terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Pirâmide global da riqueza, desigualdade social e as emissões de CO2

“O crescimento econômico e populacional está entre os mais importantes fatores do aumento das emissões de CO2 em decorrência da combustão de combustíveis fósseis”.
Alerta dos cientistas mundiais sobre a emergência climática (05/11/2019).
“A mudança climática é potencialmente a maior ameaça à saúde do século 21” - Organização Mundial da Saúde (03/12/2019).
Todos os anos, desde 2010, o banco Credit Suisse publica o Relatório Global da Riqueza que é a fonte mais ampla de informações sobre o patrimônio familiar global, cobrindo não apenas os escalões superiores riqueza, mas todo o espectro de ativos patrimoniais dos ricos aos pobres. O relatório fornece uma análise detalhada do patrimônio líquido das famílias, definido como o valor dos ativos financeiros mais os ativos não financeiros (principalmente habitação) pertencentes a indivíduos adultos, menos suas dívidas.
A pirâmide global da riqueza tem mantido uma trajetória de crescimento com a continuidade de uma estrutura desigual da posse de patrimônio entre as pessoas adultas do mundo. A figura abaixo mostra como está distribuída a riqueza de USD$ 360,6 trilhões, com média de US$ 70,8 mil para os 5,09 bilhões de adultos do mundo.
A base da pirâmide, com patrimônio abaixo de USD$ 10 mil, abarca 2,88 milhões de adultos representando 56,6% dos quase 5 bilhões de pessoas adultas, com uma riqueza total de USD$ 6,3 trilhões, representando 1,8% do total de USD$ 360,6 trilhões. O grupo seguinte, pessoas com patrimônio entre 10 e 100 mil, agrupa 1,66 bilhão de adultos (32,6% do total), com uma riqueza de USD$ de 55,7 trilhões (representando 15,5% do total). O grupo de classe média alta (entre 100 mil e 1 milhão) reúne 499 milhões de adultos (9,8% do total), com patrimônio total de USD$ 140,2 trilhões (38,9% do total).
Por fim, 47 milhões de multibilionários, com mais de USD$ 1 milhão de patrimônio, representando apenas 0,9% dos 5 bilhões de adultos, abarca US$ 158,3 trilhões, representando 43,9% dos USD$ 360,6 trilhões da riqueza global. Ou seja, 546 milhões de adultos (10,7%) do topo da pirâmide apropriam de 82,6% da riqueza total. Mas, apesar da desigualdade ser gritante, ela se reduziu nos últimos anos, pois nas bases da pirâmide, em 2017, havia 3,5 bilhões de adultos com patrimônio abaixo de USD$ 10 mil, representando 70,1% do total e havia 1,05 bilhão de adultos com patrimônio entre 10 mil e 100 mil, representando 21,3% do total. Estas percentagens diminuíram em 2019 e aumentou a percentagem nos dois grupos superiores.
O gráfico abaixo mostra que, em termos nominais, a riqueza global por adulto subiu de USD$ 31,4 mil no ano 2000 para USD$ 53,9 mil em 2007, caiu para USD$ 48,5 mil em 2008 e voltou a subir depois da crise financeira, atingindo USD$ 70,8 mil em 2019. Antes da crise a riqueza crescia a 8% ao ano e diminuiu o ritmo para 3,7% na atual década. Portanto, mesmo em ritmo menor, a riqueza global continua crescendo e a desigualdade, mesmo sendo muito acentuada, se reduziu ligeiramente, especialmente com o crescimento da classe média na China e na Índia.
O mapa abaixo indica a grande diferença na riqueza global entre as nações. Os países com patrimônio acima de USD$ 100 mil estão localizados na América do Norte, Europa Ocidental, alguns países da Ásia-Pacífico e no Oriente Médio. A Suíça (USD $565 mil por adulto) lidera o ranking da riqueza, que ainda tem no top dez: Hong Kong, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Singapura, Canadá, Dinamarca, Reino Unido e Holanda. Os países da África Subsaariana estão entre os mais pobres do mundo. Chama a atenção a presença da Venezuela (que já foi considerado um dos países mais ricos da América Latina) entre os países com baixa riqueza por adulto em 2019.
Contudo, todo o montante atual de USD$ 360,6 trilhões de riqueza para 5,09 bilhões de adultos, em 2019, está sustentado em bases ambientais frágeis, pois a riqueza do ser humano (em sua forma piramidal) está alicerçada sobre bases naturais degradas pelas atividades antrópicas.
A maior ameaça à manutenção e continuidade da pirâmide global da riqueza vem das mudanças climáticas e da possibilidade de um aquecimento tão alto, para os padrões históricos, que torne muitas partes da Terra inabitáveis, eventos extremos simultâneos, com aumento dos furacões, secas, tempestades, acidificação dos solos e dos oceanos, ondas letais de calor, elevação do nível dos mares, inundações, aumento dos refugiados climáticos, etc. O impacto do aquecimento global será muito rápido e vai durar muito tempo. Isso quer dizer que os efeitos danosos da crise climática e ambiental vão se agravar com o tempo e afetar as atuais e futuras gerações.
Como mostrou Alves (13/11/2019), a população humana, que estava em 1,15 bilhão em 1880, chegou a 2 bilhões de habitantes por volta de 1930, atingiu 3 bilhões em 1960 e 4 bilhões em 1974. O ritmo de crescimento demográfico reduziu um pouco nos anos seguintes, mas manteve acréscimos de 1 bilhão de pessoas a cada 12 ou 13 anos e deve alcançar 8 bilhões de habitantes em 2023. O Produto Interno Bruto (PIB) global era, em 1880, de cerca de US$ 2 trilhões em poder de paridade de compra (ppp), segundo os dados do Projeto Maddison, e passou para pouco mais de US$ 8 trilhões, em 1945, um crescimento médio anual de pouco mais de 2% ao ano. Mas entre 1945 e 1980 o PIB mundial passou para US$ 36 trilhões, com um crescimento médio anual acima de 4%. Este foi o período de maior emissão de CO2. Entre 1980 e 2016, o PIB global desacelerou um pouco (assim como a população), mas ultrapassou a casa de 100 trilhões de dólares (em ppp) em 2016, com um crescimento médio em torno de 3% ao ano.
Como resultado deste alto crescimento demoeconômico, as emissões globais de CO2 dispararam. As emissões que estavam abaixo de 1 bilhão de tonelada em 1880, chegou a 2 bilhões de toneladas em 1900, a 4,5 bilhões depois da Segunda Guerra e, durante os chamados “30 anos dourados” deu um salto para quase 20 bilhões de toneladas em 1980. Houve certa desaceleração até o ano 2000, com 24,8 bilhões de toneladas e acelerou novamente durante o superciclo das commodities até atingir 36 bilhões de toneladas em 2018.
Entre 1880 e 2018, a população mundial cresceu 6,6 vezes, as emissões de CO2 cresceram 42 vezes e o PIB cresceu 56 vezes. As emissões cresceram mais rápido do que a população, mas em ritmo menor do que a economia. Mas a associação entre o crescimento demoeconômico e a liberação de gases de efeito estufa é inquestionável. Ou seja, o aumento da riqueza per capita dos adultos do mundo – a despeito das desigualdades – aumentou muito a emissão de dióxido de carbono conforme mostra o gráfico abaixo do “The Global Carbon Project”. Nota-se que o ritmo das emissões cresceu muito durante o superciclo das commodities apresentando um crescimento de 3% ao ano na primeira década do atual século. Mesmo depois do Acordo de Paris, as emissões continuaram em ritmo forte, quando deveriam estar caindo. O aumento das emissões foi de 4% entre 2015 e 2019, quando já deveriam ter estabilizado e invertido a tendência.
Evidentemente, este aumento das emissões de CO2 variam conforme o padrão de riqueza dos países e, de forma geral, os países mais poluidores seguem o mapa anterior da riqueza global. Contudo, os países ricos emitiam muito mais CO2 no século passado, pois no século XXI são os países em desenvolvimento que lideram a emissão de gases de efeito estufa. As emissões de CO2 se espalharam pelos 4 cantos do mundo e ameaçam o controle do aquecimento global.
Fica cada vez mais evidente que é impossível continuar retirando riqueza da natureza e devolvendo poluição e resíduos sólidos como se o meio ambiente fosse um grande aterro sanitário e a atmosfera fosse uma sauna funcionando 24 horas, 365 dias por ano. O fato é que os recursos e a capacidade de regeneração da Terra são finitos, mas as necessidades e as expectativas humanas são infinitas. Ou se amplia um, ou se reduz o outro. Como não há Planeta B, é a continuidade da geração de riqueza que precisa ser limitada.
O mundo não deveria continuar ampliando a pirâmide da riqueza e do consumo e, sim, construir relações menores, mais horizontais, simples e justas entre as pessoas e entre as pessoas e o meio ambiente. O mundo está em emergência climática e é cada vez mais provável uma catástrofe ambiental num horizonte não muito distante. O Egito antigo construiu pirâmides magníficas, mas o regime dos Faraós fracassou e desapareceu, deixando no deserto apenas a estrutura daquilo que um dia foi uma civilização próspera.
Segundo Vaclav Smil, no livro “Growth: From Microorganisms to Megacities” (2019), o mundo atual enfrenta uma singularidade crucial, pois há apenas um único planeta cujos recursos alimentaram o crescimento espetacular da civilização humana e que agora estão se esgotando. A “corrida do ouro” que enriqueceu toda a humanidade, mas especialmente aquelas parcelas do topo da pirâmide global, está terminando sem mais o brilho infinito dos recursos naturais e com fluxos crescentes de poluição e uma grande montanha de rejeitos.
Em síntese, a pirâmide da riqueza humana tem crescido e se ampliado – intrinsecamente de maneira desigual – e a partir da pauperização dos ecossistemas. Não é improvável, que em algum momento, a pirâmide possa afundar por falta de sustentação ecológica ou possa implodir por falta de justiça redistributiva em sua arquitetura social. (ecodebate)

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