Ondas letais de calor já antes do
verão: 51,1ºC no Paquistão em 27 de maio; 56ºC no Irã em 4 de junho; em 16 de
junho, 43ºC em Portugal, favorecendo um dos mais mortíferos incêndios
florestais europeus dos registros históricos. Em 19 de junho, 49ºC em Oklahoma,
nos EUA, impedindo aviões de menor porte de voar. Temperaturas extremas
tornam-se mais extremas, prováveis, frequentes e adversas à vida vegetal e
animal em latitudes crescentes do planeta à medida que se adensam as
concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa (GEE).
Depois do dióxido de carbono (CO2),
o metano (CH4) é a personagem mais destacada na trama das mudanças
climáticas antropogênicas em curso. Sua importância vem despontando nos últimos
dez anos e deve crescer ainda mais nos próximos vinte. Uma pesquisa publicada
em dezembro de 2016 na Geophysical Reseach Letters revisa
para cima o impacto das emissões antropogênicas de metano sobre o sistema
climático, em relação aos valores adotados pelo IPCC. Segundo seus autores,
considerado o período 1750-2011, a forçante radiativa do metano (sua capacidade
de absorver e reter na atmosfera a radiação infravermelha reemetida pela Terra,
impedindo que o calor se disperse no espaço) “é cerca de 25% mais alta (aumento
de 0,48 W/m2 para 0,61 W/m2) que o valor adotado pela
avaliação de 2013 do IPCC”.
A partir desses novos cálculos, Gunnar
Myhre, do Center for International Climate and Environmental Research de Oslo,
conclui que “as emissões antropogênicas de metano já causaram um efeito de
aquecimento correspondente a cerca de um terço do efeito devido às emissões de
CO2”. Quando se afirma que, no último decênio, o metano entrou
definitivamente em cena no balanço das causas maiores das mudanças climáticas,
esse é o primeiro ponto a ser considerado.
O segundo ponto diz respeito ao ritmo de aumento das concentrações atmosféricas
de metano. Em 1750, essas concentrações eram de 700 partes por bilhão (ppb). Em
2015, elas atingiram 1.834 ppb, como mostra a figura abaixo.
Entre 2000 e 2005, houve desaceleração
e tais concentrações aumentaram em média apenas 5 partes por bilhão (ppb) ao
ano. Mas a partir de 2007, elas começam a subir de novo muito rapidamente. Em
2015, elas aumentaram 9,9 ppb, praticamente o dobro da taxa média de aumento do
começo do século. Nos últimos três anos, a curva das concentrações atmosféricas
de metano está se aproximando do cenário de mais intensa emissão de GEE, isto
é, o cenário RCP 8,5 W/m2 proposto pelo IPCC, como mostra a figura
abaixo.
O terceiro ponto a considerar quando
se fala na contribuição crescente do metano na composição dos GEE no último
decênio é o amplo leque de suas fontes emissoras, todas elas crescentes. Antes de sua queima como gás
natural, o metano escapa para a atmosfera em todas as etapas da indústria de
combustíveis fósseis: extração por hidrofracionamento, distribuição,
armazenagem, consumo e minas de carvão ativas e abandonadas. Mas além das
emissões ligadas às energias fósseis, quantidades ainda maiores de metano são
lançadas à atmosfera por outros quatro fatores principais:
1. Fermentação entérica dos rebanhos
2. Agricultura e incêndios de
turfeiras
3. Liberação de metano nas
hidrelétricas
4. Degelo dos pergelissolos e dos
hidratos de metano
Por enquanto, as emissões de metano são
predominantemente biogênicas, cabendo à indústria fóssil 30% a 45% dessas
emissões e aos itens 1 e 2 (fermentação entérica dos rebanhos, agricultura e
incêndios de turfeiras), 55% a 70% delas, conforme a figura abaixo.
Outra fonte de metano – as
hidrelétricas – não é ainda claramente contabilizada nos cálculos das emissões
de GEE, embora tenha sido quantificada, por exemplo, por Philip Fearnside,
pesquisador titular do INPA. Ele mostra que “em termos de emissão de gases de
efeito estufa a represa de Balbina no Brasil [é] pior que a queima de combustíveis
fósseis”. Além de seus brutais impactos socioambientais, as hidrelétricas são,
portanto, grandes emissoras de metano e, desmentindo um tenaz lugar-comum, não
oferecem uma matriz energética de baixo carbono.
O quarto fator, decerto o mais
potencialmente perigoso, a assegurar ao metano uma posição cada vez mais
central na cena climática é o fenômeno de amplificação do aquecimento global no
Ártico. Segundo o relatório da Organização Meteorológica Mundial, de março de
2017, muito do aquecimento médio global de 1,1ºC acima do período
pré-industrial atingido em 2016 deve-se ao aquecimento do Ártico, onde as
temperaturas médias já atingiram, em algumas áreas, ao menos 3ºC acima do
período 1961-1990 e até 6,5ºC no aeroporto de Svalbard, na Noruega, um salto
gigantesco de 1,6ºC em relação ao último recorde. Esse enorme aquecimento
desencadeia uma dinâmica de retroalimentação, na qual o maior calor causa
retração do gelo marítimo e degelo dos pergelissolos terrestres e marítimos,
diminuindo drasticamente o albedo (a fração da radiação solar reemitida pela
Terra de volta para o espaço), o que aumenta, por sua vez, o aquecimento e
assim sucessivamente.
O mais iminente perigo de um aumento
desenfreado da liberação de metano na atmosfera provém da plataforma marítima
continental da Sibéria oriental (ESAS), pois 75% de sua área de 2,5 milhões de
km2 está a menos de 40 metros de profundidade. Seu leito, outrora
recoberto de gelo, está agora, dadas temperaturas estivais muito acima de zero,
cada vez mais exposto à radiação solar. Ocorre que há quantidades imensas de
metano, em grande parte sob a forma de hidratos de metano, armazenadas nos
sedimentos dessa plataforma. E como essa plataforma é muito rasa, o metano não
mais aprisionado nesses hidratos, e liberado também pela ação bacteriana sobre
o carbono aí represado, está subindo em colunas de bolhas de metano diretamente
para a atmosfera. A taxa de aceleração desse processo é ainda objeto de
controvérsia. Mas ele já está em curso. “Devemos lembrar – e muitos cientistas
infelizmente esquecem – que é apenas desde 2005 que ocorre essa abertura
estival do oceano nas plataformas marítimas do Ártico. Assim, estamos numa
situação inteiramente nova, com a ocorrência de um novo fenômeno de degelo”,
escreve Peter Wadhams, num livro recente e fundamental.
É claro que o metano permanece na
atmosfera apenas cerca de 12 anos, enquanto o CO2 permanece em média
de um a três séculos (sendo seu efeito, assim sendo, essencialmente
cumulativo). Mas a ameaça imediata do metano revela-se agora sempre maior,
pois, em termos de potencial de aquecimento global (GWP), uma tonelada de
metano na atmosfera equivale a 72 toneladas de CO2 num horizonte de
20 anos.
Os próximos 20 anos serão, de fato, cruciais.
Segundo os cientistas de Cambridge, reunidos no Arctic Methane Emergency Group
(AMEG), “o metano pode suplantar o dióxido de carbono e se tornar a maior
forçante radiativa nos próximos 20 anos”. A Declaração do AMEG afirma: “as
quantidades de metano na plataforma continental marinha são tão vastas que a liberação
de apenas 1% ou 2% desse metano pode levar à liberação do metano restante em
uma reação em cadeia irrefreável”. E na conferência de imprensa na COP20 de
Lima, em dezembro de 2014, John Nissen, diretor do AMEG, assim resumiu suas
conclusões: “o degelo do Ártico é uma ameaça catastrófica para a civilização”.
(ecodebate)
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