Rio Branco/AC – O aumento
expressivo nas taxas de desmatamento no estado do Acre, as elevadas
temperaturas e a previsão de um “verão amazônico” mais seco, fazem dessa porção
da Amazônia Ocidental mais vulnerável e a sofrer com incêndios florestais neste
ano de 2020. O número de queimadas deste ano na região é 23,5% maior do que o
registrado há quatro anos, quando a região estava afetada pelo fenômeno El
Niño. Entre 01/01 e 13/08/2020 o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE) registrou 1.497 focos de calor no estado contra 1.212 no mesmo de 2016.
No igual período de 2019 foram 1.583 focos de calor, que apontam para uma queda
de 5,4% nas queimadas.
A situação de 2020 é ainda
preocupante diante dos dados levantados por instituições de pesquisas que
apontam elevada concentração de desmate e queimadas nas regiões com a maior
concentração de floresta nativa.
Em maio, a agência espacial dos
Estados Unidos, a NASA, divulgou estudo apontando que, entre os estados da
Amazônia brasileira, o Acre é o que tem a maior probabilidade de ser atingido
por incêndios florestais: 85%. O principal motivo para isso, segundo a NASA, é
o aquecimento das águas do Oceano Atlântico, que tem como principal efeito a
redução da umidade na parte mais sul da Amazônia e uma concentração maior ao
norte.
“A
previsão da temporada de incêndios é consistente com o que vimos em 2005 e
2010, quando as temperaturas quentes da superfície do oceano Atlântico geraram
uma série de furacões severos e provocaram secas recordes em todo o sul da
Amazônia, que culminaram em incêndios florestais generalizados na Amazônia”,
disse Doug Morton, chefe do Laboratório de Ciências Biosféricas do Goddard
Space Flight, da NASA, em entrevista publicada no site da agência
norte-americana.
“Do
ponto de vista das condições meteorológicas a probabilidade é tanto de termos
chuvas abaixo da média ou temperaturas acima da média. Então você tem as
condições para as ocorrências de algum tipo de incêndio florestal. Temos um
cenário propício para isso”, diz Liana O. Anderson, pesquisadora do Centro
Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
“Existe
essa relação do aumento da temperatura do oceano Atlântico que acaba deslocando
a zona de convergência, que é o grande processo responsável pelas chuvas na
Amazônia, um pouquinho mais para o norte. O deslocamento dessa grande massa de
chuva que cruza toda região tropical move um pouquinho para o norte, provocando
mais chuvas, e a parte sul da Amazônia enfrenta uma seca”.
“Com essas condições de seca mais proeminente e tendendo a se agravar nos próximos meses, os riscos de incêndios florestais aumentam bastante”, completa.
Alertas de desmatamento na Amazônia nos primeiros trimestres de 2016 a 2020 apontam recorde em sinais de devastação nos meses de janeiro, fevereiro e março deste ano.
O
estudo da NASA levou em consideração para elaborar o risco de incêndio
florestal na Amazônia não apenas as condições climáticas causados pelo AMO,
como também o histórico recente de desmatamento e registro de focos de queimada
dos últimos anos. Em 2019, a maior floresta tropical do mundo concentrou níveis
recordes de derrubada e queimadas, tendência que se mantém agora em 2020.
De
acordo com o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), entre janeiro e julho foram
emitidos avisos de desmate para uma área de 4.730 km2 na Amazônia
Legal. Entre 01/01 e 13/08/2020 foram 40.059
focos de queimadas na região.
Alta no desmatamento
Queimada em Rio Branco, capital do Acre.
Um
dos menores estados do Norte do país em extensão territorial, o Acre passava
quase despercebido quando da divulgação de dados como estes. As áreas
desmatadas no estado sempre foram muito inferiores quando comparadas com Pará,
Mato Grosso ou a vizinha Rondônia. De 2019 para cá, porém, o estado vem dando
contribuições significativas para o aumento do desmatamento na Amazônia.
Conforme
levantamento do Sistema de Alerta de Desmate (SAD), do Instituto do Homem e
Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), em julho o Acre foi responsável por 12% de
todo o desmatamento registrado; Mato Grosso – que sempre lidera com o Pará os
índices de devastação – respondeu por 9%.
Em 2019, o Acre desmatou 706,48 km2 de floresta, aponta o
Prodes/INPE; uma diferença bastante expressiva quando comparado com 2018
(461,25 km2) e 2017 (245,66 km2).
A
elevação das taxas de derrubada se dá por conta da mudança de ambiente político
nas esferas federal e estadual. O atual governo local tem como principal
política para o desenvolvimento econômico o fortalecimento do agronegócio. Em
março de 2019, o governador Gladson Cameli (PP) fez um discurso na cidade de
Sena Madureira visto como o “liberou-geral” para a destruição da floresta, ao
desmoralizar a atuação do Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac).
“Quem
for da zona rural, e que o seu Imac estiver multando, alguém me avise porque eu
não vou permitir que venham prejudicar quem quer trabalhar. Avise-me e não
pague nenhuma multa porque quem está mandando agora sou eu. Não paguem”, disse
o governador.
O
que chama a atenção no pequeno estado é o deslocamento da pressão humana sobre
a floresta. Se antes as derrubadas e o fogo estavam concentrados na porção
leste – onde ficam as maiores fazendas de gado – agora eles seguem rumo a uma
área ainda muito rica em floresta preservada, chegando até as regiões isoladas e
difícil acesso.
Desde
2019 os municípios dos Vales do Envira/Tarauacá, Purus e Juruá passam a
concentrar grande parte das áreas desmatadas e incendiadas. Em 2020, Feijó
lidera o ranking de desmatamento: 45,11 km2. Em julho o município
ficou entre os 10 que mais perderam vegetação nativa na Amazônia Legal.
O
primeiro lugar no ranking de desmatamento se repete no de queimadas: de janeiro
até 13 de agosto foram 339 focos de calor detectados no município, que tem a maior
quantidade de terras indígenas no estado.
Feijó
e Tarauacá se revezam na primeira posição entre os 22 municípios acreanos que
mais queimam este ano, juntos, os dois municípios vizinhos concentram 43% do
total de focos detectados até a segunda quinzena de agosto.
Com
um “verão amazônico” mais seco e prolongado – como apontam as projeções da NASA
-, a possibilidade de o fogo feito em roçados, áreas de pastagem ou para a
limpeza da área derrubada causarem incêndios florestais são altas; os efeitos
são imensuráveis numa região cujo combate ao fogo seria difícil pelas
dificuldades de logística. Em 2019 o Acre registrou 1.910 hectares de floresta
em pé queimada. Em 2005 foram 350 mil.
Aumento de grilagem
Ampliação de área de pasto na BR 364 no Acre.
Segundo
a pesquisadora e coordenadora do Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao
Meio Ambiente (LabGama), da Universidade Federal do Acre (Ufac), Sonaira Silva,
o desmatamento em alta na região mais ao sul da Amazônia ocorre tanto para a
prática da invasão de terras públicas quanto para a expansão de áreas
agrícolas, sobretudo da pecuária.
“Está
tendo muita invasão de terras públicas, grilagem mesmo. Também tem as
propriedades privadas que estão expandindo suas áreas de uso, além dos pequenos
produtores que ampliam os roçados para sua subsistência, mas o maior volume de
desmatamento é em terras públicas. Eu estimo que de 80 a 90% destas áreas
desmatadas vão ser destinadas para a pastagem”, diz Sonaira Silva.
No
Acre a Floresta Estadual do Antimary é uma das mais impactadas para a prática
da grilagem. A unidade passou a ser alvo frequente de operações do Batalhão de
Polícia Ambiental para tentar conter o crime. Outra UC impactada pela chegada
de invasores é a Reserva Extrativista Chico Mendes. Esta invasão é
diferenciada, pois é feita pelos próprios moradores, que passaram a “cortar”
suas colocações para a venda de lotes.
Apenas
em julho passado, segundo o INPE, a reserva teve desmatado 10 km2 de sua
cobertura florestal, o terceiro maior resultado entre as áreas protegidas da
Amazônia. O primeiro lugar pertence à Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará:
15 km2. Estas são duas unidades de conservação já bastante
pressionadas e impactadas pelas atividades no seu entorno, com destaque para a
agropecuária.
