Padrão de consumo atual é insustentável para população de 7 bilhões.
Em palestra da série USP Talks, pesquisadores alertam para a necessidade de mudar o sistema socioeconômico e nosso modo de vida para reverter mudanças climáticas.
O sistema socioeconômico construído e adotado pela
humanidade desde a Primeira Revolução Industrial, em 1750, possui um padrão de
consumo insustentável para um mundo com 7 bilhões de pessoas como o atual, e
mais ainda para a população que se estima que habitará a Terra daqui a poucas
décadas, de 9 a 10 bilhões de indivíduos.
A afirmação é do professor Paulo Artaxo, do Instituto
de Física (IF) da USP, que, junto do professor Frederico Brandini, do Instituto
Oceanográfico (IO) da USP, participou do USP Talks em 30/11/16 para tratar do tema Mudanças Climáticas: a Terra daqui a 100
anos.
“Quando a China, Índia e África, que juntas têm hoje
mais de 3 bilhões de habitantes, resolverem ter o mesmo padrão de consumo dos
países desenvolvidos – e isso não vai demorar -, não precisa ser muito
inteligente para perceber que não vai dar certo. Precisamos mudar o sistema”,
defende Artaxo, que é referência mundial no estudo da física aplicada a
problemas ambientais.
O professor afirma não ver maior desafio para a
ciência e a humanidade do que as mudanças climáticas, pois elas colocam em
xeque nossa estrutura socioeconômica e nosso modo de viver. “Ainda tem gente
que diz não acreditar nas mudanças climáticas, como o presidente eleito dos
Estados Unidos, Donald Trump. Mas ele representa grandes interesses, assim como
qualquer presidente. Não é uma questão de acreditar ou não, não é religião. As
mudanças estão aí.”
Quando a China, Índia e
África resolverem ter o mesmo padrão de consumo dos países desenvolvidos – e
isso não vai demorar -, não precisa ser muito inteligente para perceber que não
vai dar certo. Precisamos mudar o sistema
O professor ainda chama a atenção para um dilema
ético causado pelas mudanças climáticas: “Temos o direito de causar a extinção
em massa de inúmeras espécies que dividem o planeta conosco?”. De acordo com
Artaxo, 40 bilhões de toneladas de gases estufa são lançadas na atmosfera todos
os anos, uma taxa que ainda está em ascensão. Isso já gerou um aumento de 1ºC
na temperatura média do planeta – no Brasil, o aumento foi de 1,5º a 1,8º, uma
mudança crítica para ecossistemas como a Amazônia.
A floresta amazônica é um importante recurso para
adiar os efeitos das mudanças climáticas, por ser o que se chama de uma bomba
biológica, isto é, um grande sistema de retenção de carbono. Isso se dá porque
o tronco das árvores necessita de enorme quantidade desse elemento para se
formar. Porém, o professor Artaxo alerta que essa capacidade de armazenamento
está se esgotando, pois as árvores não crescem para sempre, e árvores novas
estão sendo sistematicamente desmatadas. “O Brasil desmatou, no último ano, 8 mil
quilômetros quadrados de floresta primária na Amazônia. É uma quantidade
enorme.”
Oceanos
O professor Frederico Brandini explica que, assim
como a Amazônia, os oceanos também caracterizam uma bomba biológica, em virtude
da absorção do carbono pelas algas unicelulares que os habitam. Além disso,
eles são uma bomba de solubilidade, pois o dióxido de carbono (CO2)
é muito solúvel em água, especialmente nos mares gelados próximos aos polos,
que têm maior capacidade de dissolução da molécula e, por serem mais densos,
levam-na ao fundo do oceano.
Porém, a capacidade da bomba biológica dos oceanos
também está se esgotando, pois as algas concentram-se numa faixa limitada
deles, aquela que recebe luz. Segundo o professor, apenas os 100 metros
superficiais (cerca de 2% do oceano) são iluminados pela radiação solar.
Ao mesmo tempo a bomba de solubilidade é
sobrecarregada pela desmedida emissão de carbono das atividades humanas, e,
quanto mais carbono no fundo dos oceanos, mais ácida fica a água. “Hoje, a
acidez da água dos oceanos é 30% maior do que 150 anos atrás. Isso prejudica,
por exemplo, os corais, que são formados por substâncias básicas como o
carbonato de cálcio. Estamos matando os recifes de coral”, afirma Brandini,
estudioso da área de Oceanografia Biológica.
Hoje, a acidez da água
dos oceanos é 30% maior do que 150 anos atrás. Isso prejudica, por exemplo, os
corais, que são formados por substâncias básicas como o carbonato de cálcio.
