O mundo está ficando mais quente, mas
umas áreas esquentarão mais do que outras e as ondas de calor ficarão mais
frequentes e mais letais. O Brasil vai ser um dos países mais afetados pelas
ondas mortais de calor que devem se espalhar pelo globo ao longo do século XXI,
ainda que se atinja a meta do Acordo de Paris de manter o aquecimento global
abaixo do patamar de 2ºC até 2100.
A figura acima mostra o número de dias
por ano que excede o limiar de temperatura e umidade para além do qual as
condições climáticas se tornam mortíferas no cenário RCP 8.5 do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O artigo “Global risk of
deadly heat”, publicado no periódico Nature Climate Change (19/06/2017)
considera que as mudanças climáticas vão tornar mais frequentes as ondas de
calor letais, no cenário de manutenção atual das emissões de gases de efeito
estufa (GEE).
Atualmente, 30% dos habitantes da
Terra passam por períodos de calor extremo em algum momento do ano, mas ao
longo do corrente século, três quartos da população mundial enfrentarão ondas
mortais de calor. Mesmo com o cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris, a
população exposta ao calor mortal será de cerca de 50%.
As ondas de calor não são coisas do
futuro, mas já deixaram milhares de mortos, até mesmo em países desenvolvidos e
melhor equipados para enfrentar o clima extremo. Na Europa Ocidental, por
exemplo, houve mais de 70 mil mortes apenas durante o verão intenso de 2003.
Em junho de 2017, uma onda de calor
intensa atingiu a cidade de Phoenix, Arizona, quando os termômetros foram a
120°F (49ºC). Isto fez algumas companhias aéreas cancelarem os voos por causa
do calor. A American Airlines disse que cancelou 50 voos porque os aviões não
podem operar acima de 118°F. Foi apenas um exemplo das interrupções que a
mudança climática criará para viagens aéreas.
Artigo de Georgina Gustin (13/07/2017)
mostra que durante uma intensa onda de calor no Sudoeste no mês passado, a
American Airlines cancelou dezenas de voos em Phoenix porque certos aviões em
sua frota não foram projetados para operar a temperaturas acima de 118º F.
Estudo recente apontou 19 aeroportos ao redor do mundo onde o aumento das
temperaturas tornaria mais difícil o fluxo dos aviões. Durante períodos
especialmente quentes, os aviões provavelmente terão que reduzir a quantidade
de peso que podem transportar para se transportar no ar.
No início de julho de 2017, uma onda de calor
impressionante envolveu o oeste dos EUA, ajudando a alimentar vários incêndios
florestais. O calor veio graças uma corrente de alta pressão que se moveu para
o Oeste, com as temperaturas máximas batendo vários recordes, como na figura
abaixo:
Uma temperatura acima de 120ºF (49ºC)
pode tornar a vida inviável e o local inabitado. A temperatura mais alta já
registrada ocorreu no Vale da Morte da Califórnia, nos EUA, de 134ºF (56,7°C),
em 10 de julho de 1913.
Mas normalmente, os trópicos enfrentam
as maiores temperaturas médias e podem ser as regiões mais afetadas no futuro.
A Indonésia, as Filipinas, o norte e nordeste do Brasil, a Venezuela, o Sri
Lanka, o sul da Índia, a Nigéria, a maior parte da África Ocidental e o norte
da Austrália enfrentarão mais de 300 dias de ondas de calor potencialmente
letais cada todos os anos sob a trajetória atual de emissões, conhecida como
RCP 8.5.
O Brasil terá a maior área atingida
pelas ondas de calor. Cidades como Boa Vista, em RR, Manaus, AM, Macapá, AP, e
Cuiabá, MT, vão ter dificuldades para manter as suas atividades normais, pois
as ondas de calor vão perturbar o dia a dia da vida de todos os habitantes.
Deve subir os casos de câncer de pele e outras doenças, pois a umidade elevada
reduz a capacidade do corpo humano de esfriar através da transpiração. Quando o
calor no corpo não pode ser expelido, cria uma condição chamada citotoxicidade
por calor que é prejudicial para muitos órgãos e pode ser fatal.
No início do verão de 2017, várias
partes do hemisfério norte foram atingidas por ondas de calor mas também por
picos de frio, acentuando os eventos extremos. A Sibéria quebrou recordes
absolutos de temperatura. A temperatura em Krasnoiarsk (a 3.350 km a leste de
Moscou) quase quebrou o recorde absoluto da região, com a marca de 37ºC, o que
desencadeou incêndios florestais na Rússia. Em outro extremo do país, em
Murmansk, os termômetros marcaram 1ºC, com a ocorrência de neve.
