Frequentemente
se imaginava que a imagem de populações imersas em resíduos sólidos pudessem
representar cenários cujo impacto catastrófico pudesse trazer modificações
paradigmáticas na conservação ambiental. No entanto, é a escassez de água, e
secundariamente as dificuldades nas disponibilidades energéticas, em parte
decorrente das dificuldades hídricas, que vem alterando estes padrões. A
natureza parece ser irônica para reagir as agressões antrópicas.
O caminho que
está sendo percorrido, se aproxima de uma antiga previsão, que registrava que a
civilização humana corria o risco de afogar cidades sob a água salgada dos
mares em regime de transgressão, em cenário de carência de água doce
potabilizada. Esta realidade se contextualiza com as mudanças climáticas que
geram o aquecimento global, com o consequente derretimento de geleiras e
elevação dos níveis dos mares. É como o náufrago que se observa cercado de água
salobra e sem disponibilidade de água potável para sua dessedentação.
Relatórios da
Organização das Nações Unidas registram o diagnóstico de que mais de 1 bilhão
de pessoas não tem acesso a quantidades mínimas aceitáveis de água potável, que
gere situação de segurança hídrica. O recente episódio de baixa pluviosidade na
região sudeste, a mais rica do país, começa a fazer perceber que não é o volume
ou a natureza das obras que pode solucionar a situação, e sim uma radical
mudança de atitude na compatibilização e harmonização com os meios físico e
biológico do planeta, entendido como a “nave” que todos compartilhamos no decurso
de nossa vida em comum.
A Organização
das Nações Unidas prevê que se nada mudar nos padrões de consumo e na forma
geral dos indivíduos se relacionarem com o planeta, num horizonte próximo cerca
de 5,5 bilhões de pessoas poderão não ter acesso aos recursos hídricos, tão
fundamentais para a vida, correspondendo a 2/3 do total da população. E num
horizonte maior, se diagnostica que menos de ¼ da humanidade vai dispor de água
potável para satisfazer suas necessidades básicas de vida.
A escassez de
água não é problemática apenas para dessedentação. Também gera dificuldades na
manutenção das condições sanitárias e facilita a propagação de doenças, como a
diarreia e a malária, que são responsáveis por mais de 2 milhões de óbitos em
indivíduos humanos a todo ano, nas regiões mais vulnerabilizadas da terra.
A água doce,
que pode ser potabilizada é um bem raro. Já se produz água potabilizada a
partir de água dessanilizada, mas a um custo energético ainda bastante elevado.
Cerca de 97% das águas que cobrem a superfície da terra são salinizadas. Dos
restantes 3%, a maior parte está em geleiras ou calotas polares. Menos de 1%
está disponibilizada, predominando as águas subterrâneas, armazenadas em
aquíferos. A água disponível em rios, lagos e lençóis freáticos totaliza menos
de 0,25% da água total do planeta.
Como se observa
são muito exíguas as disponibilidades de água doce no planeta, e ainda devem
ser divididas com os demais membros da fauna e com todo reino vegetal. É claro
que as fontes não deveriam se esgotar pela manutenção permanente dos ciclos
hidrológicos. Mas a velocidade de recomposição dos aquíferos superficiais tem
mostrado harmonização em ritmo descompassado com a exploração dos recursos
hídricos pelas atividades antrópicas. Em particular, quando se agregam as
modificações geradas pelas mudanças climáticas.
Evidentemente
se apropriar das realidades exibidas por este conjunto multifatorial, é tarefa
que demanda certa complexidade sistêmica e não é realizada de forma intuitiva.
Mas as consequências são as mesmas e geram conscientização em toda sociedade. É
preciso mudar a relação com a água e os demais bens naturais buscando
reestabelecer as condições mínimas de equilíbrio.
Especialistas
assinalam que a crise hídrica que atinge o estado de São Paulo, decorre de
desequilíbrio já de alguns anos na pluviosidade média, não acompanhando a
demanda crescente de uso, e até de desperdício. No entanto, esta anomalia
climática não é o único fator. Também contribuem fatores de infraestrutura, que
não significam necessariamente ausência de planejamento, e sim dificuldades
impostas pela burocratização e estanqueidade dos mecanismos estatais de
operação. Onde as crescentes complexidades não são acompanhadas por níveis
equivalentes de evolução nos estágios de gestão, governança e conformidade.
Ou
seja, legislação ambiental, cada vez mais complexa e abrangente, convive com
órgãos aplicadores desaparelhados e ineficientes que não conseguem se coordenar
ou se comunicar eficientemente entre si. Evidentemente, as dificuldades de
execução se tornam manifestas e os resultados sociais extremamente
ineficientes, retratando as dificuldades das operações, que se perdem em
objetivos sistêmicos parciais, não conseguindo estabelecer metas de consecução
conjuntas.
Se o sistema
social padecesse da mesma moléstia, as empresas estariam comprometidas e os
níveis de empregabilidade que garantem o funcionamento virtuoso da sociedade,
com incrementos na geração de impostos e a garantia da manutenção de um estado com
condições de intervir na sociedade de maneira eficiente, atendendo às demandas
sociais, estaria comprometido. Quando eventos naturais se associam a
dificuldades de articulação para a consecução de objetivos mais amplos, não
deixa de ser em parte, algo análogo, o que está ocorrendo. Com consequências
sociais e coletivas de resultados inestimáveis.
A cultura de
vincular a importância do bem ao valor desembolsado na sua aquisição, dificulta
a valoração adequada do bem água. Não se está defendendo o aumento desmesurado
dos preços da água. Mas se a cultura popular associa preço ao valor do bem e
não à conscientização de sua função social e ecossistêmica, então está
estabelecida uma situação de extrema dificuldade e complexidade. Se a
preciosidade da água for repassada aos custos de sua disponibilização e forem
criadas dificuldades para os hábitos necessários de natureza sanitária de todos
os indivíduos, então os resultados podem ser mais desastrosos e medidos nas
portas dos carentes serviços de saúde do país.
Mas
o maior erro, talvez, seja permitir que a situação atinja níveis próximos à
situação de catástrofe para que as medidas reguladoras sejam tomadas. Em
questões ambientais e naturais em geral, é consensual a apreciação de que é
preferível prevenir do que remediar. Tanto pelos custos gerados quanto pelo
pânico produzido. A prevenção, no mínimo, gera melhores condições de
administração geral das perspectivas e projeções dos indivíduos, em caldeirões
de interesses e necessidades, que são de difícil avaliação, ainda mais em
cenários políticos ou meramente econômicos, que na maioria das vezes são
absolutamente intangíveis. (ecodebate)
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