Reciclagem é a solução para
tanto plástico, metal, roupa? A resposta não é tão simples: esta ferramenta se
tornou o pretexto ideal para a dinâmica do consumo se perpetuar, sob a ilusão
de que, se será reciclado depois, está tudo bem.
Quem traz essa reflexão
perturbadora é a diretora da organização Zero Waste France, Flore Berlingen,
autora de “Reciclagem, a grande enganação: como a economia circular se tornou o
álibi da indústria descartável” (tradução livre de Recyclage, le grand
enfumage: comment l’économie circulaire est devenue l’alibi du jetable).
“Na realidade, deveríamos
estar reduzindo a quantidade de coisas que consumimos e jogamos fora. A
prioridade é a prevenção, ou seja, a diminuição do lixo na sua origem. Mas,
infelizmente, o mundo tem se focalizado na solução da reciclagem deste lixo –
talvez porque essa seja a solução mais fácil, ou talvez porque essa indústria
também se tornou rentável”, afirma a ativista, em entrevista ao programa C’est
Pas du Vent, da RFI.
O livro constata que, em vez
de estimular um círculo virtuoso baseado na consciência sobre a escassez dos
recursos naturais, a reciclagem acabou por livrar o peso na consciência dos
consumidores: basta colocar tudo no lixo reciclável e podemos voltar a comprar
mais.
“Quando buscamos reciclar produtos que não deveriam sequer existir – afinal eles representam um consumo excessivo dos nossos recursos naturais –, não estamos chegando a pequenos passos rumo a uma solução. Estamos é nos afastando da solução”, frisa. “É por isso que acho que devemos nos permitir criticar a reciclagem, ou pelo menos afirmar que ela não deve ser a nossa solução prioritária”.
Mito do “eternamente reciclável”
A autora lembra que o
plástico não é eternamente reciclável: a cada ciclo, menos produto pode ser
recuperado e o processo gera dejetos, além de consumir energia e água. Ou seja,
está longe de ser algo “natural”, como alguns poderiam pensar. Tanto a
produção, quanto a reutilização do plástico são altamente poluentes.
“Esse mito da reciclagem
infinita faz com que a indústria do descartável se torne ‘aceitável’ e
continuemos a consumir excessivamente. Mas isso é uma mentira, porque a
reciclagem não é suficiente para tornar sustentáveis os produtos descartáveis,
em especial os de uso único”, destaca a ativista – que não vê com bons olhos
até iniciativas que, aparentemente, são recheadas de boas intenções, como a
recuperação de garrafas pet para usos mais duradouros.
“Podemos ter a impressão de
que é uma boa ideia porque, em curto prazo, nos permite reutilizar as garrafas,
evitar que elas sejam jogadas na natureza etc. Mas estou convencida de que, em
longo prazo, é uma falsa boa ideia”, sublinha Flore Berlingen. “Não devemos
pensar em soluções que incluam o plástico, por mais que elas sejam
reutilizáveis. Sem contar que, ao transformar a garrafa plástica em uma moeda
de troca, vamos de encontro ao nosso objetivo de reduzir o seu uso no mundo”.
Estímulo para mais compras de
roupas, celulares
O plástico, derivado do
petróleo e não biodegradável, representa a parte mais visível do problema – mas
ele está em todo o lugar. Na indústria têxtil, a reciclagem se tornou argumento
de venda: as lojas oferecem uma redução no preço se o cliente trouxer roupas
usadas para a reciclagem, contando que ele saia com uma sacola de novas peças.
Na telefonia, usuários trocam todo o ano o modelo do celular com a consciência
tranquila de que o antigo será utilizado por outra pessoa ou suas peças serão
recuperadas, e assim por diante.
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