“O crescimento econômico e
populacional está entre os mais importantes fatores do aumento das emissões de
CO2 em decorrência da combustão de combustíveis fósseis”.
Alerta dos cientistas mundiais
sobre a emergência climática (05/11/2019).
“A mudança climática é
potencialmente a maior ameaça à saúde do século 21”
- Organização Mundial da Saúde (03/12/2019).
Todos
os anos, desde 2010, o banco Credit Suisse publica o Relatório Global da
Riqueza que é a fonte mais ampla de informações sobre o patrimônio familiar
global, cobrindo não apenas os escalões superiores riqueza, mas todo o espectro
de ativos patrimoniais dos ricos aos pobres. O relatório fornece uma análise
detalhada do patrimônio líquido das famílias, definido como o valor dos ativos
financeiros mais os ativos não financeiros (principalmente habitação)
pertencentes a indivíduos adultos, menos suas dívidas.
A
pirâmide global da riqueza tem mantido uma trajetória de crescimento com a
continuidade de uma estrutura desigual da posse de patrimônio entre as pessoas
adultas do mundo. A figura abaixo mostra como está distribuída a riqueza de
USD$ 360,6 trilhões, com média de US$ 70,8 mil para os 5,09 bilhões de adultos
do mundo.
A
base da pirâmide, com patrimônio abaixo de USD$ 10 mil, abarca 2,88 milhões de
adultos representando 56,6% dos quase 5 bilhões de pessoas adultas, com uma
riqueza total de USD$ 6,3 trilhões, representando 1,8% do total de USD$ 360,6
trilhões. O grupo seguinte, pessoas com patrimônio entre 10 e 100 mil, agrupa
1,66 bilhão de adultos (32,6% do total), com uma riqueza de USD$ de 55,7
trilhões (representando 15,5% do total). O grupo de classe média alta (entre
100 mil e 1 milhão) reúne 499 milhões de adultos (9,8% do total), com patrimônio
total de USD$ 140,2 trilhões (38,9% do total).
Por
fim, 47 milhões de multibilionários, com mais de USD$ 1 milhão de patrimônio,
representando apenas 0,9% dos 5 bilhões de adultos, abarca US$ 158,3 trilhões,
representando 43,9% dos USD$ 360,6 trilhões da riqueza global. Ou seja, 546
milhões de adultos (10,7%) do topo da pirâmide apropriam de 82,6% da riqueza
total. Mas, apesar da desigualdade ser gritante, ela se reduziu nos últimos
anos, pois nas bases da pirâmide, em 2017, havia 3,5 bilhões de adultos com
patrimônio abaixo de USD$ 10 mil, representando 70,1% do total e havia 1,05
bilhão de adultos com patrimônio entre 10 mil e 100 mil, representando 21,3% do
total. Estas percentagens diminuíram em 2019 e aumentou a percentagem nos dois
grupos superiores.
O
gráfico abaixo mostra que, em termos nominais, a riqueza global por adulto
subiu de USD$ 31,4 mil no ano 2000 para USD$ 53,9 mil em 2007, caiu para USD$
48,5 mil em 2008 e voltou a subir depois da crise financeira, atingindo USD$
70,8 mil em 2019. Antes da crise a riqueza crescia a 8% ao ano e diminuiu o
ritmo para 3,7% na atual década. Portanto, mesmo em ritmo menor, a riqueza
global continua crescendo e a desigualdade, mesmo sendo muito acentuada, se
reduziu ligeiramente, especialmente com o crescimento da classe média na China
e na Índia.
O
mapa abaixo indica a grande diferença na riqueza global entre as nações. Os
países com patrimônio acima de USD$ 100 mil estão localizados na América do
Norte, Europa Ocidental, alguns países da Ásia-Pacífico e no Oriente Médio. A
Suíça (USD $565 mil por adulto) lidera o ranking da riqueza, que ainda tem no
top dez: Hong Kong, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Singapura,
Canadá, Dinamarca, Reino Unido e Holanda. Os países da África Subsaariana estão
entre os mais pobres do mundo. Chama a atenção a presença da Venezuela (que já
foi considerado um dos países mais ricos da América Latina) entre os países com
baixa riqueza por adulto em 2019.
Contudo,
todo o montante atual de USD$ 360,6 trilhões de riqueza para 5,09 bilhões de
adultos, em 2019, está sustentado em bases ambientais frágeis, pois a riqueza
do ser humano (em sua forma piramidal) está alicerçada sobre bases naturais
degradas pelas atividades antrópicas.
A
maior ameaça à manutenção e continuidade da pirâmide global da riqueza vem das
mudanças climáticas e da possibilidade de um aquecimento tão alto, para os
padrões históricos, que torne muitas partes da Terra inabitáveis, eventos
extremos simultâneos, com aumento dos furacões, secas, tempestades,
acidificação dos solos e dos oceanos, ondas letais de calor, elevação do nível
dos mares, inundações, aumento dos refugiados climáticos, etc. O impacto do
aquecimento global será muito rápido e vai durar muito tempo. Isso quer dizer
que os efeitos danosos da crise climática e ambiental vão se agravar com o
tempo e afetar as atuais e futuras gerações.