Para
o consultor-convidado do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
(Imazon) Paulo Barreto, o crescimento das taxas de desmatamento dentro das
áreas protegidas é o exemplo de como as terras públicas vêm sendo griladas nos
últimos anos. Essa grilagem, aponta ele, ocorre se recorrendo a mecanismos
oficiais para dar aparência de legalidade ao que foi feito de forma ilegal. É o
caso do Cadastro Ambiental Rural, o CAR.
“Os
caras estão usando o CAR. Eles estão grilando e cadastram porque acham que o
cadastro é um passo para regularizar, e sabe que não vai ser punido. Até pagam
o ITR Eles usam instrumentos públicos para grilar”, afirma Barreto. Segundo
ele, uma mudança percebida é o aumento das áreas desmatadas, saindo de poucos
hectares para até dois mil hectares, o que mostra o poder de capital de quem o
pratica. Na região, em média, a derrubada de um hectare de floresta custa mil
reais.
Esta
floresta que foi ao chão logo será queimada. As grandes áreas incendiadas são
feitas não pelo pequeno, mas pelo médio e grande produtor. No Acre, segundo
Sonaira Silva, a maioria das áreas queimadas com mais de 50 hectares foi
detectada em terras públicas. “Boa parte são fazendas que estão se ampliando.
Quem consegue queimar tanta área não é o pequeno produtor”, diz a pesquisadora.
Por
muitas décadas as queimadas na Amazônia são caracterizadas por ocorrer em áreas
agrícolas, para limpeza de roçados ou pastagens. Sem acesso a tecnologias e
assistência dos governos, as famílias de pequenos e médios produtores rurais
recorrem ao fogo para “renovar o solo” para a próxima safra. Desde 2019,
pesquisadores apontam uma mudança neste comportamento, com as queimadas em
áreas recém desmatadas crescendo.
A
reportagem consultou a Secretaria de Estado de Meio Ambiente para saber quais
providências vêm adotando para mitigar os efeitos de um “verão amazônico” mais
severo. De acordo com a pasta, desde o início de junho os seus técnicos se
reúnem com especialistas de todo o país para tratar das previsões climáticas
para a região e seus impactos.
“As
chuvas encontram-se abaixo da média durante a transição entre a estação chuvosa
e seca em todo o estado do Acre, e isso representa a possibilidade de uma seca
severa no estado, nos moldes das que ocorreram em 2005 e 2010 e que afetaram
sobremaneira o estado do Acre”, nota da Sema assinada pela secretária-executiva
Vera Reis Brown,
Questionada
sobre quais medidas adota para evitar os incêndios em áreas de floresta, a Sema
informou que “o governo não está esperando que o fogo pegue na floresta para
agir”.
“Iniciamos
a implementação de um plano operacional estratégico nas áreas de maior
criticidade no estado, ou seja nas florestas públicas, através de missões
integradas de comando e controle com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente –
Sema, Polícia Militar, através do Batalhão de Policiamento Ambiental (BPA) e
Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac).”
Esta
ação mais repressiva seria voltada para combater os crimes de invasão de terras
públicas (grilagem) nas unidades de conservação estaduais. Do ponto de vista de
médio e longo prazo a Sema informa que trabalha com o Cadastro Ambiental Rural
(CAR) e o Programa de Regularização Ambiental (PRA) para a regularização dos
passivos, “trazendo os produtores para a legalidade, com o desenvolvimento de
estratégias de integração institucional”.
A
agência Amazônia Real está realizando a cobertura Amazônia em Chamas 2020 para
publicar reportagens exclusivas sobre a devastação da floresta. Neste período
em que o mundo enfrenta a pior crise sanitária da atualidade, a pandemia do
novo coronavírus, os responsáveis pelos desmatamentos e queimadas não dão
trégua. A fumaça dos incêndios deixa em vulnerabilidade a biodiversidade e
compromete a saúde das populações tradicionais e urbanas da região amazônica.
Leia
a reportagem que abriu a nova série:
Amazônia em Chamas 20: “Tudo que vai queimar está pela frente”, diz Setzer sobre a temporada do fogo.
Rodovia em Rio Branco, capital do Acre. (amazoniareal)
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