Recuperação de mananciais passa por soluções para a falta
de moradias nos centros urbanos.
Com os
crescentes riscos à segurança hídrica das metrópoles brasileiras, a preservação
e recuperação dos mananciais se torna um tema cada vez mais importante. A
discussão envolve outras questões de difícil solução, como a falta de moradias
nos centros urbanos. “Não há solução que não passe pelo problema na habitação.
Quando a gente fala disso, não é possível se resolver uma coisa sem resolver a
outra. Há um déficit gigantesco de moradia, nas áreas metropolitanas
principalmente. As pessoas acabam indo morar onde conseguem”, enfatiza o
presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos.
A
preservação e a recuperação dos mananciais estão entre os pontos da agenda do
8º Fórum Mundial da Água, organizado pelo Conselho Mundial da Água, que será
realizado em Brasília de 18 a 23 de março. Vários projetos desenvolvidos em
municípios brasileiros serão apresentados durante o evento.
A
prefeitura paulistana não tem dados específicos sobre ocupação de mananciais.
No entanto, a Secretaria Municipal de Habitação contabiliza, com dados
atualizados até o último mês de outubro, 1.705 favelas na capital paulista.
Dessas comunidades, 58 estão em áreas que fazem divisa com outros municípios,
onde se concentra a maior parte das nascentes ainda preservadas.
Os
assentamentos irregulares têm duplo impacto das fontes de água potável, como
explica o professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo José
Carlos Mierzwa. “Na medida em que você ocupa, você diminui a capacidade de
concentração de água para continuar alimentando os mananciais. Você tem, por um
lado, a redução da recarga do manancial, a redução do volume que chega ao
manancial. Por outro, o aumento da intensidade de poluição”, explica.
Moradias construídas às margens
da Represa Billings, um dos principais reservatórios de água de São Paulo.
Essa
situação, especialmente em relação à contaminação promovida pela falta de
coleta e tratamento de esgoto, acaba por inviabilizar fontes de abastecimento.
Édison Carlos aponta como exemplo desse tipo de situação a Represa Billings, na
zona sul da capital paulista, que, mesmo com uma grande capacidade de
armazenamento, não pode ser completamente utilizada para o fornecimento de
água. “O Sistema Billings cheio é maior do que o Cantareira. A gente só fala do
Cantareira. Por que não se fala da Billings? Porque está no grau de
contaminação tal que não dá para considerar aquele reservatório gigantesco”,
destaca.
Áreas irregulares e de risco
Para
enfrentar o problema, a coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata
Atlântica, Malu Ribeiro, afirma que é preciso analisar as situações. “Separar o
que é ocupação irregular nessas áreas de baixo valor econômico hoje, que são
áreas de manancial, do que é área de risco”, diz Malu sobre as situações que
podem ser regularizadas e os locais que não devem ser ocupados de forma alguma.
Esses pontos críticos estão, de forma geral, muito próximo aos mananciais e
sujeitos a inundações.
Por
isso há a necessidade de que algumas comunidades sejam removidas, demandando
investimentos habitacionais do Poder Público. Malu Ribeiro afirma que não se
pode, quando a ocupação está em um local crítico, assumir que como a população
está há muito tempo no local não pode ser retirada. “Isso não é verdade. Quando
é para fazer um prolongamento de avenida, como foi a duplicação da Faria Lima,
ou uma rodovia, desapropria-se tudo que está consolidado”, compara.
Grande
parte dos córregos urbanos não tiveram suas margens preservadas e é destino
para lançamento clandestino de efluentes domésticos e disposição de resíduos.
Despoluição e recuperação das matas
Como
exemplo de processo desse tipo em que a realocação das pessoas foi feita com
sucesso, a coordenadora cita o caso dos Bairros Cota, na região de Cubatão,
próximo à Baixada Santista. “Eram áreas consolidadas, foram décadas dessas
ocupações que estavam afetando tanto o Parque Estadual da Serra do Mar como a
disponibilidade de água na Baixada Santista”, lembra.
A partir de
um convênio com o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o governo do estado
de São Paulo foi investido um montante de R$ 1 bilhão para desfazer as
comunidades que estavam instaladas havia cerca de 60 anos na Serra do Mar,
desde a década de 1950. O projeto prevê ainda o reflorestamento das áreas. Os
antigos moradores dos Bairros Cotas foram deslocados para diversos conjuntos
habitacionais construídos na região.
Como bom
exemplo, Malu cita ainda a despoluição do Rio Jundiaí, promovida pelo consórcio
das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ). “Foi
associada a recuperação das matas ciliares à criação de áreas protegidas e
investimento em saneamento básico. O rio saiu, durante a crise hídrica, da
classe 4, que é o pior uso da água no Brasil, totalmente poluído, para a classe
3. E passou a ser utilizado como água de manancial para abastecimento público
das cidades de Indaiatuba e Salto”, detalhou sobre o processo iniciado em 1982
para colher frutos no ano passado, quando foi mudada a classificação do uso das
águas.
Para
o professor Carlos Mierzwa, se os municípios da Grande São Paulo agissem de
forma combinada, seria possível reverter a situação de poluição extrema de
outros mananciais. Assim, seria evitada a necessidade de a metrópole buscar
novas fontes de água em regiões cada vez mais distantes. “Se você tivesse uma
melhor infraestrutura de coleta e tratamento de esgoto, a qualidade do Rio
Tietê ficaria melhor e essas cidades do interior e da região metropolitana
poderiam utilizar a água, inclusive São Paulo. Isso diminuiria um pouco esse
conflito pelo uso da água”. (ecodebate)
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