Amazônia – Como e porque a
ciência defende a floresta.
Hoje, na Amazônia, é possível
alcançar “um equilíbrio entre o saber tradicional e a ciência e a tecnologia
modernas”, de modo a oferecer ao mundo um modelo econômico capaz de conciliar
desenvolvimento e defesa da floresta.
Quem está convencido disso é
o cientista brasileiro Carlos Afonso Nobre, Prêmio Nobel da Paz em
2007 e membro da Comissão de Ciências
Ambientais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que participa como convidado especial do Sínodo para
a região pan-amazônica.
Nesta entrevista ao L’Osservatore Romano, Nobre explica o seu
ponto de vista, aprofundando em alguns pontos da intervenção que proferiu em
08/10/19, perante a assembleia.
Eis a entrevista.
O senhor lembrou aos
Padres sinodais que a Amazônia – descrita não como “pulmão do planeta”, mas como
“coração biológico” da Terra – está cronicamente ameaçada, mas a ganância do
homem parece não ter limites. Em sua opinião, é possível conciliar floresta e
agricultura (“agroflorestal”), sem comprometer para sempre a fertilidade do
território?
Sim, é possível. Se levarmos
em consideração os 11 mil anos de presença humana na Amazônia, vemos que todos
os povos indígenas desenvolveram ao longo do tempo uma forma de recurso aos
produtos da fortuna sem jamais destruí-la. Podemos dizer que eles
“antropizaram” a floresta. Hoje, a floresta pluvial amazônica possui milhares
de produtos aos quais os indígenas recorrem, em quantidades muito maiores do
que no período anterior à presença humana no seu território. E a floresta
continua existindo sem a extinção de qualquer espécie.
Com isso, podemos aprender
uma lição para melhorar a qualidade de vida também de outros povos, não apenas
das populações indígenas e tradicionais. A ciência moderna desenvolveu os
chamados sistemas agroecológicos para tornar as florestas mais densas em
algumas espécies, aumentando assim o seu valor econômico. Essas agroflorestas
já começaram a garantir maior bem-estar às famílias que promovem a agricultura
em nível local. Por exemplo, existem sistemas que produzem açaí, castanhas,
cacau e babaçu. Esses sistemas são muito mais lucrativos do que se a floresta
fosse substituída pela criação de bovinos ou pelo cultivo de soja e até mais
lucrativos do que a própria mineração. No entanto, embora essas famílias tenham
melhorado as suas vidas, ainda não têm uma renda suficiente para alcançar a
classe média.
Nesse ponto, devemos dar o
próximo passo: isto é, levar a ciência moderna a fazer com que esses produtos
florestais adquiram maior valor. Além disso, existem milhares de produtos
florestais que não são consumidos nos mercados fora da Amazônia e que
poderiam realmente agregar um valor muito maior à economia dessas famílias, até
mesmo com o extrativismo. Trata-se de um modelo de desenvolvimento totalmente
viável, com os instrumentos de que dispomos hoje, até porque promove um
equilíbrio entre o saber tradicional e a ciência e a tecnologia modernas.
Referindo-se à
“quarta revolução industrial”, o senhor afirmou que tecnologias avançadas podem
ajudar a proteger não apenas esse, mas também outros ecossistemas do planeta.
Como a ciência pode intervir concretamente para superar a ameaça a essa região?
As tecnologias da “quarta revolução industrial”
do século XXI já estão dominando o mundo e podem ser aplicadas porque são
amigáveis, duráveis e baratas, à disposição de qualquer um. E são capazes de
alcançar o coração da floresta. Dessa forma, elas criam a possibilidade de uma
exploração sustentável dos produtos da floresta “em pé” e tornam as populações
amazônicas independentes da tecnocracia. Elas darão um valor agregado aos
produtos das comunidades e melhorarão a qualidade da sua vida.
Como os governos dos
países amazônicos podem agir em conjunto, ancorados na lei, para proteger os
povos indígenas, levando-os a assumir uma participação mais ativa na construção
da sua própria história?
Existe uma necessidade
realmente urgente de democracia, a ser implementada nos países amazônicos. As
nossas democracias são realmente imperfeitas, pois a população elege com as
melhores intenções os seus governantes, que, depois, nem sempre a representam.
Mais de 80% dos políticos desses países parecem buscar principalmente seus
próprios interesses, incluindo os interesses econômicos que se escondem atrás
da destruição da floresta.
Na sua opinião, o
“desenvolvimento sustentável”, às vezes abusado, pode ser uma solução viável em
vista do bem-estar dessas populações, sem fazê-las perder a riqueza das suas
próprias culturas e tradições?
Um elemento essencial do
desenvolvimento sustentável é a união entre o lucro econômico e a manutenção
dos serviços ecossistêmicos florestais, que representa a própria existência da
floresta. A busca desse equilíbrio é possível e desejável. E esse é o caminho
que devemos seguir na Amazônia.
Para o Papa
Francisco, especialmente na Laudato si’, tudo está interligado, e, se a visão integrada “Deus-homem-mundo” não
for devidamente respeitada, a criação poderia perder para sempre a sua beleza
original. Como representante da comunidade científica internacional, o senhor
concorda com essa visão?
A visão da casa comum tem
grande força, é emblemática e simbólica. E hoje vemos os enormes riscos que a
casa comum amazônica corre. É por isso que uma visão holística, como a do Papa Francisco, é tão
importante, porque devemos estar cientes de que, se não lidarmos com a Amazônia
hoje, não haverá futuro para ela.
Em 2007, o senhor
recebeu o Prêmio Nobel da Paz por ter contribuído para “difundir os
conhecimentos sobre as mudanças climáticas causadas pelo homem”. Qual é o
denominador comum entre paz e ambiente?
Existe um vínculo muito claro
entre a paz e o ambiente. Por exemplo, vemos que a urbanização no mundo
continua gerando uma pobreza incrível, especialmente nas grandes cidades dos
países em desenvolvimento, também na região amazônica. Essa desordem que
levamos para as grandes cidades causa uma perda de qualidade de vida e,
portanto, da própria felicidade, e isso provocou enormes desequilíbrios, como a
criminalidade e a violência, que levaram à criação de um tecido urbano no qual
a ausência de paz é palpável. (ecodebate)
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