“Gente é pra brilhar, não pra
morrer de fome” - Caetano Veloso
O Dia Mundial da Alimentação
acontece em 16 de outubro de cada ano e é uma oportunidade para se avaliar os
dados sobre o estado da segurança alimentar das pessoas e para a busca de
soluções para superar o flagelo da fome e da desnutrição.
Os Institutos Welthungerhilfe
e Concern Worldwide divulgaram neste mês de outubro o Índice Global da Fome
(IGF), 2019. Conforme indicado no mapa abaixo, o índice, que é calculado
principalmente para os países em desenvolvimento, varia em uma escala de 0 a
100 pontos e classifica a situação da fome em 5 categorias: baixa, para 46
países (menos de 9,9 pontos), moderada, para 23 países (de 10 a 19,9), séria,
para 43 países (20 a 34,9), alarmante, para 4 países (de 35 a 49,9) e
extremamente alarmante, 1 país (acima de 50 pontos).
Nota-se que o Índice Global
da Fome (IGF) é maior na África ao sul do Saara e no sul da Ásia. Observa-se
também que os países de maior IGF são aqueles que possuem maior Taxa de
Fecundidade Total (TFT) no quinquênio 2010-15. A República Centro-Africana (IGF
= 53,6 e TFT = 5,1 filhos por mulher) possui uma situação extremamente
alarmante, sendo o país em situação mais grave no mapa. Quatro países possuem
situação alimentar alarmante, são eles: Zâmbia (IGF = 38,1 e TFT = 5,2 filhos),
Madagascar (IGF = 41,5 e TFT = 4,4 filhos), Chade (IGF = 44,2 e TFT = 6,3
filhos) e Iêmen (IGF = 45,9 e TFT 4,4 filhos).
Na América Latina e Caribe
(ALC) a situação da fome é alarmante no Haiti (IGF = 34,7 e TFT = 3,2 filhos) e
na Guatemala (IGF = 20,6 e TFT = 3,2 filhos). Os países da América do Sul que
apresentam situação moderada são Bolívia, Equador, Guiana, Suriname e Venezuela
e, na América Central: Honduras e Nicarágua.
A fome tem maior prevalência
naqueles países que são pobres, apresentam baixos indicadores de
desenvolvimento humano (IDH), alta fecundidade, baixa segurança pública e
instabilidade política. Os dados do gráfico abaixo mostram que existe uma alta
correlação entre o Índice Global da Fome (IGF) e a Taxa de Fecundidade Total
(TFT). De fato, as principais vítimas da fome são as crianças. Os países que
possuem IGP elevado, em geral, apresentam alta demanda insatisfeita por
serviços de saúde reprodutiva. Estes dois fenômenos ocorrem concomitantemente
devido à falta de direitos humanos básicos para a população, como educação,
habitação adequada, saneamento básico, saúde, saúde reprodutiva, etc. Sem uma
boa governança e sem os direitos de cidadania a população não tem autonomia
para definir os rumos de suas vidas e garantir a autodeterminação reprodutiva.
A transição da fecundidade e
o avanço das forças produtivas tem possibilitado a redução da fome no longo
prazo. A tabela abaixo mostra que o IGF diminuiu no mundo e nas diversas
regiões ao longo do século XX. Nota-se que o IGF no mundo era de 29 pontos em
2000, caiu para 26,9 pontos em 2005, para 23 pontos em 2010 e para 20 pontos em
2019. No sul da Ásia o IGF era de 38,4 pontos em 2000 e caiu para 29,3 pontos
em 2019. Na África Subsaariana era de 43,5 pontos em 2000 e caiu para 28,4
pontos em 2019. Nas demais regiões a situação da fome é baixa ou moderada.
Contudo, esta situação de
redução do Índice Global da Fome (IGF) foi interrompido nos últimos 4 anos. O
número de pessoas famintas que estava em torno de 1 bilhão no início do século,
caiu para 785 milhões em 2015, mas depois subiu para 822 milhões em 2018.
Depois de décadas de progresso na redução da fome global, as mudanças
climáticas e os conflitos estão minando os avanços da segurança alimentar nas
regiões mais vulneráveis do Planeta. No ritmo atual, a meta da Fome Zero dos
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) não será alcançada em 2030.
O relatório da FAO “The State
of Food and Agriculture 2019. “Moving
forward on food loss and waste reduction” (Roma, 2019) mostra que a situação da
fome e da subnutrição é agravado pelas perdas de alimentos e o desperdício. No
âmbito mundial, entre um quarto e um terço dos alimentos produzidos anualmente
para o consumo humano não é aproveitado. Isso equivale a cerca de 1,300 bilhões
toneladas de alimentos, o que inclui 30% dos cereais, entre 40 e 50% das
raízes, frutas, hortaliças e sementes oleaginosas, 20% da carne e produtos
lácteos e 35% dos peixes. A FAO calcula que esses alimentos seriam suficientes
para alimentar dois bilhões de pessoas.
As perdas se referem à
diminuição da massa disponível de alimentos para o consumo humano nas fases de
produção, pós-colheita, armazenamento e transporte. O desperdício de alimentos
está relacionado com as perdas derivadas da decisão de descartar alimentos que
ainda têm valor e se associa, principalmente, ao comportamento dos maiores e
menores vendedores, serviços de venda de comida e consumidores.
O desperdício é um dos
grandes desafios pendentes para alcançar a plenitude de segurança alimentar. As
perdas e desperdícios têm grande impacto na sustentabilidade dos sistemas
alimentares, reduzem a disponibilidade local e mundial de alimentos, geram
menores recursos para os produtores e aumentam os preços para os consumidores.
Além disso, tem um efeito negativo sobre o meio ambiente devido à utilização
não sustentável dos recursos naturais. Por tudo isso, a FAO considera que
enfrentar esse problema é fundamental para se avançar na luta contra a fome,
devendo se converter em uma prioridade para os governos do mundo.
A figura baixo tirada do relatório da FAO 2019
mostra que as maiores perdas de alimentos ocorrem na Ásia Central e do Sul, e
as menores perdas na Austrália e Nova Zelândia. O percentual de perdas na ALC
está acima de 10%.
O relatório “Climate Change
and Land”, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da
ONU publicado em 08/08/2019, também mostrou que existe um efeito
perverso de retroalimentação entre a produção de alimentos e o aquecimento
global. A crescente produção de comida agrava as mudanças climáticas e estas
ameaçam a produção de alimentos.
O relatório mostrou, de forma
transparente, que o crescimento da população mundial e o aumento do
consumo per capita de alimentos (ração, fibra, madeira e energia) têm causado
taxas sem precedentes de uso de terra e água doce, com a agricultura atualmente
respondendo por cerca de 70% do uso global de água doce. O aumento da produção
e consumo de alimentos contribuíram para o aumento das emissões líquidas de
gases de efeito estufa (GEE), perda de ecossistemas naturais e diminuição da
biodiversidade.
Em síntese, o avanço
científico e tecnológico aliado ao uso generalizado dos combustíveis fósseis
possibilitou a redução da fome no mundo, que atingiu o nível mais baixo da
história em 2015. Porém, a insegurança alimentar e a desnutrição global
aumentou nos últimos 4 anos e pode aumentar muito no futuro próximo.
A biocapacidade da terra está
diminuindo e os meios naturais para o sustento da humanidade estão definhando.
O futuro pode trazer notícias desagradáveis em relação à segurança alimentar,
especialmente para os países que apresentam acelerado crescimento populacional
e taxas de fecundidade acima do nível de reposição. (ecodebate)
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