segunda-feira, 15 de junho de 2020

Filho único, decrescimento populacional e regeneração de ecossistemas

Famílias de filho único, decrescimento populacional e regeneração dos ecossistemas.
“Nosso trabalho é promover uma transição demográfica mundial e aplainar a curva exponencial – eliminando a pobreza extrema, disponibilizando amplamente métodos seguros e eficazes de controle de natalidade e ampliando o poder político real das mulheres” - Carl Sagan (1934-1996).
A taxa total de fecundidade (TFT) global que era de 5 filhos por mulher em meados do século passado caiu pela metade, em poucas décadas, e atualmente está em torno de 2,5 filhos por mulher no mundo. A Divisão de População da ONU, na projeção média, estima que a TFT vai cair para 2 filhos até o final do século e a população mundial vai ficar em torno de 11 bilhões de habitantes em 2100.
Mas acontece que a população mundial já ultrapassou a capacidade de carga da Terra desde a década de 1970. A cada dia aumenta a sobrecarga e cresce a degradação ambiental. O aquecimento global se tornou uma ameaça existencial para a humanidade e a 6ª extinção em massa das espécies não humanas está fazendo do Antropoceno uma época de extermínio, sendo que o ecocídio é também um suicídio.
Para lidar com o problema da superpopulação, existe uma proposta de incentivar a universalização da família de filho único. Na verdade, no mundo já existem cerca de 20% das mulheres sem filho, se houver 60% das mulheres com 1 filho e 20% de mulheres com 2 filhos, o resultado é uma TFT de 1 filho por mulher. Como mostra o gráfico abaixo, enquanto as projeções da ONU indicam uma população de 11 milhões de pessoas em 2100, uma TFT de 2 filhos (dois filhos em média por família) levaria a população para 9 bilhões de habitantes em 2200 e uma TFT de 1 filho (famílias de filho único) levaria a população mundial para menos de 1 bilhão de habitantes em 2200.
Esta proposta de família de filho único é apoiada pelo demógrafo e ambientalista Português, João Luís Ramalho Abegão, que eu seu livro “Atlas da Superpopulação Humana” defende a ideia de que existe uma superpopulação no mundo e que é necessário um decrescimento demográfico para evitar um colapso ambiental. Na introdução ele diz:
Neste primeiro volume do Atlas da Superpopulação Humana, o leitor é apresentado a uma compilação da literatura científica, bem como à argumentação persuasiva de uma série de especialistas, com a intenção de defender que muitos dos sintomas ecológicos, ambientais, sociológicos, as condições geopolíticas e econômicas que contaminaram nosso mundo, têm uma causa raiz ou podem estar, indubitavelmente, ligadas a nosso vasto e crescente número de pessoas. E como não pôde? Todo novo passageiro humano nesta Terra vem equipado com os requisitos necessários que precisam ser atendidos para salvaguardar sua existência e seu florescimento. Essa pessoa exigirá comida, água, abrigo, roupas, energia, materiais, tecnologia, transporte, infraestrutura, espaço e segurança e, por sua vez, descartará resíduos, alterará habitats e poluirá a atmosfera, o solo e os cursos de água. Mesmo que cada ser humano contribua de uma maneira quase imperceptível, 7,6 bilhões são um número tremendo que nossa mente nem sequer pode começar a conceituar, com todos esses impactos triviais totalizando transformações profundas. O Atlas da Superpopulação Humana descreve esses desvios”.
A campanha “One Planet One Child” pretende criar uma conscientização pública mais ampla de que o mundo está superpovoado, que o problema é solucionável e que a solução humana é escolher famílias menores. Sem dúvida, a queda das taxas de fecundidade estão relacionadas com projeções menores para a população global no futuro.
Para se avaliar com detalhe o efeito das baixas taxas de fecundidade sobre o futuro da população mundial no longo prazo, o trabalho dos pesquisadores do International Institute for Applied Systems Analysis (IIASA), ajuda a entender as projeções de longo prazo (2000 a 2300) que funcionam como um exercício para análise de cenários futuros. As projeções por idade e sexo levaram em consideração um amplo conjunto de hipóteses de fecundidade e três cenários de mortalidade com base em expectativa de vida máxima de 90, 100 e 110 anos.
Em artigo publicado na Demographic Research, em 30 de maio de 2013, os demógrafos Stuart Basten, Wolfgang Lutz e Sergei Scherbov apresentam uma síntese do relatório. Utilizando o cenário de expectativa de vida de 90 anos (Eo = 90), segundo as diversas variações na Taxa de Fecundidade Total (TFT), percebemos que a população mundial em 2000, que era de 6,05 bilhões de habitantes e a TFT era de 2,53 filhos por mulher, chegaria a 15,1 bilhões de habitantes em 2100, a 33,5 bilhões em 2200 e 71,0 bilhões de habitantes em 2300. Evidentemente, o Planeta não suportaria nada parecido com isto. Caso a TFT caia para 2 filhos por mulher, a população mundial chegaria a 10,3 bilhões em 2100, a 9,9 bilhões em 2200 e a 9,0 bilhões de habitantes em 2300, conforme a tabela abaixo.
Uma queda da taxa de fecundidade para 1,5 filhos por mulher faria a população mundial chegar a 6,8 bilhões em 2100, 2,3 bilhões em 2200 e 720 milhões de habitantes em 2300. Ou seja, uma TFT de 1,5 filho seria o suficiente para fazer a população (que em 2020 está em 7,8 bilhões de habitantes) cair ao longo do atual século e chegar a menos de 1 bilhão de habitantes em 2300.
No caso das famílias de média de filho único (TFT = 1 filho) a população cairia rapidamente para 4,4 bilhões de habitantes em 2100 e para 1,34 bilhão de habitantes em 2150. Num cenário de catástrofe ambiental esta seria uma forma de permitir a sobrevivência da humanidade com um volume bem menor de pessoas. Chegando neste ponto, a TFT poderia aumentar, pois na continuidade da TFT de 1 filho, o volume populacional global chegaria a 37 milhões em 2200 e ficaria do tamanho (30 milhões) da região metropolitana de Tóquio em 2300.
Em síntese, a população mundial em 2300 pode variar de 71 bilhões (na hipótese de TFT de 2,5 filhos por mulher) para 720 milhões de habitantes (na hipótese de TFT de 1,5 filhos por mulher) ou praticamente chegar a zero e desaparecer (na hipótese de TFT de 0,75 filhos por mulher). Pequenas variações nas taxas de fecundidade provocam grandes alterações no volume da população no longo prazo, quer se denomine o fenômeno da explosão ou implosão demográfica ou qualquer outro nome.
O fato é que o futuro demográfico está aberto e vai depender das decisões tomadas e efetivadas nas próximas décadas e das inter-relações entre população, desenvolvimento e meio ambiente. E é inquestionável que o crescimento demoeconômico está empobrecendo os ecossistemas e destruindo a vida selvagem no Planeta. Contudo, a extinção dos polinizadores – com as abelhas – pode gerar uma grande crise agrícola e eliminar ou diminuir muito a cobertura vegetal do Planeta. Sem abelhas o mundo pode caminhar para um deserto.
Mas com a redução da população humana – a principal espécie predadora das espécies na Terra – a vida selvagem poderá se recuperar. Como escrevi em outro artigo (Alves, 02/10/2019), o mundo seria mais próspero e feliz com menos gente e mais árvores (e toda a biodiversidade que as florestas comportam).
Desta forma, a perspectiva do decrescimento demoeconômico é o primeiro passo para o equilíbrio homeostático da economia e do ambiente. Mas é preciso ir além, já que os seres humanos precisam recuperar grande parte do que foi destruído e reverter a tendência à 6ª extinção em massa das espécies.
Artigo de Daniel Christian Wahl (Beyond Sustainability?, 18/04/2018) mostra que é preciso valorizar o ecossistema e promover uma mudança de paradigma, deixando para trás as atitudes ignorantes e egoístas de destruição do próprio habitat para garantir que os sistemas naturais da Terra possam alcançar sua capacidade ideal de sustentar a vida. Em vez de desenvolvimento sustentável é preciso avançar no desenvolvimento regenerativo.
Para o autor, o termo sustentável foi cooptado e algumas pessoas consideram sua empresa sustentável porque sustentou o crescimento e os lucros por vários anos seguidos. O termo sustentabilidade nos pede para explicar o que estamos tentando sustentar. O termo desenvolvimento regenerativo, por outro lado, traz consigo um objetivo claro de regenerar a saúde e a vitalidade dos ecossistemas. Em um nível básico, a regeneração significa não usar recursos que não podem ser regenerados. Nem usar os recursos mais rapidamente do que eles podem ser regenerados. Desenvolvimento neste contexto é “coevolução da mutualidade”.
A segunda razão é que é preciso ir além de ser apenas sustentável para realmente regenerar o dano que a humanidade provocou no planeta desde o alvorecer da agricultura, das cidades, dos Estados e dos Impérios.
