O documentário mostra quão
perto estamos de alguns pontos de ruptura (tipping points). Fala também da
necessidade que se apresenta à humanidade de engajamento numa transição que
seria impensável há poucas décadas.
Dois desses limites – o da
perda de biodiversidade e o da mudança climática – têm relação direta com o
desmatamento das florestas tropicais.
As florestas tropicais
abrigam a maior biodiversidade terrestre e fluvial do planeta. O atual ritmo de
desmatamento destas florestas é responsável por aproximadamente 20% das
emissões globais de gases de efeito estufa. Estes gases são assim chamados por
segurarem calor na atmosfera.
No Brasil, as emissões
geradas pelo desmatamento são 45% 1 do total de emissões do país. Só o
desmatamento da Amazônia é responsável por 36%. A destruição piora o
aquecimento global e acelera a extinção de espécies.
Em um trabalho já clássico, o
climatólogo Carlos Nobre e o biólogo Thomas Lovejoy sugerem que a Amazônia ruma
rapidamente para o rompimento de seu limite. Este rompimento fará com que
partes da floresta passem a se transformar em áreas degradadas, vastos campos
sujos.
Isto ocorreria porque o
equilíbrio da floresta Amazônica é fruto de uma delicada, mas massiva corrente
de transporte de água. Esta corrente nasce no Oceano Atlântico e chega aos
Andes, onde dobra em direção ao sul. A corrente não é linear, mas sim composta
por sucessivos ciclos de chuva e evapotranspiração da floresta. Remover as
árvores enfraquece, portanto, a corrente. Uma quantidade menor de água
circulando na região, por sua vez, é fatal para o tamanho da floresta. Espécies
arbóreas menores e menos sedentas tomam o lugar do grande emaranhado de árvores
e espécies simbióticas.
Nobre e Lovejoy estimam que o
ponto de ruptura deve acontecer quando a floresta perder entre 20% e 25% da sua
cobertura original. Mas em que ponto estamos neste processo? A parte brasileira
do bioma Amazônico ocupava no tempo das caravelas portuguesas uma área de quase
4,2 milhões de km2. Segundo o INPE 2 , 17% do bioma já foi perdido.
Nobre, no entanto, acredita que a perda está mais próxima dos 20%. Isto porque
ele considera no cálculo as áreas severamente degradadas e aquelas onde a
floresta está se recuperando (embora sem a riqueza anterior).
Antes de falar mais de alguns
processos que podem nos levar a ultrapassar este limite, vale lembrar que,
entre 2004 e 2012, foi possível reduzir o desmatamento anual em mais de 20 mil
km2. Isto mostra que é possível frear a destruição. Se uma ação
assemelhada às daquele período se somasse a programas de restauração florestal
em escala, a floresta voltaria a fixar muito carbono. E criaria as condições
para o reestabelecimento de sua biodiversidade.
Apesar disso, nos últimos anos, o desmatamento da Amazônia voltou a crescer seguidamente. O sinistro do meio ambiente, Ricardo Salles, cunhou a expressão “passar a boiada” para a destruição dos regramentos infra legais que vem fazendo com uma terrível competência. O Congresso, agora presidido por aliados de Bolsonaro, está fazendo passar a boiada legal com consequências ainda mais danosas. Se aprovadas, a combinação de três projetos de lei pode fazer a Floresta Amazônica ultrapassar seu ponto sem volta e se tornar um imenso campo sujo.
Para sabermos mais sobre os Projetos de Lei que ameaçam a preservação ambiental do país, a Agência Lupa e o Fakebook.eco prepararam um material explicando quatro propostas que tramitam no Congresso e por que elas são tão perigosas para o avanço do desmatamento da Amazônia.
Duas delas são o Projeto de
Lei que “anorexiza” o licenciamento ambiental e o PL da Grilagem. Este último
acaba por incentivar a ocupação ilegal de grandes glebas de Terras Públicas. Se
aprovados, estes dois PLs imporão uma sentença de morte para parte importante
da floresta ao sul do rio Amazonas.
Em sua versão atual, o PL do
licenciamento dispensa, por exemplo, a licença ambiental para ampliação e
melhoria de estradas. Esta é uma receita historicamente comprovada para o
aumento do desmatamento. Muitas das estradas na Amazônia, existentes e
projetadas, estão cercadas por Terras Públicas. Uma vez implantadas ou melhoradas
as estradas, entra em ação o “PL grilagem”, que permite a regularização
autodeclarada de até 2.500 hectares. Este PL dá um sinal claro para a ocupação
dessas terras públicas. Este processo tem implantado redes de estradas vicinais
e ramais que, nas imagens de satélite, aparentam “espinhas de peixe”.
Uma olhada rápida na dinâmica
de ocupação das áreas próximas a novas estradas indica que se desmata
anualmente 2 km2 de floresta para cada quilômetro de estrada
ampliada e/ou asfaltada 3 . Na lista de desejos por estradas do governo, estão
o trecho de 850 km da BR 319 no estado do Amazonas, os 215 km que ligam Humaitá
a Lábrea e o trecho final da BR 163 até Itaituba. São quase 1.400 km que – se
as tendências históricas permanecerem – podem levar ao desmatamento de 83.000
km2 até 2050.
Outra intenção declarada e
insistente do governo Bolsonaro é a de abrir as Terras Indígenas à mineração, o
que por si só é um desastre irrecuperável, basta ver o lago formado onde era a
cava de Serra Pelada. Porém, o PL também autoriza a construção de hidrelétricas
sem a devida consulta aos Povos Indígenas. Junte isso com a “anorexização” do
licenciamento ambiental e a lista de desejos do setor elétrico – poderemos ver
mais 2.500 km2 de floresta ocupados por reservatórios 4 de hidrelétricas
As boiadas podem vir a deixar
de ser somente figura de linguagem. Os vastos campos sujos em um solo
sabidamente pobre, como o de muitas regiões da Amazônia, oferecem pouca
oportunidade alternativas à engorda de gado em pastos degradados. Se ainda
houver mercado consumidor de carne bovina.
Somando o nível de destruição que já foi causado à Amazônia com os 85 mil km2 provocados pelas possíveis novas leis e levando em conta que temos quase 30 anos até 2050, não ultrapassar o ponto de não retorno significa conter os desmatamentos ilegal e legal em menos de 4.000 km2 por ano. Isso é mais ou menos um terço do que foi desmatado em 2020. É um valor nunca antes visto nos registros deste país – e praticamente impossível na rota que o atual governo está seguindo.
E governo federal e Congresso ainda querem mexer na demarcação de terras indígenas. (ecodebate)
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