quantificá-lo e qualificá-lo? Esta foi a tarefa de um grupo de ecologistas da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN). Os primeiros resultados foram publicados no Forest Ecology and Management.
“Queríamos
entender como o manejo sustentável agia sobre espécies arbóreas de uso
comercial e também aquelas não madeireiras”, disse Flavio Antonio Maës dos
Santos, do Departamento de Biologia Vegetal da Unicamp. O estudo foi levado a
cabo por sua então doutoranda, Maria Rosa Darrigo.
Para
entender a ação do manejo florestal no médio e no longo prazo, os pesquisadores
selecionaram glebas de floresta em Itacoatiara, no Amazonas, a 250 km de
Manaus. A área, uma reserva florestal com 506 mil hectares, é explorada por
empresa desde 1995 de acordo com diretrizes da Forest Stewardship Council
(FSC), organização não governamental que estabelece padrões internacionais de
manejo florestal sustentável.
As
glebas florestais estudadas foram exploradas em 1996, 2002 e 2005. Os dados dos
efeitos do manejo sobre as espécies vegetais e o solo foram coletados entre
2007 e 2009, fornecendo um painel de regeneração florestal efetiva de dois,
cinco e 11 anos desde o manejo. Todos os dados foram comparados aos de uma área
de controle não explorada.
Foram
estudadas sete espécies arbóreas. Elas são comuns em todas as áreas estudadas: acariquara
(Minquartia guianensis),
cupiúba (Goupia glabra),
maparajuba (Manilkara bidentata),
maçaranduba (Manilkara huberi),
Pouteria anomala, Protium hebetatume angelim-rajado (Zygia racemosa). Essas espécies
representam um amplo conjunto de características, incluindo tamanho, densidade
da madeira e estratégias reprodutivas.
“A
partir de todos esses dados conseguimos comparar o que estava acontecendo com
os indivíduos daquelas sete espécies nas áreas investigadas”, disse Santos. Um
exemplo é a abertura de clareiras na mata. Mesmo depois de 11 anos, não se
observou uma recuperação total da cobertura vegetal nas áreas onde a derrubada
manejada de árvores abriu clareiras.
Daí
decorre uma segunda evidência: a quantidade de luz que incide sobre a vegetação
na clareira. As plantas pequenas mostraram uma taxa de crescimento maior do que
as demais, pois o acesso à luz é um fator determinante de crescimento.
Por
outro lado, se a taxa de crescimento das plantas pequenas aumentou, sua
mortalidade seguiu o mesmo rumo. E de forma acelerada. “A taxa de mortalidade
das plantas pequenas subiu de duas a três vezes, quando comparada às mesmas
plantas na área de controle”, disse Santos. A resposta a essa disparidade pode
estar nas alterações sofridas no ambiente após o manejo, com a mudança na
frequência de indivíduos de determinadas espécies em relação às outras.
Outra
causa de mortalidade observada foi a queda de árvores. Segundo Santos, “nas
áreas manejadas quem cresce mais são as espécies com densidade de madeira
menor, portanto mais sujeitas à queda. Em princípio, o que pareceria benéfico
às plantas menores, o aumento do acesso à luz, na verdade não ocorre”.
Composição
do solo
Outra
constatação dos pesquisadores foi a alteração na composição do solo nas áreas
manejadas em comparação com a área de controle. Nos primeiros dois anos após o
manejo, a fertilidade do solo se manteve comparável à da área de controle.
Depois desse período, a fertilidade caiu cerca de 30%. Boa parte da manutenção
da fertilidade nas áreas de manejo se deve à decomposição das árvores
derrubadas para a abertura de trilhas por onde são transportadas as toras
comercializáveis, por exemplo. Após dois anos do manejo, quando a decomposição
dessa mata derrubada se completa, a fertilidade das áreas manejadas declina.
Uma
das conclusões do trabalho é que os efeitos do manejo florestal sustentável não
são iguais para todas as espécies. Algumas são mais afetadas do que as outras.
Algumas crescem mais do que as outras. Essa constatação por si só é
extremamente importante para entendermos as limitações da eficácia das
diretrizes e dos certificados internacionais de manejo florestal.
“Se
essas estratégias fossem de fato sustentáveis, seria de se esperar a manutenção
das populações de todas as espécies ao longo do tempo. Mas não é isso o que
acontece”, disse Santos. “O que constatamos foi que, tanto na área manejada há
11 anos, quanto na área manejada há cinco anos, ocorreu uma redução das
populações no tempo.”
Uma
possível resposta é a retirada das árvores adultas, que são justamente as
fontes de sementes para a germinação de novas gerações de árvores. “Manejo
sustentável é, sem dúvida, muito melhor do que a terra arrasada pelo
desmatamento generalizado”, afirmou Santos. “Só que dizer que isso é
sustentável, não dá para afirmar.”
Maria
Rosa Darrigo é mais específica. “A exploração manejada, no caso deste estudo,
realmente causou mudanças na trajetória de recomposição da floresta, que não
são consideradas nos planos de manejo florestal sustentável. O que temos, de
fato, é uma exploração de baixo impacto. Da forma que estamos fazendo, ainda
não podemos chamá-la de sustentável, mas isso não quer dizer que não houve
avanços na forma de se explorar as espécies madeireiras, uma vez que o impacto
é comparativamente menor do que o causado pelos métodos tradicionais. O que
precisamos entender e aceitar é que a floresta tem o seu próprio tempo de
desenvolvimento, e o mercado precisa se adaptar a esse tempo natural.”
(ecodebate)
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