“A perda territorial, causada pelo desmatamento e
incêndios, causa deslocamento em busca de locais mais seguros, mas traz outros
perigos: abordagem involuntária às populações vizinhas e possível contágio de
doenças. A situação é ainda mais complicada pela presença da covid-19, uma
pandemia cujo crescimento exponencial compromete seriamente a vida desses
povos, a herança viva da América e da humanidade”, concluiu o documento.
O informe resulta de iniciativa de mais de 20
organizações indígenas e da sociedade civil que integram o Grupo de Trabalho
Internacional sobre os Povos Indígenas em Situação de Isolamento e Contato
Inicial (GTI PIACI) e que representam essas três regiões, diante do aumento na
incidência de incêndios florestais e na taxa de desmatamento no ano passado.
Para o especialista regional em questões de Povos
Indígenas em Isolamento, consultor da organização Land Is Life e autor
principal do relatório, Antenor Vaz, há ações evidentes dos Estados-Nação em
uma perspectiva de exterminar esses povos, diante do que chamou de falta de
providência dos governos diante de alertas antecipados. Entre os problemas que
avançam sobre os territórios dos povos isolados estão a ação do garimpo e de
madeireiras ilegais, grilagem de terra, narcotráfico e construção de grandes
empreendimentos.
“Existe uma ausência não só de definição de
políticas e implementação de políticas, mas também existe uma presença do
estado por meio de um modelo de desenvolvimento, em que promovem a construção
de hidrelétricas, o agronegócio, que avança sobre os territórios, queima e
invade os territórios dos isolados. E existe uma ausência total do Estado para
coibir as ações ilícitas”, declarou.
Ele alerta para o risco de genocídio dos povos
indígenas isolados. Segundo ele, o que caracteriza um genocídio é o extermínio
deliberado, parcial ou total, de um grupo indígena, de uma etnia, de uma seção
religiosa, seja ela qual for. “O que temos observado nos três países [do
relatório] e podemos dizer, de maneira geral, dos sete países [da América do
Sul] com povos indígenas isolados, é que esses povos dependem fundamentalmente
do seu território. Se você impacta esse território, você está criando condições
para que esses povos não sobrevivam”, advertiu.
Outro resultado apresentado é que um elemento comum na origem do aumento das queimadas é a ação humana, impulsionada por situações como as práticas expansivas do agronegócio e da indústria extrativa – como a madeireira e a garimpeira. Essa situação, aliada à falta de marcos regulatórios efetivos para a proteção dos povos indígenas isolados, faz com que a situação deles seja cada vez mais precária, conforme avaliação no documento.
Dados
Foram analisados 99 Territórios Indígenas (TI) com
registros de povos indígenas em situação de isolamento (PIA, na sigla em
inglês) nos três países, constatando-se em 2019 um aumento de focos de calor na
ordem de 258% na Bolívia, 259% no Brasil e 185% no Paraguai, na comparação com
2018. Os focos de calor detectados nas 32 unidades de conservação (áreas
protegidas) também com presença de PIA em 2019, subiram 744% na Bolívia, 347%
no Brasil e 44.150% no Paraguai, na comparação com 2018.
Para as análises, foram usados dados de fogo ativo –
conhecidos também como focos de calor ou focos de queimada – de satélite do
Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Com
base nesses dados, foram elaborados informes locais de incêndios pela
Coordenação de Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) no Brasil,
a Iniciativa Amotocodie (IA) no Paraguai, e a Central Indígena de Comunidades
Tacana II do Rio Madre de Dios (CITRMD) na Bolívia.
Com base nos dados da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), foram identificados 114 registros de presença de povos indígenas em situação de isolamento (PIA), incluindo confirmados, em estudo ou em informação. Destes, 81 estão em áreas protegidas (em terras indígenas ou em unidades de conservação) e foram considerados para este informe. Um total de 33 registros não estão em áreas legalmente delimitadas e, por isso, não foram avaliados.
Recomendações
O documento propõe recomendações para a
implementação de medidas de proteção desses povos e de seus territórios. Para
as Casas Legislativas dos três países, recomenda-se que legislem sobre uma
proposta de Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, que resulte em um
plano de prevenção e combate aos desmatamentos na Amazônia, no Grande Chaco e
no Cerrado.
Para a sociedade civil e Estados-Nações, a sugestão
é que apoiem as iniciativas de povos indígenas com histórico de contato e suas
organizações, fortalecendo, por exemplo, a formação de brigadas indígenas de
combate e prevenção a incêndios, além de apoiar a autoproteção dos territórios.
Em relação aos organismos multilaterais, pede-se uma atuação mais incisiva em
relação aos Estados em uma perspectiva de combate a incêndios e destruição de
territórios indígenas e unidades de conservação.
Questionada sobre o alerta de ameaça de genocídio contra os povos indígenas isolados constante no relatório, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) disse, em nota, desconhecer o teor do documento citado e informou que, em parceria como Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo-IBAMA), atua na execução de atividades de Manejo Integrado do Fogo (MIF) em terras indígenas, adotando atividades de prevenção e de combate a incêndios florestais nessas áreas.
A Agência Brasil pediu posicionamento dos Ministérios do Meio Ambiente e da Justiça, que destinaram a demanda à FUNAI e ao Conselho da Amazônia da Vice-Presidência. A reportagem aguarda resposta do conselho. (ecodebate)
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