”Estamos sofrendo os primeiros efeitos das mudanças
climáticas, mas ainda há quem as negue”.
“Eu esperava que uma voz tão diferente e original,
como a do Papa Francisco na encíclica Laudato si’, levaria o debate sobre o
clima para um degrau mais alto, mas, ao contrário, ignoramos o problema até que
vivamos a emergência. Porém, trata-se do mundo que vamos entregar aos nossos
filhos.”
Luca Mercalli é um dos meteorologistas mais
conhecidos, faz o melhor de si para difundir informações científicas sobre
questões climáticas para o público em geral. E, em dias difíceis, quando a
Itália sofre com as chuvas e o vento, assim como nos dias do calor do verão, ele
é questionado muitas vezes para explicar. Mesmo que preferisse que o clima,
problema global e mundial, não parasse de gerar notícia até a próxima
tempestade.
Eis a entrevista.
O que está acontecendo?
Em 31 de outubro, é normal que o outono esteja em
andamento [no hemisfério Norte]. O problema, no mínimo, é que ele está chegando
tarde. Temos que lembrar aquilo que passamos em julho, com um calor [no verão
europeu] acima da média. Não esqueçamos que, no dia 24 de outubro, fazia 30°C
no Vale do Pó: na quarta semana de outubro, isso não tem equivalente em 250
anos de registros meteorológicos.
O fato de os 30°C de 24/10/18 serem seguidos por
temporais violentos significa alguma coisa?
Não é esse o problema sobre o qual devemos nos
concentrar. Não faz tanto sentido comentar a questão da evolução climática
global baseando-se em episódios individuais: até mesmo os 30°C de 24/10/18, se
fossem um fato isolado, não significariam muito por si sós, mas, ao contrário,
dizem muito, porque estão unidos com muitas outras anomalias semelhantes que
confirmam a tendência de aumento da temperatura terrestre.
O que realmente importa, com o qual devemos nos
preocupar, além da nossa percepção, é isto: os dados nos dizem que a Terra está
mais quente em um grau em comparação com 100 anos atrás e vai ficar ainda mais
quente em relação às atividades humanas. Quanto mais queimarmos combustíveis
fósseis, mais a temperatura vai aumentar. Se formos muito bons para tratar essa
doença, poderemos conter o aumento e chegaremos a +2ºC no fim do século, como
diz o Acordo de Paris. Se não formos bons, chegaremos a +5ºC, e, neste momento,
não estamos sendo bons, já que ninguém está se ocupando seriamente desse
problema, que, aliás, é o tema da encíclica Laudato si’ de 2015.
Além da percepção empírica, quais são os sinais com
os quais devemos nos preocupar?
Já temos um pouco de danos provocados: os fenômenos
meteorológicos que vemos agora são um espião desses danos, são influenciados
pelas mudanças climáticas, embora seja difícil dizer, no caso do vento dos
últimos dias, o quanto depende do comportamento humano e o quanto de fenômenos
naturais. Por isso, eu digo que não devemos nos focar nos episódios
individuais, mas sim na substância: os dados de longo prazo e sobre todo o
planeta nos falam de uma Terra que está seguindo as previsões que já são de 100
anos atrás: todas estão se comprovando, e, se não corrermos para nos proteger,
entregaremos aos nossos filhos um mundo mais complicado para se viver.
Quais são os sinais da mudança em andamento?
Os sinais estão, acima de tudo, nos dados fornecidos
pelos instrumentos científicos, mais confiáveis do que as nossas sensações.
Depois, há também coisas que todos nós começamos a perceber: na Itália, nos
últimos anos, nunca se tinha chegado a temperaturas de verão acima dos 40°C no
Vale do Pó, e começamos a sofrer, porque, há 20 anos, as condições eram
diferentes. O verão de 2017 marcou em Forlì um valor jamais visto no Vale do
Pó: 43°C. São valores da Índia. A resposta chegou prontamente com os insetos: o
mosquito-tigre, por exemplo. Com a consequência de doenças tropicais e
parasitas que prejudicam a agricultura. As geleiras que derretem elevam o nível
dos mares, que está aumentando três milímetros por ano: quem pensa em Veneza?
Nesse ritmo, Bangladesh ficará debaixo d’água, e haverá milhões de refugiados
com migrações epocais. Atóis de coral já estão submersos agora.
Por isso, você escreveu Uffa che caldo! [Ufa, que
calor!], pela editora Electa, um livro que explica problemas climáticos para as
crianças?
As crianças serão o alvo das mudanças climáticas das
próximas décadas, elas verão um crescendo, mas informar é necessário: se você
não entende, não pode agir. O nosso objetivo é transferir conceitos complexos
para as crianças, com palavras simples e desenhos. Mas a verdadeira aposta é
que se veja nas famílias a cena da última página, em que crianças e pais,
juntos à mesa, tentam, entender o que está acontecendo e correr para corrigir.
Devemos ir ao encontro dos pais, porque não podemos delegar às novas gerações:
será tarde demais.
Estamos vivendo tempos sombrios: há uma grande
desconfiança em relação a todas as competências. Você também sente isso no seu
campo?
Muito. Ainda há gente que diz que não é verdade que
existem mudanças climáticas em andamento. Até mesmo o presidente dos Estados
Unidos diz isso.
Como se combate essa desconfiança?
Fazendo todo o possível para ir ao encontro das
pessoas, pela divulgação da TV aos livros infantis. Mas, quando vejo que um
documento fundamental como a encíclica Laudato si’, do Papa Francisco, saiu dos
radares da informação em poucos dias, eu não posso ser otimista. Eu esperava
que uma voz tão diferente e original, que podia reforçar o ponto de vista dos
cientistas, levaria o debate para um degrau mais alto, mas, ao contrário, ela
foi logo ignorada. Eu trabalho para a TV italiana e para a TV suíça. Na TV
italiana, fala-se dessas questões complexas por um minuto à meia-noite. Na TV
suíça, por uma hora e meia às 20h30. É preciso ter a coragem de buscar
audiência fazendo cultura.
Em compensação, o clima vai para a primeira página
quando nos deparamos com a emergência…
É isso. Quando vem a inundação ou a água alta em
Veneza, isso vira manchete nos telejornais, mas a emergência é o momento das
emoções, do bode expiatório. Em um dia, eu dei 10 entrevistas sobre o clima
para dizer as mesmas coisas que eu digo todas as vezes que há uma inundação,
uma tempestade. Mas, além disso, falta aprofundamento. Hoje, é o dia das
avaliações, dos mortos, das emoções. No próximo mês, deveria ser o tempo do
aprofundamento, mas provavelmente não se falará mais disso até a próxima
emergência.
O que se deveria fazer no próximo mês?
Aquilo que eu digo no livro: gastar tempo para
entender e depois agir, assumindo comportamentos virtuosos: isolamento térmico,
painéis solares, alimentação com baixo consumo de carne, usar meios de
transporte público.
Você vê ao seu redor um pouco de conscientização?
Algo está melhorando na consciência ou você está totalmente pessimista?
Vejo contradições: há um nicho crescente de pessoas,
que se comprometem, melhoram cada vez mais. Infelizmente, faltam as multidões,
e isso leva ao pessimismo. Esses problemas não podem ser resolvidos ou
melhorados se apenas uma minoria se mexer. Deveria ser uma prioridade global,
mundial, mas vejo poucos que querem se comprometer cada vez mais, e uma grande
parte da população distraída, que não assiste TV, que não lê os jornais. Na
internet, há de tudo e o contrário de tudo, e o risco é assumir como boa a informação
que simplifica, a que nós queremos ouvir. Mas assim não nos salvamos.
(ecodebate)
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