“É sempre bom lembrar, que o copo
vazio, está cheio de ar” - Copo Vazio, de Chico Buarque.
Superpopulação
é mito? Com essa pergunta o youtuber Pirula tenta responder a outra pergunta:
Será que ocupamos apenas 3% da superfície do planeta?
O
vídeo que Pirula disponibiliza no Youtube traz uma mensagem bastante simples e
útil para mostra de forma didática como o globo está ocupado pelas atividades
antrópicas. Ele explica que realmente as manchas urbanas ocupam apenas 3% da
área habitável do Planeta. Mas, evidentemente, a humanidade não vive apenas dos
recursos fornecidos pelas áreas das cidades.
Pirula
mostra que a produção de alimentos ocupa 40% da área terrestre do Planeta. Mas
os outros 57% dos continentes estão divididos em cerca de 20% de desertos,
áreas geladas da Antártica, do Ártico, da Groenlândia, florestas, pântanos,
etc. Ou seja, é ilusório pensar que a humanidade poderia ocupar 100% da
superfície da Terra e que haveria espaço de sobra para a expansão humana.
Há
seis anos, escrevi dois artigos tratando do mesmo assunto. No primeiro artigo
“A população do mundo cabe na cidade de São Paulo?”, tentei mostrar que de fato
São Paulo poderia abrigar toda a população mundial, mas apenas se colocarmos,
teoricamente, 5 pessoas em pé em todos os metros quadrados da cidade. Mas
evidentemente isto só seria possível se houvesse uma grande terraplanagem para
eliminar toda a vegetação, as águas e os declives dos diversos terrenos (ou uma
verticalização exponencial). Além disto, ninguém poderia se deitar para dormir,
nem ir ao banheiro e todo mundo precisaria viver de brisa.
Ou
seja, mesmo que coubesse, seria inviável colocar toda a população mundial em
São Paulo. Primeiro porque cada pessoa precisa de uma cama para dormir, se
possível um quarto, no mínimo, poderia compartilhar um banheiro, uma cozinha,
uma sala, uma dispensa, etc. Ou seja, as pessoas precisam de moradia e toda
construção ocupa espaço. Os indivíduos também precisam de escola, hospitais,
mercadinhos ou supermercados, farmácias, lojas diversas, áreas de lazer, ruas,
estradas, etc. Ainda tem a energia proveniente das refinarias, do carvão, dos
lagos das hidrelétricas, dos insumos agrícolas para o biocombustível, etc.
Portanto, o impacto das atividades antrópicas vai muito além do espaço urbano,
mesmo que se adotasse uma grande verticalização.
No
segundo artigo “Territórios vazios?”, tentei mostrar que um país não é feito só
de gente, mas sim de toda uma riqueza natural e biológica. Os demais seres
vivos deveriam ter direito à vida, mesmo porque nenhuma espécie consegue viver
sozinha e a maioria das espécies da flora e fauna brasileira estão aqui no
território brasileiro antes da chegada dos seres humanos. A humanidade vive em
uma comunidade biótica e sem biodiversidade haveria um holocausto biológico que
levaria ao colapso qualquer civilização. O ecocídio é também um suicídio.
Como
mostrou Ron Patterson “Há 10.000 anos os seres humanos e seus animais
representavam menos de um décimo de um por cento da biomassa dos vertebrados da
terra. Agora, eles são 97 por cento”. Ao invés do crescimento populacional e da
expansão da pegada civilizacional o que o mundo precisa é de reselvagerizar os
territórios nacionais, preservando metade do Planeta para a vida selvagem
(Alves, 2014).
Portanto,
é sempre bom lembrar que o território vazio (de humanos) está, em geral, cheio
de vida não humana. A economia é um subsistema da ecologia. Não é possível
manter a sustentabilidade do Planeta com uma população humana crescendo
indefinidamente, enquanto promove a 6ª extinção em massa das espécies. Só não
haveria superpopulação humana se, ao mesmo tempo, fosse possível manter a
população das demais espécies vivas da Terra.
A
superpopulação e o superconsumo estão fazendo a Terra perder plantas, animais e
água limpa em um ritmo alarmante. Quatro relatórios sobre a biodiversidade,
divulgados pela ONU (em 23/03/2018), mostram que nenhuma região do planeta está
em boas condições e que a tendência à destruição é causada, fundamentalmente,
pela atividade humana. Durante três anos, mais de 500 especialistas de mais de
100 países, reunidos na Plataforma Intergovernamental sobre Serviços de
Ecossistemas e da Biodiversidade (IPBES), analisaram o estado da fauna e flora
no mundo e constaram: “A biodiversidade, a variedade essencial de formas de
vida na terra, continua a diminuir em todas as regiões do mundo em ritmo
alarmante”.
De
acordo com o relatório, apenas 25% da superfície terrestre permanece livre de
impactos substanciais causados por atividades humanas. E o índice deve cair
para meros 10% até 2050, segundo a IPBES. Apenas algumas regiões nos polos,
desertos e as partes mais inacessíveis das florestas tropicais permanecem
intactas. Até o ano de 2014, mais de 1,5 bilhão de hectares de ecossistemas
naturais foram convertidos em áreas agrícolas. Plantações e pastagens cobrem
atualmente mais de um terço da superfície do planeta. Os processos mais
recentes de desmatamento estão ocorrendo nas regiões do globo mais ricas em
biodiversidade. A expansão não sustentável de áreas dedicadas à agricultura e à
pecuária é apontada no relatório como uma das principais causas do problema,
que tende a se agravar com a crescente demanda por alimentos e biocombustíveis.
O uso de pesticidas e fertilizantes deve dobrar até 2050, agravando o processo
de eutrofização.
Um
evento real e simbólico da perda de biodiversidade, por exemplo, foi a morte do
último rinoceronte-branco do norte macho, chamado Sudan, no Quênia aos 45 anos.
Quando Sudan nasceu em 1973, em Shambe, no Sudão do Sul, havia quase 700
exemplares vivos. Em tese, a morte de Sudan significa a extinção dessa
subespécie de rinoceronte.
Portanto,
como mostrou Pirula, a superpopulação não é mito. Superpopulação e superconsumo
é uma realidade arrasadora do meio ambiente no Antropoceno. Triste realidade
que está provocando a 6ª extinção em massa das espécies. Não são apenas os
grandes mamíferos que estão desaparecendo, também os insetos. Estudo publicado
na revista científica Plos One (18/10/2017) revela queda de 75% no número de
insetos voadores na Alemanha (Insectageddon). Os dados foram obtidos em áreas
protegidas do país, mas o resultado têm implicações para todas as regiões onde
a paisagem é dominada pela agricultura. De acordo com os autores da pesquisa, a
constatação é preocupante, já que os insetos têm um papel crucial no
funcionamento dos ecossistemas, polinizando 80% das plantas e fornecendo
alimento para 60% das aves.
A
Terra é finita e o crescimento da população, junto a sua insaciável gula por
todos os tipos de alimentos e sua ambição por acumulação de consumo conspícuo,
tem provocado um holocausto biológico. A humanidade precisa deixar de ser
egoísta e reconhecer que as demais espécies vivas do Planeta também têm direito
à vida e à liberdade. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário