População e economia nos 200 anos da Independência do
Brasil: 1822-2022
O
Brasil está entre os países que apresentaram maior crescimento demoeconômico do
mundo, nos últimos 200 anos. Mesmo sendo o quinto país em extensão territorial,
a população brasileira, quando o príncipe regente D. Pedro I declarou a
Independência, era de somente 4,7 milhões de habitantes, em 1822 (menor do que
a cidade do Rio de Janeiro atual).
Nos
cinquenta anos seguintes, a população dobrou de tamanho e chegou a 9,9 milhões
de habitantes em 1872, quando se realizou o primeiro censo demográfico do país.
Em 1900 a população alcançou 17,4 milhões de pessoas e pulou para 51,9 milhões
de habitantes em 1950. Na virada do milênio, o número de brasileiros chegou a
170 milhões de habitantes. Portanto, nos cerca de 80 anos entre 1872 e 1950, a
população brasileira foi multiplicada por 5 vezes e no século XX, entre 1990 e
2000, a população foi multiplicada por um fator de cerca de 10 vezes.
As
projeções do IBGE (revisão 2013) estimam uma população de 214 milhões de
pessoas na data da comemoração dos 200 anos da Independência. Portanto, entre
1822 e 2022 a população brasileira deve apresentar um aumento de 46 vezes em
seu volume. Para efeito de comparação, a população mundial era de cerca de
1,133 bilhão em 1822 e deve chegar a aproximadamente 7,8 bilhões de habitantes
em 2022, um acréscimo de cerca de 7 vezes. Desta forma, o ritmo de crescimento
da população brasileira foi mais de 6 vezes superior ao ritmo de crescimento da
população mundial.
Mas
contrariando as previsões malthusianas, o crescimento econômico não foi travado
pelo enorme crescimento demográfico. Durante o Império (1822-1889) o PIB
acompanhou o ritmo de crescimento da população (quase não houve aumento da
renda per capita). Nos primeiros 20 anos da República, o crescimento econômico
também foi medíocre. Porém, entre 1910 e 1950 o Brasil promoveu uma arrancada
do desenvolvimento e a economia cresceu acima do ritmo de variação demográfica,
possibilitando um razoável crescimento da renda per capita. Mas foram nos
chamados “30 anos gloriosos”, quando o ritmo demográfico chegou a seus valores
máximos (2,8% ao ano), que também a economia – aproveitando os bons ventos da
dinâmica internacional – teve o seu melhor desempenho, com taxas de crescimento
ao redor de 7% ao ano. Nunca nos 500 anos de história do Brasil a renda per
capita cresceu em ritmo tão alto (4,2% ao ano), como no período 1950 a 1980.
Contudo,
a recessão econômica do início da década de 1980, que foi gerada por erros da
política macroeconômica da ditadura e também pela crise internacional
(provocada pelo choque do petróleo e pelo choque dos juros americanos) derrubou
as taxas de crescimento econômico e o Brasil teve a sua primeira década
perdida, com redução da renda per capita entre 1981 e 1990. Na última década do
século XX e na primeira década do século XXI o PIB cresceu em ritmo mais rápido
do que o aumento demográfico. Todavia, o Brasil está vivendo a sua segunda
década perdida e deve apresentar queda da renda per capita entre 2011 e 2020.
Em
duzentos anos, estima-se um crescimento de 46 vezes da população, de 834 vezes
do PIB e de 18 vezes na renda per capita, entre 1822 e 2002, conforme mostra o
gráfico acima. No longo prazo os ganhos no progresso são inequívocos. A
esperança de vida ao nascer que estava estimada em cerca de 25 anos em 1822,
passou para 50 anos em 1950 e deve chegar a 77 anos em 2022, segundo dados da
Divisão de População da ONU. Isto quer dizer que as pessoas vivem, em média,
três vezes mais atualmente do que no tempo do Brasil colônia.
Houve
também avanços na educação, nas condições de moradia, nas condições de
mobilidade social e espacial, no acesso às informações – devido ao avanço das
telecomunicações e na revolução de dados – e na democratização da sociedade. As
mulheres, por exemplo, que tinham alto índice de analfabetismo e não tinham
acesso à educação superior, além de não possuir direito de voto, reverteram o
hiato educacional, chegaram à presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e
da Presidência da República e obtiveram diversas vitórias no campo social,
econômico, cultural e institucional.
Em
duzentos anos, o Brasil deixou de ser um país agrário, rural, escravista,
patriarcal, com baixa participação democrática e pobre, para se transformar em
um país urbano, industrial, com amplo mercado de trabalho, com predominância do
setor de serviços, pós-patriarcal, com ampla participação democrática e de
renda média. O Brasil passou por várias transformações, como a transição
demográfica, a transição urbana, a transição epidemiológica, transição
nutricional (da prevalência da desnutrição para a prevalência do sobre peso e
da obesidade) e está no meio de uma transição religiosa, com maior pluralidade
religiosa e mudança de hegemonia entre católicos e evangélicos (Alves, 2015).
Mas
para dar o salto para o grupo de países de alta renda, seria preciso manter o
crescimento da renda per capita e aproveitar o restante do bônus demográfico,
que é o momento em que a demografia favorece o crescimento econômico. Porém, o
Brasil teve uma primeira década perdida (1981-1990), uma lenta recuperação nas
décadas de 1990 e 2000 e vive, no presente, uma segunda década perdida
(2011-2020).
O
FMI também mostra que a participação do PIB brasileiro (em poder de paridade de
compra) no PIB mundial que era de 4,34% em 1980, caiu para 2,6% em 2016 e deve
diminuir para 2,4% em 2022. A maior queda no século passado ocorreu nos
governos José Sarney (1985-1989) e Fernando Collor (1990-1992) e, no atual
século, nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer.
Nos
30 anos entre 1950 e 1980 a taxa de crescimento do PIB brasileiro só não foi
maior do que a taxa de crescimento mundial em 4 anos (1956, 1963, 1964 e 1965).
Em nenhum ano entre 1950 e 1980 houve decréscimo do PIB. Porém, entre 1987 e
2022 o Brasil só cresceu mais que a economia internacional em 8 anos (1993,
1994, 1995, 2002, 2004, 2007 e 2010). O Brasil cresceu menos do que o mundo em
22 anos entre 1987 e 2016 e deve crescer menos nos 6 anos seguintes até 2022.
Assim, o Brasil virou um país submergente.
O
gráfico abaixo mostra que o crescimento do PIB entre 2011 e 2020 deve ficar em
7,9%, o crescimento da população em 8,5% e a renda per capita deve cair em 0,6%
na década. Ou seja, o Brasil vai chegar em 2020 mais pobre do que em 2010. O
FMI estima que a economia brasileira vai crescer algo em torno de 2% entre 2018
e 2022 (o que não é certo), mas mesmo assim não será suficiente para compensar
a grande recessão e declínio da renda per capita ocorrida entre 2014 e 2017.
Provavelmente, o Brasil terá muito pouca coisa para comemorar nos 200 anos da
Independência.
Além
de crescer pouco, o Brasil enfrenta uma série de problemas estruturais, como um
grande déficit primário e um ainda maior déficit nominal. Desta forma, a dívida
pública tem crescido e ameaça sair do controle se ultrapassar o limiar de 100%
do PIB (o que pode acontecer em 2022). Altas taxas de juros e o déficit da
previdência social só agravam esta situação. Com o envelhecimento populacional
haverá uma redução do percentual da população em idade ativa e um aumento do
custo com a alta razão de dependência entre os idosos. Tudo isto indica que o
Brasil deve rumar para o quadro de estagnação secular e pode ficar preso para
sempre na “armadilha da renda média”.
Os
dados do gráfico abaixo mostram que o Brasil manteve uma renda per capita maior
do que a renda per capita mundial entre os anos de 1980 e 2015. Mas com a queda
da renda brasileira na gestão Dilma-Temer, entre 2014 e 2017, a população média
mundial já superou (a partir de 2016) o nível de renda do Brasil e esta
diferença tende a aumentar até 2022. Há que se considerar que junto com a queda
da renda per capita na atual década, houve também um aumento da desigualdade e
os pobres brasileiros estão cada vez mais dependentes dos baixos valores do
Programa Bolsa Família.
Enquanto
isto o mercado de trabalho entra em colapso. Segundo a PNAD Continua do IBGE, o
desemprego aberto atingiu 14,2 milhões de pessoas, com uma taxa de 13,7% no
primeiro trimestre de 2017. Já a “Taxa Composta da Subutilização da Força de
Trabalho” está em torno de 23%, significando cerca de 25 milhões de pessoas
desempregadas, desalentadas ou subutilizadas. Este número é maior do que toda a
força de trabalho da Espanha. O número de trabalhadores com carteira de
trabalho também tem caído e aumentado a informalidade. Sem trabalho não dá nem
para participar da greve geral. Onde está o direito ao pleno emprego e ao
trabalho decente?
E o
pior é que o alto déficit público, as baixas taxas de poupança e investimento,
a incapacidade de fazer reformas adequadas e a baixa produtividade da economia
estão antecipando o fim do bônus demográfico e comprometendo o futuro do
Brasil.
Mas
além da crise econômica e social, o Brasil também vive uma crise ambiental.
Como mostraram Alves e Martine (2017) o progresso econômico ocorrido desde a
Independência aconteceu em função do regresso ambiental. A destruição dos
ecossistemas é um verdadeiro holocausto biológico e um crime de ecocídio, pois
cerca 90% da cobertura original da Mata Atlântica foi destruída a ferro e fogo,
50% do Cerrado, 20% da Amazônia, etc. O desmatamento anual da Amazônia que
vinha diminuindo até 2012 voltou a subir em 2013 e já está no preocupante
patamar da década passada.
Enquanto
os políticos disputam a paternidade da transposição, o rio São Francisco está
morrendo e vê a diminuição das nascentes e do volume de água, assim com a redução
da vida aquática. O rio Carioca, na “Cidade Maravilhosa”, já morreu e se tornou
um esgoto fétido. O rio Ipiranga – onde D. Pedro deu o grito da Independência –
foi enterrado vivo e virou esgoto, como a maioria dos rios da grande São Paulo.
O rio Arrudas, em BH, foi domado, canalizado e poluído, contribuindo para a
degradação do rio das Velhas, principal afluente do São Francisco. Os rios
Pajeú e Riacho do Navio só vivem na imortal música de Luiz Gonzaga e Zé Dantas.
O rio Doce virou amargo antes e, principalmente, depois do desastre da Samarco,
em Mariana/MG. O rio Paraíba do Sul já sofreu uma grande transposição (para o
rio Guandu que abastece a RMRJ) e, assim como os demais, está assistindo ao
lento e contínuo naufrágio de sua foz.
Portanto,
o Brasil caminha para uma estagnação secular, em termos econômicos, com
continuidade da degradação ambiental. Os duzentos anos da Independência
representaram um grande prejuízo para o meio ambiente. No plano da sociedade,
pode ser que o tecido social brasileiro não suporte o stress causado pelas
desigualdades e as constantes quedas da renda per capita, ainda mais em um
cenário onde a depleção dos ecossistemas não consiga mais promover o
enriquecimento humano, já que o empobrecimento da base natural seria incapaz de
continuar sustentando uma civilização que promoveu uma terra arrasada em todo o
território nacional.
Assim como nos 500 anos do descobrimento do
Brasil, as comemorações dos 200 anos da Independência podem ser mais motivo de
protesto do que de festa. (ecodebate)
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