quarta-feira, 7 de junho de 2017

Trump sai do Acordo de Paris

Trump sai do Acordo de Paris. Ruim para o planeta, pior para os EUA
 
Após muitas ameaças, o presidente americano enfim cumpriu sua promessa e deu o primeiro passo para tirar os EUA do maior acordo internacional sobre clima da história.
Donald Trump hesitou em cumprir sua promessa. Foram reuniões e mais reuniões com seus conselheiros até bater o martelo e anunciar, nesta quinta-feira (1º), que está tirando os Estados Unidos do Acordo de Paris – o tratado assinado na capital francesa e ratificado por mais de 130 países com metas para reduzir poluição emitida por fábricas, veículos e desmatamento e, desta forma, limitar o aumento da temperatura do planeta. "Para cumprir meu dever de proteger a América, os Estados Unidos vão se retirar do Acordo do Clima de Paris e começar renegociações para reentrar no acordo de uma forma que seja justa com o povo americano", disse o presidente.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anuncia que o país está se retirando do Acordo de Paris.
As medidas não são surpresa para ninguém. Desde o início da campanha eleitoral, Trump ataca as regulações ambientais e o acordo internacional do clima. Seu escolhido para chefiar a Agência de Proteção Ambiental, Scott Pruitt, iniciou o processo de desmontar as medidas climáticas aprovadas no governo anterior, do ex-presidente Barack Obama. Mas ainda havia dúvidas se Trump tomaria o caminho longo e complicado de bater de frente contra a comunidade internacional e o multilateralismo. Foi esse o caminho escolhido, amparado por seu mote "America first". Nesse caso, o que vem primeiro não é o meio ambiente americano, mas possíveis postos de trabalho que a indústria de carvão e petróleo poderia gerar se ela ficar livre de restrições ambientais.
O ataque de Trump às políticas para conter o aquecimento global nos EUA tem muitas frentes. Na área da diplomacia, o presidente americano fez questão de mostrar seu isolamento na última reunião do G7, na Itália – os líderes das outras seis maiores economias do mundo disseram que o combate às mudanças climáticas é prioridade. No cenário doméstico, a administração americana promove o total desmonte das políticas ambientais aprovadas por Obama. Em apenas 100 dias, Trump desfez 23 regulamentações ambientais da era Obama, mostra um levantamento do jornal americano The New York Times.
Entre essas mudanças está a que fala em "reescrever" o Plano de Energia Limpa (Clean Power Plan), uma das medidas ambientais mais importantes do governo Obama. O plano determinava a redução de emissões de usinas de energia já existentes nos Estados Unidos. Não está claro como ele será reescrito, exceto que deverá ser norteado pelo princípio de "reduzir a dependência de outros países para energia". O que, no jargão de Trump, deve significar facilidades para extrair carvão e petróleo em solo americano. A outra medida relevante acaba com uma moratória nas concessões de novas áreas para a mineração de carvão em terras públicas americanas. A moratória foi apresentada por Obama no começo de 2016, sob o argumento de que os resultados do programa deveriam ser reavaliados para saber se ainda valia a pena ser custeado pelo contribuinte. Trump não esperou o resultado da avaliação e já tem a resposta. Para ele, vale o contribuinte custear uma operação cara e que danifica o ambiente se isso resultar em empregos para a indústria do carvão.
Separadas, essas medidas podem parecer ter pouco efeito sobre a política climática americana. Porém, elas formam os principais alicerces da tentativa de Obama para reduzir emissões: tirar investimentos das energias fósseis, como no caso da mineração de carvão, e forçar as indústrias já existentes a emitir menos e ser mais eficientes. Sem essas regulações, e sem uma política climática para substituí-las, é provável que os Estados Unidos não consigam reduzir emissões como prometeu Obama. É exatamente isso que Trump quer.