Estamos matando os recifes de coral
Esse esgotamento da capacidade da retenção de carbono
das bombas biológicas é preocupante. De acordo com Brandini, 30% do gás
carbônico absorvido fica retido nas florestas, outros 30% nos oceanos e o
restante é o que ele chama de “carbono perdido”. “Não se sabe para onde vai
essa porcentagem, é possível que parte dela fique presa às nossas roupas, por
exemplo. A questão é que os outros 60% vão deixar de ser fixados pelas árvores
e pelos oceanos, então teremos ainda mais gases estufa na atmosfera, o que vai
agravar o aquecimento global.”
Há ainda outros problemas da ação humana para o
equilíbrio dos oceanos. Brandini afirma que algumas substâncias presentes em
cosméticos e remédios não são metabolizadas por nosso organismo e, uma vez
excretadas, chegam aos oceanos por meio do esgoto. “Essas substâncias ficam por
décadas circulando na água, há peixes e outros seres vivos espalhados pelos
mares do mundo todo contaminados por elas”, explica. Além disso, o professor
ressalta os impactos da poluição sonora e luminosa causada pelo homem. “O
oceano não é um universo visual, a maior parte dele é escura. Os seres marinhos
se comunicam principalmente pelo som ou por mecanismos químicos, e estamos
desequilibrando isso também.”
Há esperança?
Com ressalvas, os professores se mostram otimistas em
relação à possibilidade de superarmos as mudanças climáticas. Artaxo afirma que
iniciativas como o Acordo de Paris, aprovado por 195 países em 2015, embora bem
intencionadas, são insuficientes. O acordo prevê uma redução de 32% da emissão
de gases estufa com o objetivo de limitar a no máximo 2ºC o aumento da
temperatura média do planeta.
“Essa redução está longe de acontecer e, mesmo se
acontecesse, não seria possível alcançar a meta proposta. Além disso, o aumento
da temperatura global em 2ºC representaria no Brasil um aumento da ordem de 3ºC
a 3,5ºC, em média. Imagine o que aconteceria em cidades como Cuiabá e Manaus.”
Entretanto, se a ação do homem se mantiver como a atual pelos próximos 100
anos, o professor afirma que a temperatura média do planeta poderia aumentar de
5ºC a 7ºC, o que seria uma catástrofe.
De acordo com Artaxo, um caminho para lidar com as
mudanças climáticas, mais do que tratados internacionais, é uma mudança radical
em nossa sociedade, desde os padrões de consumo até a política. “Temos que
rever a forma como medimos o sucesso de um país. Por que, em vez de relacionar
sucesso ao que é produzido pela indústria – portanto estimulando produção e
consumo insustentáveis-, não medimos a felicidade da população com o sistema
implementado?”
Além dessa ideia, que já é posta em prática no Butão,
país do sul da Ásia, o professor sustenta a necessidade de um sistema global de
governança. “Um presidente pensa no que vai acontecer nos quatro anos de seu
mandato, assim como um empresário pensa no lucro de sua empresa naquele ano.
Precisamos começar a pensar que todos dividimos a mesma casa, acabar com o
conceito de ‘país’ e implementar políticas públicas globais em relação ao meio
ambiente.”
Precisamos começar a
pensar que todos dividimos a mesma casa, acabar com o conceito de ‘país’ e
implementar políticas públicas globais em relação ao meio ambiente
Apesar de parecer utópico, os professores dão
exemplos práticos para mostrar que a mudança é possível. Artaxo lembra que já
possuímos tecnologia suficiente para produzir carros 70% a 90% mais eficientes
que os atuais, enquanto Brandini fala de energias alternativas que poderiam ser
exploradas pelo Brasil, como a eólica, a solar e a das marés, tecnologias que
não são comparativamente caras e cujas fontes existem em abundância no País.
Artaxo defende também o desmatamento zero para manter a capacidade de retenção
carbônica da Amazônia, e Brandini afirma que “se tivéssemos uma educação de
qualidade, não seria necessário educação ambiental, pois as pessoas saberiam da
importância do meio ambiente”.
Evento é uma iniciativa da USP,
em parceria com o jornal O Estado de S. Paulo e apoio da Livraria Cultura.
Ambos confiam na capacidade do ser humano de superar
dificuldades, por meio de esforço, conscientização e da ciência – a qual Artaxo
defende que deveria ter maior influência em decisões políticas e na elaboração
de políticas públicas. “As baleias já foram a maior commodity do planeta, pois
o óleo de sua gordura era o que iluminava as cidades da Europa. Se não
tivéssemos descoberto o petróleo, elas teriam sido extintas. Depois o petróleo
trouxe outros tantos problemas, mas, como já fizemos antes, podemos
resolvê-los”, diz Brandini.
A oitava e última edição do USP Talks em 2016 ocorreu em 30/11/16 no Teatro Eva Herz da
Livraria Cultura. A série de eventos é uma iniciativa das Pró-Reitorias de
Graduação e de Pesquisa da USP, em parceria com o jornal O Estado de S. Paulo
e apoio da Livraria Cultura. (ecodebate)



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