Contaminação, escassez da água e terremotos minam
‘credibilidade’ do fraturamento hidráulico (fracking)
Novo estudo qualitativo mostra
que as pessoas estão preocupadas com os impactos ambientais e sociais e tendem
a apoiar investimentos em energias renováveis.
Berço do fraturamento hidráulico, ou fracking, os Estados
Unidos vivem o que parecer ser o ocaso da tecnologia usada há décadas para
extrair o petróleo e gás de xisto do subsolo. São incontáveis os sinais de que
a fatura da produção de ‘energia barata’ que libertou os americanos da
dependência do petróleo do Oriente Médio começa a ser cobrada. A primeira delas
é a perda do apoio da população e a desconfiança nas instituições que sempre
defenderam a tecnologia e omitiram seus riscos e perigos.
Este é o cenário de destruição no campo de petróleo da Chevorn em Sierra Nevada, na Califórnia.
Este é o cenário de destruição no campo de petróleo da Chevorn em Sierra Nevada, na Califórnia.
Basta dar um Google para constatar,
quase que diariamente, o surgimento de novos estudos e pesquisas e notícias que
comprovam o que desde o princípio já se sabia: O alto custo ambiental e social
da utilização dessa tecnologia definitivamente não compensa seus riscos e
impactos. Atualmente, o fracking já
está relacionado à contaminação de reservas subterrâneas e de superfície de
água, à ocorrência de terremotos, à fragmentação dos ecossistemas, ao
agravamento da saúde das pessoas e animais e, para piorar, ao agravamento do
aquecimento global pela emissão sistemática do metano e outros gases de efeito
estufa.
Num recente estudo de pesquisadores da UC
Santa Barbara foram
incluídas questões-chave como o risco de contaminação da água, bem como preferências
para as fontes de energia renováveis sobre os combustíveis fósseis para atender
às necessidades energéticas nacionais. A pesquisa contou com a participação do
Reino Unido, onde o fracking é
tido pelo governo como uma ‘solução’ para alcançar a eficiência energética, o
que é contestado pela maior parte da população.
Com base em mais de uma década de
pesquisas desenvolvidas pelo Centro de Nanotecnologia na Sociedade da UCSB
(CNS) e pela Universidade de Cardiff no País de Gales, o estudo demonstrou como
os métodos deliberativos de engajamento público podem ser aplicados a esses
objetivos. Este é o primeiro estudo qualitativo, interdisciplinar,
transnacional de percepções públicas dos EUA e da U.K sobre a extração de
xisto. Os resultados foram publicados na Revista Nature Energy.
“Este estudo encontrou
surpreendentemente altos níveis de preocupação ambiental e social sobre
fraturamento hidráulico em áreas sem experiência direta com a tecnologia”,
disse a co-autora Barbara Harthorn, diretora do CNS e professora do
Departamento de Antropologia da UCSB. “Esse método fornece fortes evidências de
que diversos membros do público são capazes de pesar de forma crítica e
refletir sobre as decisões locais e coletivas do sistema de energia e seus
impactos”.
Metodologia
Os pesquisadores dos EUA e Reino Unido
realizaram uma série de oficinas de deliberações cuidadosamente planejadas, com
vários membros do público em quatro cidades: Los Angeles, Santa Barbara,
Londres e Cardiff. Essas discussões aprofundadas permitiram aos pesquisadores
olhar além das evidências existentes sobre opiniões públicas a respeito do
fraturamento hidráulico baseadas principalmente em áreas já impactadas.
Os resultados mostraram que o
desenvolvimento de xisto foi amplamente visto como uma correção de curto prazo,
levando a uma dependência indesejada de combustíveis fósseis finitos em
detrimento do desenvolvimento de energias renováveis. Os participantes em ambos
os países observaram que a maioria dos benefícios propostos seria relativamente
de curto prazo (empregos especializados de duração limitada), ao passo que os
riscos seriam quase certamente de longo prazo (degradação ambiental).
Os impactos da exploração do petróleo e gás de xisto por fracking são irreversíveis.
Os impactos da exploração do petróleo e gás de xisto por fracking são irreversíveis.
O estudo concluiu que os entrevistados consideravam os
impactos potenciais distribuídos de forma desigual, argumentando que os
benefícios econômicos e de emprego atribuídos ao desenvolvimento do xisto não
eram exclusivos e se aplicariam igualmente a investimentos significativos e a
ampliação de tecnologias renováveis.
Ou seja, os participantes do estudo
questionaram por que investir numa tecnologia altamente poluente, que pode
causar danos permanentes e irreversíveis, ao invés de priorizar o
desenvolvimento de uma matriz a partir de energias renováveis? Todos os olhares
recaem sobre os gestores públicos.
Diferentes preocupações nos dois
países refletiram diferentes modelos de governança das indústrias extrativas.
Nos EUA, alguns participantes queriam mais diretrizes federais padronizadas e
responsabilidade de longo prazo. Por outro lado, no Reino Unido, onde a
regulamentação é predominantemente a nível nacional, houve pedidos de maior
controle local. Independentemente da localização, os participantes expressaram
profunda desconfiança do governo e das instituições.
Risco iminente
“Na Califórnia, experiências passadas
e atuais com a indústria petrolífera regional minimizaram a preocupação com
alguns sobre o futuro desenvolvimento do xisto”, disse o coautor Tristan
Partridge, um pós-doutorado do CNS e do Departamento de Antropologia da UCSB.
“No entanto, para outros, as experiências pessoais de escassez de água e
terremotos amplificaram esse senso de risco”.
Na Inglaterra, onde a extração de
petróleo e gás em terra é menos comum, os participantes se basearam em
experiências tangenciais do carvão e das indústrias pesadas ao fazer sentido do
que o desenvolvimento de xisto pode significar para eles no futuro.
“Isto – e outras pesquisas que temos
realizado – mostra que o público em ambos os países claramente quer um
movimento em direção a um sistema de energia mais limpo e mais sustentável no
futuro”, disse o autor correspondente Nick Pidgeon, professor de psicologia
ambiental na Universidade de Cardiff. “Os resultados confirmam que o
desenvolvimento do xisto não é compatível com essa visão”.
O financiamento principal desta
investigação foi fornecido pela National Science Foundation com apoio
suplementar do programa de investigação e inovação Horizon 2020 da União
Europeia.
Brasil contra o fracking
“Muito interessante essa percepção,
pois no Brasil vivenciamos exatamente essa desconfiança da população em relação
ao fracking, seja
pelos impactos ambientais, econômicos e sociais omitidos por governantes e
empresas, seja pela certeza de que essa indústria fóssil irá reproduzir aqui a
mesma dinâmica perversa e devastadora de outros países”, diz Nicole Figueiredo
de Oliveira, diretora da 350.org Brasil e América Latina e coordenadora
nacional da COESUS – Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida.
Campanha Não Fracking Brasil avança em todo o Brasil com centenas
de cidades provando legislação proibindo operações para exploração do gás de
xisto.
Desde 2013, a COESUS, 350.org Brasil e
centenas de parceiros desenvolvem a campanha Não Fracking Brasil com o objetivo
de impedir que o fraturamento hidráulico chegue ao país. Aproximadamente 300
cidades já aprovaram leis municipais para banir operações de fraturamento
hidráulico para exploração de gás de xisto. O Estado do Paraná aprovou em
dezembro da Lei 18.947/2016 que suspende por 10 anos o licenciamento para essa
exploração, inclusive com a proibição dos testes sísmicos nesse período.
“As justificativas são os riscos que a
tecnologia traz para a agricultura, para a saúde e para as reservas de água, a
falta de transparência dos governantes e o simples fato de que a indústria do fracking mente sobre os impactos, especialmente
para o clima, e está intimamente ligada aos casos de corrupção”, completa
Nicole.
Para a diretora da 350.org Brasil e
América Latina, “vivemos a insegurança das mudanças climáticas que já fazem
milhões de vítimas no mundo e nos colocam como imperativo o desinvestimento em
novos projetos fósseis e o cancelamento dos atuais.
A única alternativa para
garantirmos as condições necessárias para a existência humana e de todas as
formas de vida neste planeta é investirmos em energias renováveis”.
O objetivo é alertar as pessoas e os líderes
mundiais sobre os efeitos destruidores das mudanças climáticas e a urgência do
rompimento com a indústria dos combustíveis fósseis. (ecodebate)
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