Como
mostrou Alves (13/11/2019), a população humana, que estava em 1,15 bilhão em
1880, chegou a 2 bilhões de habitantes por volta de 1930, atingiu 3 bilhões em
1960 e 4 bilhões em 1974. O ritmo de crescimento demográfico reduziu um pouco
nos anos seguintes, mas manteve acréscimos de 1 bilhão de pessoas a cada 12 ou
13 anos e deve alcançar 8 bilhões de habitantes em 2023. O Produto Interno
Bruto (PIB) global era, em 1880, de cerca de US$ 2 trilhões em poder de
paridade de compra (ppp), segundo os dados do Projeto Maddison, e passou para
pouco mais de US$ 8 trilhões, em 1945, um crescimento médio anual de pouco mais
de 2% ao ano. Mas entre 1945 e 1980 o PIB mundial passou para US$ 36 trilhões,
com um crescimento médio anual acima de 4%. Este foi o período de maior emissão
de CO2. Entre 1980 e 2016, o PIB global desacelerou um pouco (assim
como a população), mas ultrapassou a casa de 100 trilhões de dólares (em ppp)
em 2016, com um crescimento médio em torno de 3% ao ano.
Como
resultado deste alto crescimento demoeconômico, as emissões globais de CO2
dispararam. As emissões que estavam abaixo de 1 bilhão de tonelada em 1880,
chegou a 2 bilhões de toneladas em 1900, a 4,5 bilhões depois da Segunda Guerra
e, durante os chamados “30 anos dourados” deu um salto para quase 20 bilhões de
toneladas em 1980. Houve certa desaceleração até o ano 2000, com 24,8 bilhões
de toneladas e acelerou novamente durante o superciclo das commodities até
atingir 36 bilhões de toneladas em 2018.
Entre
1880 e 2018, a população mundial cresceu 6,6 vezes, as emissões de CO2
cresceram 42 vezes e o PIB cresceu 56 vezes. As emissões cresceram mais rápido
do que a população, mas em ritmo menor do que a economia. Mas a associação
entre o crescimento demoeconômico e a liberação de gases de efeito estufa é
inquestionável. Ou seja, o aumento da riqueza per capita dos adultos do mundo –
a despeito das desigualdades – aumentou muito a emissão de dióxido de carbono
conforme mostra o gráfico abaixo do “The Global Carbon Project”. Nota-se que o
ritmo das emissões cresceu muito durante o superciclo das commodities
apresentando um crescimento de 3% ao ano na primeira década do atual século.
Mesmo depois do Acordo de Paris, as emissões continuaram em ritmo forte, quando
deveriam estar caindo. O aumento das emissões foi de 4% entre 2015 e 2019,
quando já deveriam ter estabilizado e invertido a tendência.
Evidentemente,
este aumento das emissões de CO2 variam conforme o padrão de riqueza
dos países e, de forma geral, os países mais poluidores seguem o mapa anterior
da riqueza global. Contudo, os países ricos emitiam muito mais CO2
no século passado, pois no século XXI são os países em desenvolvimento que
lideram a emissão de gases de efeito estufa. As emissões de CO2 se
espalharam pelos 4 cantos do mundo e ameaçam o controle do aquecimento global.
Fica
cada vez mais evidente que é impossível continuar retirando riqueza da natureza
e devolvendo poluição e resíduos sólidos como se o meio ambiente fosse um
grande aterro sanitário e a atmosfera fosse uma sauna funcionando 24 horas, 365
dias por ano. O fato é que os recursos e a capacidade de regeneração da Terra
são finitos, mas as necessidades e as expectativas humanas são infinitas. Ou se
amplia um, ou se reduz o outro. Como não há Planeta B, é a continuidade da
geração de riqueza que precisa ser limitada.
O
mundo não deveria continuar ampliando a pirâmide da riqueza e do consumo e,
sim, construir relações menores, mais horizontais, simples e justas entre as
pessoas e entre as pessoas e o meio ambiente. O mundo está em emergência
climática e é cada vez mais provável uma catástrofe ambiental num horizonte não
muito distante. O Egito antigo construiu pirâmides magníficas, mas o regime dos
Faraós fracassou e desapareceu, deixando no deserto apenas a estrutura daquilo
que um dia foi uma civilização próspera.
Segundo
Vaclav Smil, no livro “Growth: From Microorganisms to Megacities” (2019), o
mundo atual enfrenta uma singularidade crucial, pois há apenas um único planeta
cujos recursos alimentaram o crescimento espetacular da civilização humana e
que agora estão se esgotando. A “corrida do ouro” que enriqueceu toda a
humanidade, mas especialmente aquelas parcelas do topo da pirâmide global, está
terminando sem mais o brilho infinito dos recursos naturais e com fluxos
crescentes de poluição e uma grande montanha de rejeitos.
Em
síntese, a pirâmide da riqueza humana tem crescido e se ampliado –
intrinsecamente de maneira desigual – e a partir da pauperização dos
ecossistemas. Não é improvável, que em algum momento, a pirâmide possa afundar
por falta de sustentação ecológica ou possa implodir por falta de justiça
redistributiva em sua arquitetura social. (ecodebate)
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