Mais do que as ações de Trump, no entanto, são seus discursos que terão o impacto mais negativo para a política internacional de combate ao aquecimento global. Trump representa um buraco no meio de um acordo que, apesar das críticas, conseguiu colocar todo mundo na mesa de negociação. O Acordo de Paris já foi assinado e ratificado por 147 países, incluindo a China, que só passou a assumir metas após a diplomacia da era Obama, sem falar em União Europeia, Índia, Japão e Brasil. Ao dizer que o acordo é "um mau negócio" para os EUA, Trump prefere se alinhar a Rússia, Turquia e Irã, os três únicos países entre os maiores poluidores que até o momento não ratificaram o Acordo de Paris.
O problema da política de Trump é que, diferentemente de seu nacionalismo, não há muro na fronteira que impeça os impactos previstos pela mudança nas médias de temperatura do planeta. Segundo o National climate assessment, um relatório feito por 300 cientistas americanos ainda durante a administração Obama, os Estados Unidos já estão enfrentando os efeitos de um clima desregulado. Esses efeitos aparecem, por exemplo, em ondas de calor e mudança nos padrões de tempestades. A situação da Califórnia é um exemplo do que os cientistas esperam de alternância de eventos climáticos extremos. Depois de anos com uma seca severa, o estado foi atingido por tanta chuva e neve (que abastece as represas locais quando derretem) que uma barragem quase se rompeu. Ao mesmo tempo, na outra costa do país, moradores de Nova York vivem quase anualmente com os "vórtices polares", trazendo grandes tempestades de neve, que não eram tão comuns no passado. Segundo a NOAA, agência que monitora oceanos e atmosfera dos EUA, uma possível causa para essas tempestades é o aquecimento global no Ártico – o Polo Norte mais quente que o normal está "empurrando" o frio para latitudes mais baixas. Isso sem falar no risco de aumento da intensidade de furacões. Ou seja, enfrentar as mudanças climáticas, para os Estados Unidos, não deveria ser visto como caridade para outros países. É também do interesse deles.
Trump deixará os EUA vulneráveis a esses impactos, tudo em nome de empregos. Mas não há evidências de que as medidas regulatórias de Obama tenham destruído empregos. Pelo contrário, segundo o Bureau of Labor Statistics, a taxa de desemprego no país é a menor desde a crise financeira de 2008. O que aconteceu foi que os empregos migraram. Um estudo da Environmental Entrepreneurs, uma associação de empresários e investidores para promover a economia limpa, chegou à conclusão que, no ano passado, 2,5 milhões de americanos trabalhavam em empregos relacionados a uma economia limpa. Só a energia solar, por exemplo, emprega 300 mil pessoas. O mercado indica que essa tendência continuará. Carvão e petróleo estão em baixa, nos Estados Unidos, principalmente porque enfrentam a concorrência do gás natural obtido pela técnica fracking. Ao mesmo tempo, as renováveis crescem a passos largos, impulsionadas pelo barateamento da tecnologia de geração de energia limpa. Esse é um cenário criado por forças de mercado, e Trump dificilmente mudará isso, com ou sem regulação. Quem sofre, nesse caso, é só o meio ambiente – e a população.
O presidente americano, seja ele quem for, tem uma responsabilidade com sua população – e com o resto do mundo. Afinal, os EUA ainda são o segundo maior emissor de gases de efeito estufa anualmente, e o maior emissor acumulado. Os impactos que esse CO2 a mais na atmosfera causará será sentido no mundo todo. Ao sair do Acordo de Paris, Trump mostra que não se preocupa com essa responsabilidade e que vai deixar a população de seu país arcar com os impactos que isso pode causar. Os Estados Unidos abandonam a liderança que construíram nas negociações climáticas, deixando um vácuo que provavelmente não será assumido por ninguém. Sem lideranças, o clima internacional pode ficar desgovernado. (globo)

Nenhum comentário:

A mudança climática é uma crise de direitos humanos

A crise do clima ameaça os direitos humanos em proporções nunca antes vistas. É esse o alerta que a Anistia Internacional faz com o lançamen...