O diagrama abaixo mostra a passagem de um sistema degenerativo para um sistema regenerativo. A escrita verde e vermelha acima e abaixo do eixo x se refere ao impacto positivo (verde) e impacto negativo (vermelho). No modelo em que tudo continua na mesma (“business as usual”) o primeiro avanço ocorre quando as práticas se movem para o estágio “Green” (economia verde), que significa fazer um pouco mais do que o usual, ou seja, poluir um pouco menos, usando menos energia de fontes não renováveis, etc. Este é um passo frequentemente denominado “maquiagem verde” (“greenwashing”), mesmo que seja uma necessidade nos diversos passos na jornada para ir além da sustentabilidade.

Na passagem do verde (“Green”) para o sustentável (“sustainable”) se chega ao ponto do impacto neutro, em que as atividades sustentáveis não causam danos adicionais. No entanto, com os enormes prejuízos ambientais causados desde o início da revolução industrial é preciso fazer mais do que simplesmente sustentar uma população humana de mais de 7 bilhões de pessoas e que pode chegar a 11 bilhões até 2100, com um crescimento econômico ainda maior.
Na passagem do estágio sustentável para o restaurativo (“restorative”) ainda é possível utilizar a mentalidade antropocêntrica instrumental que vê o ser humano como a medida de todas as coisas. Essa mentalidade de engenharia para a restauração pode criar projetos que restaurem florestas ou ecossistemas, mas de maneira não sistêmicas e integrativas e, portanto, esses esforços e seus efeitos podem ter vida curta ou resultar em efeitos colaterais inesperados e negativos.
Na passagem do estágio restaurativo (“restorative”) para o reconciliatório (“reconciliatory”) se busca projetos de restauração em grande escala para a adaptação cuidadosa à singularidade biocultural do lugar, podendo gerar sucessos de curto prazo, mas falhar em criar significado suficiente para motivar a transformação de longo prazo.
Na passagem do penúltimo estágio, o reconciliatório (“reconciliatory”), para o último o regenerativo (“regenerative”) o desenvolvimento revela o total potencial ecocêntrico. A reconciliação entre natureza e cultura permitiria reconciliar a jornada evolutiva da vida e iniciando uma nova trilha de atuação de forma regenerativa. Regeneração de ecossistemas em grande escala para reverter o aquecimento global, estabilizar o clima, recuperar a biodiversidade e permitir a transição para uma economia baseada em biomateriais de padrões ecológicos de produção e consumo descentralizados biorregionalmente e orientados para a regeneração social e econômica, a resiliência e a colaboração global na aprendizagem de como viver bem e conjuntamente na mesma nave viva que é a Terra (WAHL, 18/04/2018)
A Terra deveria ter o potencial de alcançar um “Equilíbrio Evolucionário”, significando que os solos, os oceanos, as plantas, os animais, a atmosfera, o ciclo da água e o clima da Terra possam interagir de uma forma natural, sem interferência humana. Se estivermos conscientes disso e não interferirmos no Sistema Terrestre os interesses da humanidade podem coincidir com os interesses de todos os seres vivos da Terra. A civilização precisa ser compatível com a reselvagerização do mundo e, para tanto, é fundamental o decrescimento demográfico.
Existe a necessidade de fazer a transição da economia fóssil para a “bioeconomia”, que é uma economia centrada no uso de recursos biológicos renováveis em vez de fontes baseadas em fósseis para produção industrial e de energia sustentável. Abrange várias atividades econômicas desde a agricultura até o setor químico e farmacêutico. Ou seja, é uma economia com base nos recursos renováveis, conhecimento biológico e processos biotecnológicos para estabelecer uma economia de base biológica e, acima de tudo, ecologicamente sustentável, focada na renovabilidade e na neutralidade do carbono.
Reduzir o ritmo de crescimento da população mundial é uma necessidade imperiosa. Vale ressaltar a opinião de Andrew Hwang (09/07/2018): “Como matemático, acredito que reduzir substancialmente a taxa de natalidade é nossa melhor perspectiva para elevar os padrões de vida globais. Como cidadão, acredito que estimular o comportamento humano, incentivando famílias menores, é a nossa esperança mais humana”.
Desta forma, a opção pela descarbonização da economia e pelo decrescimento demoeconômico aliado à bioeconomia e à regeneração ecológica permitiria colocar a humanidade em um espaço seguro no Planeta, possibilitando não somente a sustentabilidade, mas também a recuperação dos danos causados no passado, além de viabilizar a reselvagerização do mundo, para evitar o ecocídio e o colapso ambiental e civilizacional. (ecodebate)

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