No Dia Mundial da Água, a UNESCO destaca a
importância das águas residuais, aquelas já utilizadas em atividades humanas e
que podem ser reaproveitadas.
No
Dia Mundial da Água, lembrado em 22/03, a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) destaca a importância das águas
residuais, aquelas já utilizadas em atividades humanas e que podem ser
reaproveitadas.
Diante
de uma demanda crescente por recursos hídricos e da necessidade de buscar
fontes alternativas, é necessário modificar a gestão dessas águas, “passar de
um modelo de ‘tratamento e eliminação’ para um modelo de ‘redução,
reutilização, reciclagem e recuperação dos recursos’”, diz a UNESCO no
Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos
Hídricos 2017, lançado hoje.
No
Brasil, entretanto, as águas residuais não são aproveitadas como deveriam pois
não há legislação específica sobre o tema.
O
coordenador de Implementação de Projetos Indutores da Agência Nacional de Águas
(ANA), Devanir Garcia dos Santos, destaca a importância do reuso, mas diz que a
prática não é trivial e expõe as pessoas a riscos se não forem seguidas
determinadas normas.
Para
ele, a cobrança pelo uso da água mostra o real valor do recurso e induz as
pessoas a refletirem sobre a melhor maneira de utilizá-lo. Ele acredita que
esse é um dos caminhos para que as pessoas se interessem pelo reuso.
Na
avaliação do especialista, o Brasil precisa de legislações que priorizem a
segurança do meio ambiente e dos usuários, tanto no quesito manuseio como no
consumo.
“Qualquer
planta de reuso requer um licenciamento ambiental e esses licenciamentos são
muito difíceis de serem conseguidos porque não temos clareza sobre limites e
sobre parâmetros da qualidade que essa água, que vai ser feita reuso, deve ter
para aplicação”, disse, explicando que há literatura mundial e resoluções do
Conselho Nacional de Recursos Hídricos, mas não há uma norma que deixe claro os
critérios para o licenciamento.
Segundo Santos, existem discussões em andamento
sobre o tema no Congresso Nacional e a ANA trabalha, em parceria com o
Ministério das Cidades, para a edição de um projeto de lei que atenda esse
setor.
Novas regras
Novas regras
A
UNESCO também afirma que são necessárias novas regras sobre o reuso da água e a
recuperação de subprodutos das águas residuais.
“Com
frequência, existe pouca ou nenhuma legislação sobre os padrões de qualidade
para esses produtos, o que cria incertezas de mercado que podem desencorajar os
investimentos. Mercados para esses produtos podem ser estimulados por
incentivos financeiros ou legais – tais como a mistura obrigatória de fosfatos
recuperados em fertilizantes artificiais”, diz.
O
coordenador da ANA conta que a Europa e os Estados Unidos têm legislações
bastante rígidas e praticam o reuso naturalmente. Mas muitas iniciativas de
reuso costumam surgir a partir da necessidade. Ele cita como exemplos a Namíbia
que transforma esgoto em água para abastecimento das cidades, e Israel, que
dessaliniza água do mar para consumo e, depois, reutiliza na irrigação; 70% da
água é reutilizada em cerca de 19 mil hectares.
Segundo
a UNESCO, os benefícios sociais, para a saúde pública e o meio ambiente,
decorrentes da gestão dos esgotos, são consideráveis. Para cada dólar gasto em
saneamento, estima-se um retorno para a sociedade de US$ 5,50.
Reuso
na agricultura. Apesar de algumas iniciativas da indústria, o reuso
praticamente inexiste no Brasil de forma disciplinada e organizada.
“Não
temos essa tradição do reuso porque o Brasil tem essa teoria da abundância [12%
da água doce do mundo está no Brasil]. E agora estamos notando que, apesar de
termos muita água, a distribuição não é uniforme e temos regiões extremamente
carentes em água. Isso está provocando uma discussão mais forte em relação a
reuso”, disse.
As
águas residuais geridas com segurança são uma fonte acessível e sustentável de
água e nutrientes para a agricultura de irrigação, que é responsável por 70% da
água consumida no mundo.
“Estamos
passando a maior seca do semiárido dos últimos anos. O gado está morrendo sem
água e sem alimento. Mas as pessoas ainda estão vivendo lá e estão usando água,
então temos algum efluente sendo lançado. Então, dá para trabalhar em cima
disso e utilizar essa água na produção de alimento, principalmente para o
gado”, explicou o coordenador da ANA. “Você consegue dar sustentabilidade [a
esse tipo de projeto], mesmo em um período de crise como essa.”
A
ANA tem incentivado o reuso agrícola a partir de efluentes em municípios com
menos de 50 mil habitantes, que não tem escala ou recursos para tratar o esgoto
antes de despejar nos rios. A ideia é que os municípios façam o tratamento
intermediário da água, por meio de lagoas, por exemplo, e a reutilize na
irrigação.
“Quando
você lança essa água no solo o tratamento continua. O que tem nessa água? Quase
sempre o poluente é fósforo, nitrogênio, matéria orgânica que são insumos para
a agricultura. Além de reduzir os custos do saneamento, essa forma de
utilização possibilita uma água de qualidade para o desenvolvimento da
agricultura irrigada”, disse Santos.
Ele
explicou que a ANA faz chamadas públicas para municípios que queiram
desenvolver esse tipo de ação e demonstrar a eficiência do sistema.
Para
a UNESCO, as políticas e os instrumentos de regulação são implementados em
âmbito local e precisam ser adaptados a circunstâncias variadas. “É importante
que seja dado apoio político, institucional e financeiro para iniciativas ‘de
baixo para cima’, bem como para a gestão dos serviços in loco e de
pequena escala – ou seja, descentralizados – de águas residuais”, diz a
organização em seu relatório.
Reuso
doméstico
Santos
contou ainda que a ANA desenvolveu um projeto com a Saneago, companhia de
saneamento de Goiás, em um prédio de apartamentos, para a instalação de um
sistema de tratamento das chamadas águas cinzas, aquelas utilizadas em
lavatórios, máquina de lavar e cozinha. Ele ressaltou que o tratamento
individual do esgoto doméstico ainda não pode ser incentivado de imediato por
causa dos riscos de contaminação.
Além do tratamento, também foi feito um sistema de captação da água de chuva e a instalação de hidrômetros individuais nos apartamentos, para estimular os moradores a reduzirem os gastos e os custos.
Além do tratamento, também foi feito um sistema de captação da água de chuva e a instalação de hidrômetros individuais nos apartamentos, para estimular os moradores a reduzirem os gastos e os custos.
“Com
essas três alternativas reduzimos em torno de 60% a captação de água tratada da
rede. É um resultado bem interessante, mostrando que é possível também ter
plantas pequenas para fazer um tratamento dessa água residual e reutilizá-la
para irrigação de gramado e lavagem de piso”, disse Santos.
Em
relatório, a UNESCO cita que as águas residuais podem ser uma importante fonte
de abastecimento em algumas cidades localizadas em regiões áridas ou onde são
necessárias transferências de longa distância para atender às demandas
crescentes, em particular durante períodos de seca, como ocorreu em São Paulo.
(ecodebate)
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