Programa Produtor de Água ajuda a recuperar a Bacia
Hidrográfica do Pipiripau, uma das mais problemáticas do DF.
Produtor de Água no Cerrado – Conciliar a atividade
agropecuária com boas práticas de preservação e produção de água é uma das
estratégias que tem contribuído para fazer a água brotar de novo da terra,
nutrir o solo e correr para o rio.
A
ação tem sido empreendida pelo programa Produtor de Água para recuperar a Bacia Hidrográfica do
Pipiripau, que já foi considerada uma das bacias mais problemáticas do Distrito
Federal.
Localizada
a cerca de 50 quilômetros do centro de Brasília, a Bacia do Pipiripau
sempre foi marcada pelo conflito por recursos hídricos. A área tem pequenas,
médias e grandes propriedades rurais que demandam muita água para irrigação. Os
córregos desta bacia abastecem a população das cidades-satélites de Planaltina
e Sobradinho, que juntas tem cerca de 300 mil habitantes, e alimentam as bacias
hidrográficas de São Bartolomeu e do Paraná, que abrangem outros seis estados
do país, entre eles, São Paulo.
“A
Bacia do Pipiripau foi muito desmatada. Têm assentamentos que chegaram lá e era
tudo braquiária [capim], pasto de gramínea exótica e eles estão agora fazendo
sistemas de plantios agroflorestais, agroecológicos e isso contribui pra que o
sistema volte a ter maior capacidade de
infiltração da água, contribuindo para a bacia ficar mais saudável”, disse
Isabel Figueiredo, coordenadora do programa Cerrado e Caatinga do Instituto
Sociedade, População e Natureza (ISPN), que integra a Rede Cerrado.
Segundo
Devanir Santos, coordenador de Projetos Indutores da Agência Nacional de
Águas (ANA), além do impacto da intensa atividade agropecuária, a mudança no
fluxo de chuvas também reduziu a capacidade de infiltração do solo na região, o
que levou à redução da vazão dos rios da bacia.
“Antigamente,
tinha chuva de longa duração e pouca intensidade por 15, 20 dias. Hoje, têm pancadas num curto espaço de tempo e isso
dificulta ainda mais a infiltração de água no solo. O resultado é que acaba que
você não tem uma boa alimentação do lençol freático, que é fundamental para
você ter água no período da seca”, explica Santos.
Pagamentos ambientais
Por
meio da compensação financeira, o programa Produtor de Água financia os
produtores que cedem suas terras para proteção de córregos, nascentes e matas
ciliares e adotam práticas que melhoram a infiltração da água na terra. Entre
as medidas adotadas, está a implantação das chamadas tecnologias mecânicas,
como readequação das estradas rurais que dão acesso às propriedades, por meio
da formação de desvios laterais ou bacias de contenção de água, como as
pequenas barragens.
Nas
propriedades também são feitos os terraços, que se parecem com lombadas para
diminuir a velocidade das enxurradas e o impacto erosivo da água no solo em
áreas de declive. “Além das obras mecânicas, temos plantio em área de
preservação permanente, cercamento em área de nascente e rios e a conservação
de área já plantada há muitos anos. Então, o produtor pode receber pela área já
conservada, pela área que ele plantou agora ou pela área onde fez as práticas
mecânicas”, explica Rossini Sena, especialista em recursos hídricos da ANA.
O
valor pago a cada produtor varia de R$ 100 a R$ 300 por mês. A fórmula para
calcular o pagamento ambiental ao produtor leva em consideração as medidas
ambientais que ele implanta na propriedade.
“Quanto
mais a atividade for benéfica para o meio ambiente, mais o produtor ganha”,
completou Rossini.
Resultados
Devanir
Santos relata que há sete anos a situação ficou insustentável na região,
chegando ao ponto em que não era possível manter a irrigação e o abastecimento
urbano ao mesmo tempo. Houve momentos em que foi necessário negociar com os
produtores a redução da área plantada para garantir o abastecimento para
consumo humano, que é protegido por lei.
“Foi quando nós começamos o projeto lá. De um lado,
nós atuamos melhorando a capacidade de infiltração, incentivando os produtores
a mudar a forma de ocupar o solo, reflorestando algumas áreas essenciais,
principalmente as zonas de recarga, as margens de rio e implementando as
práticas mecânicas de conservação do solo. Do outro lado, nós também buscamos
formas de reduzir a utilização de água na irrigação”, explicou.
Santos
lembra que a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) tinha autorização
para tirar 400 litros por segundo da bacia para atender ao consumo humano, mas
na crise não conseguia tirar nem 250 litros devido à queda de vazão nos rios e
ao aumento da demanda por irrigação. Hoje, a companhia tira
em torno de 300 a 350 litros, o que é considerado suficiente para o
abastecimento de Sobradinho e Planaltina.
O
coordenador relata ainda que foram criados reservatórios para captar água
específica para irrigação. Há também a expectativa de reservar mais água
com a implementação da última etapa do projeto, que consiste no revestimento do
canal Santos Dumont, principal adutora da região.
Mesmo
sem a finalização da adutora, Devanir destaca que as ações do programa têm
surtido efeitos sobre a disponibilidade hídrica no Pipiripau. No período mais
crítico de racionamento de água que atingiu o DF ano passado, a Bacia do
Pipiripau não teve problemas de desabastecimento, ao contrário das bacias do
Descoberto e de Santa Maria, que abastecem outras áreas do DF e viram o nível
da água reduzir drasticamente levando ao racionamento do consumo por mais de um
ano.