Na cidade de Ahvaz, no Irã, a
temperatura atingiu 129ºF (54ºC) no dia 29/06/2017. O índice de “calor real”
atingiu 142°F por causa da umidade (61ºC). Estes valores superam o índice de
calor, desenvolvido em 1978, e que tem um máximo de 136°F (58ºC). As ondas de
calor são mais facilmente atribuíveis às mudanças climáticas, de acordo com
cientistas, porque há uma conexão clara entre o carbono absorvido na atmosfera
e a temperatura elevada. Esse calor extremo coloca os moradores de Ahvaz em
grave perigo para desidratação, fadiga por calor, cólicas, choque de calor e
outras doenças. Para os idosos, esses riscos são amplificados.
Problema grave são também as
queimadas, pois o tempo seco e quente aumenta a autocombustão das florestas e
matas, que, ao mesmo tempo, aumenta a emissão de GEE. Artigo de Anne-Sophie
Brändlin (DW, 19/06/2017) mostra que incêndios incrivelmente grandes causaram
um impacto devastador sobre o Alasca e a Indonésia em 2015. Em 2016, o Canadá,
a Califórnia e a Espanha foram devastados por chamas incontroladas.
Em 2017, incêndios maciços devastaram
as regiões do Chile e Portugal, com dezenas de vidas. Estudos extensivos
constataram que grandes incêndios florestais no oeste dos EUA têm ocorrido
quase cinco vezes mais frequentes atualmente do que nos anos 70 e 80. Outro
incêndio atingiu em junho uma reserva natural espanhola e ameaça o Parque
Nacional de Doñana, uma das áreas de biodiversidade mais importantes da Espanha
e um patrimônio mundial da Unesco.
Incêndios florestais nos estados
norte-americanos de Utah e Califórnia destruíram a vegetação e obrigaram a
evacuações de casas. Em Utah, 1.500 pessoas tiveram de ser retiradas de suas
casas. Na Califórnia, o incêndio foi em Santa Clarita, a norte de Los Angeles.
Tais incêndios queimam mais de seis vezes a área terrestre, aumentando as
emissões e diminuição a capacidade das matas em sequestrar carbono. Com o
aumento das temperaturas os incêndios vão se transformar em coisas normais e
mais frequentes (Georgina Gustin, 11/07/2017).
Artigo de Lorraine Chow (30/06/2017)
apresenta as imagens capturadas por satélite da NASA, na última semana de junho
de 2017, mostrando incêndios violentos cobrindo grandes faixas das florestas
boreais da Sibéria. Cerca de 27 mil hectares (100 milhas quadradas) queimaram
na região do Oblast de Irkutsk no sul da Sibéria e outros 27 mil hectares
queimados em estados e regiões vizinhas. As florestas boreais armazenam cerca
de 30% do carbono mundial. Quando queimam, colocam esse carbono na atmosfera,
aumentando os impactos das mudanças climáticas e criando uma Ciclo vicioso que
provavelmente levará a mais incêndios.
O aquecimento global e as ondas
mortais de calor vão afetar os solos e as águas dificultando a produção de
alimentos. Assim, vai ficar cada vez mais difícil fornecer e garantir água potável
e alimentos para 11 bilhões de habitantes do Planeta, previstos para 2100. Ou
seja, o aquecimento global deve afetar a vida da maioria dos seres humanos além
de contribuir para acelerar a 6ª extinção em massa das espécies.
O artigo “The Uninhabitable Earth” de
David Wallace-Wells, publicado na revista New York Magazine (09/07/2017), que
teve grande repercussão nas redes sociais, mostra um cenário catastrófico das
ondas mortais de calor, especialmente em um quadro de aceleração do aquecimento
global:
“Os seres humanos, como todos os
mamíferos, são motores de calor. Sobreviver significa ter que esfriar
continuamente, como cães ofegantes. Para isso, a temperatura precisa ser
suficientemente baixa para que o ar atue como uma espécie de refrigerante, extraindo
calor da pele para que o motor possa continuar bombeando. Isso se tornaria
impossível para grandes porções da banda equatorial do planeta, especialmente
os trópicos, que poderiam aquecer sete graus e onde a umidade contribuiria para
agravar o problema. Nas selvas da Costa Rica, por exemplo, onde a umidade
geralmente atinge 90%, simplesmente se mover quando o sol está a mais de
105ºF (41ºC) seria letal. E, em
temperaturas mais altas, o efeito seria rápido: dentro de horas, um corpo
humano seria cozido até a morte por dentro e por fora” (tradução
livre).
Os cenários são terríveis se nada for feito para
deter o aquecimento global e as ondas letais de calor. O renomado físico
britânico Stephen Hawking disse à BBC que “As ações de Trump podem levar a
Terra à beira do abismo e transformá-la em Vênus, onde a temperatura atinge
250ºC e há chuva de ácido sulfúrico”. O temor de Hawking é de que nossas
circunstâncias na Terra fiquem cada vez mais parecidas a essas condições
inóspitas. “Estamos em um ponto crítico no qual o aquecimento global vai se
tornar irreversível”. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário