domingo, 27 de setembro de 2020

Florestas do Acre podem ser afetadas por incêndio

Amazônia em Chamas 20: Florestas do Acre podem ser mais afetadas por incêndios, diz NASA.
Índices de queimadas são maiores 23,5% do que o ano de 2016, quando a região foi afetada pelo fenômeno El Niño. A imagem acima mostra área de floresta sendo queimada na BR-364 entre os municípios de Feijó e Tarauacá

Rio Branco/AC – O aumento expressivo nas taxas de desmatamento no estado do Acre, as elevadas temperaturas e a previsão de um “verão amazônico” mais seco, fazem dessa porção da Amazônia Ocidental mais vulnerável e a sofrer com incêndios florestais neste ano de 2020. O número de queimadas deste ano na região é 23,5% maior do que o registrado há quatro anos, quando a região estava afetada pelo fenômeno El Niño. Entre 01/01 e 13/08/2020 o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) registrou 1.497 focos de calor no estado contra 1.212 no mesmo de 2016. No igual período de 2019 foram 1.583 focos de calor, que apontam para uma queda de 5,4% nas queimadas.

A situação de 2020 é ainda preocupante diante dos dados levantados por instituições de pesquisas que apontam elevada concentração de desmate e queimadas nas regiões com a maior concentração de floresta nativa.

Em maio, a agência espacial dos Estados Unidos, a NASA, divulgou estudo apontando que, entre os estados da Amazônia brasileira, o Acre é o que tem a maior probabilidade de ser atingido por incêndios florestais: 85%. O principal motivo para isso, segundo a NASA, é o aquecimento das águas do Oceano Atlântico, que tem como principal efeito a redução da umidade na parte mais sul da Amazônia e uma concentração maior ao norte.

O fenômeno é conhecido pela sigla em inglês AMO, cuja tradução para o português é Oscilação Multidecadal do Atlântico. Além do Acre, seus efeitos são sentidos no sul do Amazonas, sudoeste do Pará, Mato Grosso e Rondônia. Os departamentos de Pando, na Bolívia, e Madre de Dios, no Peru, também são atingidos. Entre os três países, o departamento boliviano de Santa Cruz de la Sierra tende a ser o mais afetado por fogo em vegetação: 92%.
Queimada em Rio Branco em agosto de 2020.

“A previsão da temporada de incêndios é consistente com o que vimos em 2005 e 2010, quando as temperaturas quentes da superfície do oceano Atlântico geraram uma série de furacões severos e provocaram secas recordes em todo o sul da Amazônia, que culminaram em incêndios florestais generalizados na Amazônia”, disse Doug Morton, chefe do Laboratório de Ciências Biosféricas do Goddard Space Flight, da NASA, em entrevista publicada no site da agência norte-americana.

“Do ponto de vista das condições meteorológicas a probabilidade é tanto de termos chuvas abaixo da média ou temperaturas acima da média. Então você tem as condições para as ocorrências de algum tipo de incêndio florestal. Temos um cenário propício para isso”, diz Liana O. Anderson, pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

“Existe essa relação do aumento da temperatura do oceano Atlântico que acaba deslocando a zona de convergência, que é o grande processo responsável pelas chuvas na Amazônia, um pouquinho mais para o norte. O deslocamento dessa grande massa de chuva que cruza toda região tropical move um pouquinho para o norte, provocando mais chuvas, e a parte sul da Amazônia enfrenta uma seca”.

“Com essas condições de seca mais proeminente e tendendo a se agravar nos próximos meses, os riscos de incêndios florestais aumentam bastante”, completa.

Alertas de desmatamento na Amazônia nos primeiros trimestres de 2016 a 2020 apontam recorde em sinais de devastação nos meses de janeiro, fevereiro e março deste ano.

O estudo da NASA levou em consideração para elaborar o risco de incêndio florestal na Amazônia não apenas as condições climáticas causados pelo AMO, como também o histórico recente de desmatamento e registro de focos de queimada dos últimos anos. Em 2019, a maior floresta tropical do mundo concentrou níveis recordes de derrubada e queimadas, tendência que se mantém agora em 2020.

De acordo com o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), entre janeiro e julho foram emitidos avisos de desmate para uma área de 4.730 km2 na Amazônia Legal. Entre 01/01 e 13/08/2020 foram 40.059 focos de queimadas na região.

Alta no desmatamento

Queimada em Rio Branco, capital do Acre.

Um dos menores estados do Norte do país em extensão territorial, o Acre passava quase despercebido quando da divulgação de dados como estes. As áreas desmatadas no estado sempre foram muito inferiores quando comparadas com Pará, Mato Grosso ou a vizinha Rondônia. De 2019 para cá, porém, o estado vem dando contribuições significativas para o aumento do desmatamento na Amazônia.

Conforme levantamento do Sistema de Alerta de Desmate (SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), em julho o Acre foi responsável por 12% de todo o desmatamento registrado; Mato Grosso – que sempre lidera com o Pará os índices de devastação – respondeu por 9%.  Em 2019, o Acre desmatou 706,48 km2 de floresta, aponta o Prodes/INPE; uma diferença bastante expressiva quando comparado com 2018 (461,25 km2) e 2017 (245,66 km2).

A elevação das taxas de derrubada se dá por conta da mudança de ambiente político nas esferas federal e estadual. O atual governo local tem como principal política para o desenvolvimento econômico o fortalecimento do agronegócio. Em março de 2019, o governador Gladson Cameli (PP) fez um discurso na cidade de Sena Madureira visto como o “liberou-geral” para a destruição da floresta, ao desmoralizar a atuação do Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac).

“Quem for da zona rural, e que o seu Imac estiver multando, alguém me avise porque eu não vou permitir que venham prejudicar quem quer trabalhar. Avise-me e não pague nenhuma multa porque quem está mandando agora sou eu. Não paguem”, disse o governador.

O que chama a atenção no pequeno estado é o deslocamento da pressão humana sobre a floresta. Se antes as derrubadas e o fogo estavam concentrados na porção leste – onde ficam as maiores fazendas de gado – agora eles seguem rumo a uma área ainda muito rica em floresta preservada, chegando até as regiões isoladas e difícil acesso.

Falar em desmatamento ou incêndios em municípios isolados como Jordão ou Marechal Thaumaturgo era quase inconcebível até anos atrás; a realidade agora é outra. O Acre ainda mantém intacto quase 87% de sua cobertura florestal nativa.
Em julho/2020 o Acre desmatou mais que o Mato Grosso.

Desde 2019 os municípios dos Vales do Envira/Tarauacá, Purus e Juruá passam a concentrar grande parte das áreas desmatadas e incendiadas. Em 2020, Feijó lidera o ranking de desmatamento: 45,11 km2. Em julho o município ficou entre os 10 que mais perderam vegetação nativa na Amazônia Legal.

O primeiro lugar no ranking de desmatamento se repete no de queimadas: de janeiro até 13 de agosto foram 339 focos de calor detectados no município, que tem a maior quantidade de terras indígenas no estado.

Feijó e Tarauacá se revezam na primeira posição entre os 22 municípios acreanos que mais queimam este ano, juntos, os dois municípios vizinhos concentram 43% do total de focos detectados até a segunda quinzena de agosto.

Com um “verão amazônico” mais seco e prolongado – como apontam as projeções da NASA -, a possibilidade de o fogo feito em roçados, áreas de pastagem ou para a limpeza da área derrubada causarem incêndios florestais são altas; os efeitos são imensuráveis numa região cujo combate ao fogo seria difícil pelas dificuldades de logística. Em 2019 o Acre registrou 1.910 hectares de floresta em pé queimada. Em 2005 foram 350 mil.

Aumento de grilagem

Ampliação de área de pasto na BR 364 no Acre.

Segundo a pesquisadora e coordenadora do Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (LabGama), da Universidade Federal do Acre (Ufac), Sonaira Silva, o desmatamento em alta na região mais ao sul da Amazônia ocorre tanto para a prática da invasão de terras públicas quanto para a expansão de áreas agrícolas, sobretudo da pecuária.

“Está tendo muita invasão de terras públicas, grilagem mesmo. Também tem as propriedades privadas que estão expandindo suas áreas de uso, além dos pequenos produtores que ampliam os roçados para sua subsistência, mas o maior volume de desmatamento é em terras públicas. Eu estimo que de 80 a 90% destas áreas desmatadas vão ser destinadas para a pastagem”, diz Sonaira Silva.

No Acre a Floresta Estadual do Antimary é uma das mais impactadas para a prática da grilagem. A unidade passou a ser alvo frequente de operações do Batalhão de Polícia Ambiental para tentar conter o crime. Outra UC impactada pela chegada de invasores é a Reserva Extrativista Chico Mendes. Esta invasão é diferenciada, pois é feita pelos próprios moradores, que passaram a “cortar” suas colocações para a venda de lotes.

Apenas em julho passado, segundo o INPE, a reserva teve desmatado 10 km2 de sua cobertura florestal, o terceiro maior resultado entre as áreas protegidas da Amazônia. O primeiro lugar pertence à Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará: 15 km2. Estas são duas unidades de conservação já bastante pressionadas e impactadas pelas atividades no seu entorno, com destaque para a agropecuária.