“Hoje, a situação dos produtores está bem melhor, eles estão
irrigando uma área quase que plena e a gente está conseguindo uma convivência
boa entre os dois setores [irrigação e abastecimento urbano], mesmo sem fazer
uma coisa essencial que é o revestimento do canal”, comenta.
Os
estudos para adequação do canal já foram feitos, mas o projeto aguarda aporte
de recursos para implantação da obra. É necessário investimento da ordem de R$
10 milhões para recuperar o canal, que pode reduzir em praticamente pela metade
o desperdício de água na região.
“Para
você ter uma ideia, a gente tira hoje 350 litros pra abastecer uma área que precisa só
de 150. A gente perde 200 litros por segundo ao longo desse canal. Se a gente
fizer uma adutora, eu já libero quase 200 litros por segundo para o
abastecimento humano, sem prejuízo nenhum para os produtores que vão conseguir
irrigar sua área toda”, afirma Santos.
Participação
A
produtora Bernadete Brandão participa do projeto desde o início, em 2012, e
recebe por ano pouco mais de R$ 2 mil pelos serviços ambientais que implantou
em sua propriedade. Ela conta que quando entrou no programa um de seus
objetivos era manter a tradição da família de preservar a água nas terras.
“A gente
vem de uma criação em que meus pais ensinaram muito sobre a água. A gente tinha
uma fazenda em Padre Bernardo que tinha água que corria. Eles venderam essa
área e a pessoa que comprou desmatou tudo. Minha mãe ficou muito sentida,
porque aquela água secou”, lembra.
Produtores no Piripipau
conseguiram retomar produção na região após projeto de recuperação da bacia
local.
A
propriedade de Bernadete tem entre 5 e 6 hectares, dos quais 3,7 já foram
recuperados. Na área, são plantadas hortaliças, frutas, tomate, pimentão, entre
outros produtos. Ela também cria gado de corte e carneiros.
Para
evitar desperdício da água, Bernadete usa o sistema de gotejamento direto na
raiz das plantas para fazer a irrigação. Em dias muito quentes e secos, ela
também usa vaporizador e umidificador e deixa a aspersão de água somente para
situações específicas.
Logo
na entrada de sua chácara, é possível ver os terraços feitos pelo projeto para
conter a descida brusca da água da chuva. Sem as lombadas, a enxurrada desceria
de uma vez para o rio, provocando danos no solo e assoreamento do afluente que
corta sua propriedade.
“Já
tem que fazer uma manutenção nessas curvas de nível. Mas, eu acho que melhorou
muito, porque como ali em cima tem plantio de soja e milho, e a terra está
muito nua, quando chove a terra vem vindo e assoreando, carregando tudo. Aí com
a curva de nível a água diminui o fluxo”, diz.
Ao
redor das fontes de água em sua propriedade, Bernadete colocou uma cerca para
evitar a entrada do gado e plantou na área algumas mudas de árvores. No
entanto, a produtora lamenta que algumas mudas ainda não tenham se desenvolvido
por causa de outro problema recorrente no Pipiripau: os incêndios, geralmente
provocados pela queima de roça e de lixo. “Bombeiro já até cansou de vir aqui”.
Produtor
rural da região afirma que resultados do projeto garantem um aproveitamento
maior do solo das propriedades.
Bernadete
relata também que as chuvas tem sido cada vez mais escassas e as nascentes que
costumavam jorrar água mesmo nos períodos de seca agora estão apenas úmidas.
“Eu percebo que a água tem sumido bastante, a cisterna que enchia com dez
minutos, já não está enchendo tão rápido”, conta.
Expansão
Apesar
dos desafios, o projeto tem conseguido a adesão de boa parte dos produtores da
Bacia do Pipiripau. Atualmente, entre as 540 propriedades situadas na Bacia, o
programa tem 170 contratos firmados com produtores, 130 deles já estão recebendo
pelos serviços ambientais. Em cinco anos, foram plantadas cerca de 300 mil
mudas de árvores em uma extensão aproximada de 1,5 mil hectares.
Além
da Agência Nacional de Águas, o programa tem apoio de outras 18 instituições
parceiras, como organizações da sociedade civil, órgãos ambientais,
universidade, entre outros. “Estamos defendendo que se invista em projetos de
recuperação e restauração dos mananciais. Plantar florestas é fundamental para
estar se preparando para as crises que vão vir cada vez mais fortes, porque no
contexto de cenários de mudanças climáticas, períodos secos vão ser mais secos,
e quando tiver chuva, vai ter mais chuva”,
alertou Ricardo Novaes, especialista em Recursos Hídricos
do WWF-Brasil, uma das organizações que coordenam o projeto.
O
programa também atua em outros 60 pontos do país. A experiência mais antiga
está na cidade de Extrema, no Sul de Minas, que em 10 anos promoveu o plantio
de 1,3 milhão de mudas.
Um
Acordo de Cooperação Técnica já foi firmado para instalar o programa na Bacia
do Descoberto, que abastece a maior parte do Distrito Federal. A área da
bacia foi devastada pela forte especulação fundiária e enfrenta o desafio de
manter os reservatórios que abastecem a capital.
O
Programa Produtor de Água, desenvolvido pela Agência Nacional de Águas – ANA,
tem como foco a redução da erosão e do assoreamento de mananciais no meio
rural. O objetivo é propiciar a melhoria da qualidade da água e o aumento das
vazões médias dos rios em bacias hidrográficas de importância estratégica para
o País. (ecodebate)
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