“Acreditar que o crescimento
econômico exponencial pode continuar infinitamente num mundo finito é coisa de
louco ou de economista”-Kenneth Boulding (1910-1993).
Essas lições foram
antecipadas de maneira clara no livro “Limites do Crescimento, um relatório
para o Projeto do Clube de Roma sobre o Dilema da Humanidade”, liderado pelo
casal Meadows e publicado originalmente em 1972. Os autores constroem um modelo
para investigar cinco grandes tendências de interesse global: o ritmo acelerado
de industrialização, o rápido crescimento demográfico, a desnutrição
generalizada, o esgotamento dos recursos naturais não renováveis e a
deterioração ambiental. Estas tendências se inter-relacionam de muitos modos e
a obra busca compreender suas implicações num horizonte de cem anos.
A principal conclusão do
livro está resumida neste parágrafo: “Se as atuais tendências de crescimento da
população mundial, industrialização, poluição, produção de alimentos e
diminuição de recursos naturais continuarem imutáveis, os limites de
crescimento neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos próximos cem
anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e incontrolável, tanto
da população quanto da capacidade industrial” (p. 20).
Infelizmente o alerta do livro “Limites do Crescimento” não foi ouvido e a Pegada Ecológica da humanidade ultrapassou a biocapacidade do Planeta a partir do início da década de 1970, como mostra a figura acima. As reservas ecológicas (área verde) foram substituídas pelo déficit ecológico (área vermelha). E o mais grave é que o déficit aumenta a cada ano. Em 2013, a Pegada Ecológica Global estava 68% acima da Biocapacidade. Ou seja, a população mundial está utilizando cerca de 1,7 Planeta e caminha para o uso de dois Planetas até 2030.
Evidentemente, o modelo atual é insustentável e a humanidade marcha para uma situação catastrófica caso continue avolumando a Pegada Ecológica bem acima da biocapacidade. Por exemplo, a continuidade do efeito estufa pode ser o fator de “declínio súbito e incontrolável”, apontado pelo livro “Limites do Crescimento”. As constantes agressões antrópicas ao meio ambiente podem ter um efeito de retroalimentação com o derretimento do permafrost e das Tundras do círculo Ártico que liberam CO2 e o
gás metano. Artigo de Uwe
Branda et. al. (2016) traz uma afirmação preocupante: “O aquecimento global
provocado pela liberação maciça de dióxido de carbono pode ser catastrófico.
Mas a liberação do hidrato de metano pode ser apocalíptica”.
Portanto, os dados mostram
que a natureza não aguenta mais a continuidade dos impactos do crescimento da
população humana, do seu consumo e da sua decorrente poluição. A continuidade
da perda da biodiversidade e da degradação dos ecossistemas apontam para um
abismo que pode sugar o progresso e jogar a economia em um caos imprevisível,
mas muito doloroso.
Para impedir o pior, é
preciso evitar o crescimento econômico quantitativo que extrai volumes crescentes
de recursos naturais e gera volumes ainda maiores de resíduos sólidos e
poluição do solo, das águas e do ar. Não basta o desacoplamento relativo. A
solução passa por uma mudança de paradigma e pelo decrescimento demoeconômico,
como forma de reduzir a Pegada Ecológica. E como bem mostra o livro “Enough is
Enough” (2010), não basta reduzir a pegada ecológica, também é preciso reduzir
o número de pés.
O Japão é um exemplo de um país rico (com alto padrão de vida), que tem apresentado baixo crescimento econômico e que está em fase de decrescimento populacional. Embora o “país do sol nascente” apresente alto déficit ambiental, o resultado recente, mesmo que modesto, tem sido a redução das agressões à natureza. A Biocapacidade subiu de 85 milhões de hectares globais (gha) em 2003 para 89,6 milhões de gha em 2013, enquanto a Pegada Ecológica diminuiu de 696 milhões de gha em 2000 para 639 milhões de gha em 2013. Ainda existe um longo caminho para o Japão sair de uma situação de déficit para uma situação de superávit ambiental. Todavia, a notícia positiva é que o país é um dos poucos da comunidade internacional que está reduzindo sua dívida ambiental, fazendo convergir as tendências da Pegada Ecológica e da Biocapacidade.
Mudar o padrão de produção e consumo é fundamental. Porém, o decrescimento da população poderia dar uma grande contribuição para diminuir o impacto negativo sobre o meio ambiente. Porém, as projeções da ONU indicam que é quase certo que a população mundial vai passar dos atuais 7,6 bilhões de habitantes, em 2017, para cerca de 10 bilhões em 2055. Se houver queda mais acelerada das taxas de fecundidade, o declínio populacional poderá ocorrer ainda na segunda metade do século XXI.
Neste quadro, o que fazer
então para evitar uma catástrofe ambiental?
Além da aceleração da queda
das taxas de fecundidade (que vão possibilitar a futura estabilização
demográfica) é preciso imediatamente modificar o modo de vida e reduzir o nível
de agressão à natureza. Isto é, a Pegada Ecológica tem que abrandada.