Para o consultor-convidado do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) Paulo Barreto, o crescimento das taxas de desmatamento dentro das áreas protegidas é o exemplo de como as terras públicas vêm sendo griladas nos últimos anos. Essa grilagem, aponta ele, ocorre se recorrendo a mecanismos oficiais para dar aparência de legalidade ao que foi feito de forma ilegal. É o caso do Cadastro Ambiental Rural, o CAR.

“Os caras estão usando o CAR. Eles estão grilando e cadastram porque acham que o cadastro é um passo para regularizar, e sabe que não vai ser punido. Até pagam o ITR Eles usam instrumentos públicos para grilar”, afirma Barreto. Segundo ele, uma mudança percebida é o aumento das áreas desmatadas, saindo de poucos hectares para até dois mil hectares, o que mostra o poder de capital de quem o pratica. Na região, em média, a derrubada de um hectare de floresta custa mil reais.

Esta floresta que foi ao chão logo será queimada. As grandes áreas incendiadas são feitas não pelo pequeno, mas pelo médio e grande produtor. No Acre, segundo Sonaira Silva, a maioria das áreas queimadas com mais de 50 hectares foi detectada em terras públicas. “Boa parte são fazendas que estão se ampliando. Quem consegue queimar tanta área não é o pequeno produtor”, diz a pesquisadora.

Por muitas décadas as queimadas na Amazônia são caracterizadas por ocorrer em áreas agrícolas, para limpeza de roçados ou pastagens. Sem acesso a tecnologias e assistência dos governos, as famílias de pequenos e médios produtores rurais recorrem ao fogo para “renovar o solo” para a próxima safra. Desde 2019, pesquisadores apontam uma mudança neste comportamento, com as queimadas em áreas recém desmatadas crescendo.

O que diz o governo do Acre
Monumento de Chico Mendes em Rio Branco.

A reportagem consultou a Secretaria de Estado de Meio Ambiente para saber quais providências vêm adotando para mitigar os efeitos de um “verão amazônico” mais severo. De acordo com a pasta, desde o início de junho os seus técnicos se reúnem com especialistas de todo o país para tratar das previsões climáticas para a região e seus impactos.

“As chuvas encontram-se abaixo da média durante a transição entre a estação chuvosa e seca em todo o estado do Acre, e isso representa a possibilidade de uma seca severa no estado, nos moldes das que ocorreram em 2005 e 2010 e que afetaram sobremaneira o estado do Acre”, nota da Sema assinada pela secretária-executiva Vera Reis Brown,

Questionada sobre quais medidas adota para evitar os incêndios em áreas de floresta, a Sema informou que “o governo não está esperando que o fogo pegue na floresta para agir”.

“Iniciamos a implementação de um plano operacional estratégico nas áreas de maior criticidade no estado, ou seja nas florestas públicas, através de missões integradas de comando e controle com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente – Sema, Polícia Militar, através do Batalhão de Policiamento Ambiental (BPA) e Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac).”

Esta ação mais repressiva seria voltada para combater os crimes de invasão de terras públicas (grilagem) nas unidades de conservação estaduais. Do ponto de vista de médio e longo prazo a Sema informa que trabalha com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Programa de Regularização Ambiental (PRA) para a regularização dos passivos, “trazendo os produtores para a legalidade, com o desenvolvimento de estratégias de integração institucional”.

“Sabe-se que o Acre tem tido um posicionamento proativo dos órgãos competentes e responsáveis sobre o caráter irregular das atividades de desmatamento. No entanto um alinhamento das atividades de monitoramento e fiscalização, com o suporte dos órgãos de inteligência tem sido de fundamental importância, pois a situação atual se configura de forma diferente, quando há o envolvimento de outros ilícitos como as invasões de terras públicas”.
Fumaça causada pelas queimadas em Rio Branco.

A agência Amazônia Real está realizando a cobertura Amazônia em Chamas 2020 para publicar reportagens exclusivas sobre a devastação da floresta. Neste período em que o mundo enfrenta a pior crise sanitária da atualidade, a pandemia do novo coronavírus, os responsáveis pelos desmatamentos e queimadas não dão trégua. A fumaça dos incêndios deixa em vulnerabilidade a biodiversidade e compromete a saúde das populações tradicionais e urbanas da região amazônica.

Leia a reportagem que abriu a nova série:

Amazônia em Chamas 20: “Tudo que vai queimar está pela frente”, diz Setzer sobre a temporada do fogo.

Rodovia em Rio Branco, capital do Acre. (amazoniareal)

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