Programa
para biocombustível RenovaBio pode ser aliado contra desmatamento.
O
RenovaBio, política de biocombustíveis do Brasil que terá o pontapé inicial no
próximo dia 24, trará mecanismos que visam incentivar empresas do setor a
cumprir rigorosas regras contra o desmatamento para expansão agrícola.
Essas
metas devem mobilizar as indústrias de etanol e biodiesel em prol da redução de
danos ambientais em momento em que o país registra avanço do desmatamento,
segundo especialistas.
A
iniciativa, que visa garantir receita adicional ao produtor de biocombustível
pela redução de emissões de gases de efeito estufa proporcionada pelo uso de
etanol e biodiesel, requer que áreas usadas para cana, soja e milho não tenham
sofrido desmate após novembro de 2018, ainda que a lei ambiental permita.
Essa
receita adicional deverá ser obtida pela emissão, pelas usinas, dos chamados
créditos de descarbonização (CBio), que serão comprados pelas distribuidoras de
combustíveis para compensar as emissões pela venda de combustíveis fósseis.
No
horizonte de uma década, por meio dos CBios, o RenovaBio tem objetivos de
retirar cerca de 670 milhões de toneladas de dióxido de carbono da atmosfera,
contribuindo para o cumprimento das metas do Acordo de Paris, além de
impulsionar a indústria de biocombustível.
Criado
por lei aprovada no final de 2017, na administração Michel Temer, o programa
teve a regulamentação concluída já sob o governo Jair Bolsonaro, que tem
levantado tensão entre ambientalistas devido à alta nos índices de desmatamento
na Amazônia e às declarações polêmicas do presidente sobre o tema.
"Se
tiver um hectare desmatado após novembro de 2018, a propriedade rural está fora
do RenovaBio", destacou o gerente de Economia e Análise Setorial da União
da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), Luciano Rodrigues, em referência a
áreas produtoras das principais matérias-primas dos biocombustíveis.
Em
entrevista à Reuters, ele disse que, para evitar questionamentos, as regras do
RenovaBio são mais rigorosas do que as estabelecidas pelo Código Florestal, que
autoriza o desmatamento de parcelas da propriedade rural em percentuais que
dependem da região, com normas mais severas no Bioma Amazônico, onde é
permitido pela lei desflorestar até 20% da área.
O
rigor do RenovaBio em relação ao desmatamento, a principal fonte de emissão de
carbono no Brasil, será estabelecido em um momento em que integrantes do
próprio governo e agricultores questionam a Moratória da Soja, um programa da
indústria que proíbe a compra de grãos de áreas do Bioma Amazônico
desflorestadas após 2008. Fazendeiros querem ter o direito de usar toda a área
agrícola que a lei permite.
Desafio
de rastrear
No
caso do setor de etanol de cana, que pela própria lógica do negócio trabalha
com fornecedores mais próximos das usinas, o controle da origem da
matéria-prima livre de desmatamento seria mais fácil, concordou o economista da
Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Daniel Amaral.
Questionado,
ele admitiu que a rastreabilidade da soja e do milho é questão que exige
atenção, pois os grãos são comprados de vários fornecedores e armazenados em um
mesmo silo.
"Isso
acaba sendo um desafio... a soja, desde que armazenada em boas condições, ela
pode ser transportada de Mato Grosso para a China, para qualquer lugar. Isso
traz desafio maior de estreitar o relacionamento com o produtor", comentou
ele, lembrando que o RenovaBio exige que o agricultor tenha Cadastro Ambiental
Rural (CAR), uma ferramenta de rastreabilidade.
Ele
disse ainda que o RenovaBio, por meio dos CBios, deverá dar um incentivo
financeiro aos integrantes da cadeia produtora, permitindo uma espécie de
pagamento por serviços ambientais. Segundo Amaral, caberá a cada setor negociar
para definir valores que poderão ser repassados aos fornecedores.
De
olho nisso, dezenas de empresas já estão participando do processo em busca da
aprovação para emissão de CBios, incluindo unidades de multinacionais como a
Cofco, Tereos e BP, além de brasileiras como Biosev e São Martinho, de acordo
com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Até
sexta-feira, 47 companhias estavam em fase de consulta pública para
certificação visando emissão dos certificados. Outras 40 estavam sob aviso de
início de consulta pública, enquanto 29 passavam por consulta e cinco haviam
sido aprovadas, apontou a ANP, incluindo unidades de biodiesel BSBios e JBS,
além plantas de etanol da São Martinho e da usina Vale do Paraná.
Com
base neste interesse inicial, a reguladora afirmou à Reuters em nota que
acredita que as empresas aprovadas nos próximos meses serão suficientes para
que o país atinja a meta de 2020, de descarbonização de 28,7 milhões de
toneladas.
"Os
produtores de maior volume estão em processo de certificação, o que nos dá
segurança para alcançar as metas".
Eficiência,
a chave do negócio
Enquanto
associações do setor admitem que ajustes finos precisam ser feitos para
aprimorar o RenovaBio, todos têm certeza de que as empresas precisarão buscar
eficiência para conseguir tirar o melhor proveito do programa.
"A
usina mais eficiente vai emitir mais CBios... O programa vai resultar em mais
produtividade...", disse o diretor técnico da Unica, Antonio de Padua
Rodrigues.
O
grau de eficiência será medido no processo de autorização para emissão dos
CBios e ditará a proporção de certificados a serem obtido pelos produtores para
cada volume de etanol comercializado.
Assim
uma usina mais eficaz poderá emitir certificado com metade do volume de etanol
que uma usina menos eficaz precisaria comercializar para obter o mesmo CBio,
disse o diretor técnico da Unica, Antonio de Padua Rodrigues.
"A
diferença do ganho entre uma mais eficiente e uma menos eficiente pode ser de
100%", apontou ele, o que explicaria a corrida por uma nota melhor e, por
consequência, pela possibilidade de maior receita com o RenovaBio.
O
presidente da União Nacional do Etanol de Milho (Unem), Guilherme Nolasco,
defendeu que a RenovaCalc (calculadora para definir a nota de desempenho
ambiental das usinas) seja ajustada para capturar alguns ganhos de eficiência,
como por exemplo a redução na aplicação de adubos devido ao resíduo de
fertilizante deixado no solo para o milho, após o cultivo da soja.
"Há
uma dificuldade de segregação de insumos de primeira e segunda safra, mas o
governo e a ANP estão muito abertos a construir os ajustes
necessários...", disse Nolasco, acrescentando que, no que diz respeito à
questão ambiental, ainda que o milho usado pelas usinas seja plantado "em
áreas consolidadas" (sem desmatamento), o setor está discutindo a criação
de um "dispositivo de rastreabilidade de origem".
Marcos Fava Neves,
professor titular da USP e da FGV, especialista em planejamento estratégico do
agronegócio, avalia que o setor conta com amplas áreas de pastagem no Brasil
para ampliar a produção de matérias-primas sem apresentar problemas ao
RenovaBio, e que os CBios, ao ampliarem a renda das empresas, estimularão a
produção sustentável.
Assim
como as associações, Neves evitou fazer estimativa de preço para o mercado de
CBio. Mas ele avaliou que a margem das usinas pode aumentar em cerca de 30% com
o programa e os certificados. (noticiasagricolas)
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