Mas há grandes resistências à
diminuição do consumo em qualquer sociedade, embora a redução do alto padrão de
vida nos países ricos seja uma forma de mitigar os problemas ambientais e as
desigualdades sociais. O decrescimento demoeconômico nos países desenvolvidos é
uma bandeira que tem ganhado muitos adeptos, como mostra as publicações do
grupo Research & Degrowth (R&D).
Mas há muita resistência em
se falar em decrescimento demoeconômico nos países pobres e de baixo grau de
desenvolvimento. Argumenta-se que as populações do Terceiro Mundo não atingiram
um grau mínimo de bem-estar e que, portanto, estes países não têm “gordura”
para queimar. Falar em decrescimento populacional também mexe com os interesses
dos setores do fundamentalismo religioso, das forças militares, do
conservadorismo moral, dos políticos populistas e do nacionalismo xenófobo.
O pronatalismo sempre
acompanha os sonhos da grandeza nacional, que tende a deixar o meio ambiente e
a biodiversidade em segundo plano, em relação ao desenvolvimento das forças
produtivas e ao egoísmo humano.
Contudo, quando se fala em
decrescimento não se pode pensar simplesmente na lógica quantitativa e
material. O decrescimento pode ser principalmente qualitativo, reduzindo as
atividades mais poluidoras e fazendo crescer as atividades com menor impacto
ambiental.
Por exemplo, o decréscimo da produção e do consumo de combustíveis fósseis, além de diminuir as emissões de gases de efeito estufa pode abrir espaço para o crescimento das energias renováveis (solar, eólica, geotérmica, ondas, etc.), contribuindo para a descarbonização da economia. As energias alternativas podem gerar emprego e democratizar o acesso à produção e consumo energético, criando a figura do prossumidor (produtor + consumidor).
Com base neste exemplo, podemos listar diversas maneiras de fazer decrescer as atividades mais poluidoras e degradadoras do meio ambiente, abrindo espaço para crescer as atividades mais amigáveis à natureza. Vejamos algumas alternativas:
Decrescer os gastos militares
e reduzir a produção e uso de instrumentos de guerra e aumentar os
investimentos em atividades de engrandecimento da solidariedade nacional e
internacional, na promoção da paz e na ampliação do bem-estar social (com
melhoria da saúde, da educação e cultura ecocêntrica).
Decrescer a produção e o
consumo de fertilizantes químicos e agrotóxicos e aumentar os investimentos na
agricultura orgânica, na permacultura e na agricultura urbana, produzindo
alimentos saudáveis perto dos grandes centros urbanos (para decrescer os custos
de transporte e o desperdício dos alimentos).
Decrescer as áreas de
pastagem e a produção e o consumo de proteína animal, promovendo a transição
para uma dieta vegetariana e vegana, além de aumentar as áreas de florestas e
vegetação nativa.
Decrescer a produção e o uso
de carros particulares (principalmente aqueles grandes, pesados e que demandam
muita energia por quilômetro rodado) e aumentar os investimentos em transporte
coletivo e no compartilhamento de automóveis.
Decrescer as desigualdades, o
consumo conspícuo, os bens de luxo e investir em bens e serviços que permitam a
universalização do bem-estar, aumentando as atividades da economia solidária,
da economia colaborativa, de forma a diminuir os impactos das atividades
antrópicas.
Decrescer a demanda dos
serviços ecossistêmicos, reduzir a poluição e diminuir as áreas ecúmenas,
aumentando as áreas verdes (florestas e matas), limpando os rios, lagos e
oceanos para viabilizar a recuperação da biodiversidade, o aumento das áreas
anecúmenas e o incremento do bem-estar ecológico.
Decrescer a economia material
e aumentar a economia imaterial, a produção de bens intangíveis e a sociedade
do conhecimento, da solidariedade e do compartilhamento.
O fato é que a humanidade
precisa mudar o estilo de vida e o padrão de produção e consumo para fazer
decrescer as atividades antrópicas. O alerta feito no livro “Limites do
Crescimento” continua válido. Mas não basta mais limitar o crescimento. O
desafio atual é promover o decrescimento demoeconômico, reduzindo a Pegada
Ecológica e aumentando a Biocapacidade.
Os dinossauros viveram na Terra durante 135 milhões de anos. O Homo sapiens tem apenas 200 mil anos. Numa perspectiva de longo prazo, pouco importa saber se o “declínio súbito e incontrolável”, apontado pelo relatório, de 1972, do Clube de Roma, acontecerá em 50, 100 ou 200 anos. O certo é que o caminho atual é insustentável e, se nada for feito para um redirecionamento, a humanidade não terá futuro.
Indubitavelmente, não dá para tergiversar, pois é impossível garantir o enriquecimento da sociedade humana às custas do empobrecimento da comunidade biótica global. A insistência na manutenção do rumo historicamente insustentável da economia e do crescimento das atividades antrópicas pode levar a civilização ao precipício, ao ecocídio e ao suicídio. (ecodebate)
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