Estimar os
possíveis impactos que as mudanças climáticas podem ter no futuro sobre a
disponibilidade de recursos eólicos no Brasil é de suma importância para um
adequado planejamento energético.
A diversidade
na matriz energética de um país é um fator extremamente importante para evitar
episódios de crise energética, como ocorrido no Brasil em 2001, já que nesta
época as hidrelétricas eram responsáveis por praticamente toda a geração de
energia e estávamos com os reservatórios reduzidos. Episódios como este junto
ao incentivo às fontes alternativas de energia ajudaram a iniciar a história da
geração eólica no Brasil.
Neste mesmo
ano, a capacidade eólica instalada representava somente 0,1% de toda energia
gerada no país. Porém, continuamos a observar o crescimento exponencial da
capacidade eólica, principalmente a partir de 2014 (Figura 1), quando atingiu
aproximadamente 6 GW, já representando 2% relativa à toda matriz energética.
Como o Clima
interfere na geração de energia eólica?
Os períodos
mais favoráveis à geração eólica são o inverno e a primavera, principalmente
entre os meses de agosto e setembro na região Nordeste, em que rotineiramente
são registrados recordes de produção segundo o Operador Nacional do Sistema
Elétrico (ONS).
Atualmente, a
maior parte dos projetos eólicos estão concentrados na região nordeste do
Brasil (NEB), pois, essa região possui grande exposição a fenômenos
meteorológicos que favorecem a continuidade e estabilidade da ação dos ventos
sazonalmente.
No litoral
norte do Nordeste, a intensificação dos ventos alísios contribui para a geração
de energia eólica, entretanto, esta é uma região fortemente afetada pela
dinâmica e interação das características da Zona de Convergência Tropical
(ZCIT). Neste caso, destaca-se a interação oceano-continente na posição e
deslocamento da ZCIT, de modo que quanto mais ao sul e por mais tempo a ZCIT
estiver posicionada, maior será a qualidade da estação chuvosa no NEB (UVO
& NOBRE 1989) e pior será para a geração eólica, pois, será impactada
negativamente devido a maior variabilidade na velocidade e direção do vento.
Assim como a
ZCIT, os Vórtices Ciclônicos de Altos Níveis (VCANs) também podem impactar
negativamente a geração eólica no Nordeste. Esses sistemas ciclônicos possuem o
núcleo mais frio do que o entorno, o que favorece a precipitação ao redor do
sistema e, consequentemente, interfere na variabilidade sazonal do vento
(FEDOROVA et al, 2016).
Ainda nessa
região, no início do segundo semestre, é comum ocorrer a intensificação de
sistemas de alta pressão transientes ou semi-permanentes sobre o oceano
Atlântico Sul (ASAS). Neste contexto, a borda desses sistemas se intensifica e
segue direcionando os ventos do mar à região costeira nordestina. De modo que,
quanto mais próximo do continente sul-americano a ASAS estiver, mais intenso
serão os ventos que chegam no litoral NEB (MOSCATI & GAN, 2007),
favorecendo o potencial eólico local.
Por outro lado, a interação entre a temperatura dos oceanos e a atmosfera é responsável pelo equilíbrio e balanço de energia no globo. Esse balanço de massa está completamente interligado com as ações dos fenômenos citados acima e impactam diretamente na qualidade da geração eólica nacional. Visto esse cenário, a Climatempo Energia desenvolveu estudos específicos para caracterizar a relação entre índices oceânicos e a qualidade do vento no NEB. Por conta disso, a Climatempo conta com relatórios (Figura 2) que avaliam o impacto de diversos sistemas climáticos e oceânicos na geração eólica, auxiliando no planejamento e nas tomadas de decisão de médio e longo prazo.
Figura 2: Avaliação de oscilações climáticas e oceânicas com anomalia da precipitação e do vento de um parque no nordeste brasileiro desde 1994 até 2020.
Qual o impacto
futuro das mudanças climáticas no setor eólico brasileiro?
No contexto de
aquecimento global e mudanças climáticas, o setor de energia renovável vem
ganhando destaque. Especialmente no Brasil, o desenvolvimento do setor eólico é
considerado como uma das principais metas para reduzir as emissões de gases do
efeito estufa no âmbito nacional. Diversos estudos mostram que os padrões
climáticos globais de temperatura, chuva e vento serão alterados
significativamente durante todo o século 21, independente da escolha dos
cenários futuros projetados (IPCC, 2013). Dependendo do nível de aquecimento
que o planeta for exposto, essas mudanças podem ser mais extremas ou não.
Pesquisas mostram que se o aquecimento global ultrapassar o limiar de 1,5 °C
estabelecido pelo Acordo de Paris, até mesmo que se atinja valores inferiores
mas próximos de 1,5°C, espera-se que as mudanças climáticas
tomem um rumo irreversível, o que traz muitos prejuízos para a humanidade
(LENTON et al., 2019; STEFFEN et al., 2018).
Estimar os
possíveis impactos que as mudanças climáticas podem ter no futuro sobre a
disponibilidade de recursos eólicos no Brasil é de suma importância para um
adequado planejamento energético. JONG et al. (2019) e REBOITA et al. (2018)
investigaram como o regime de ventos, e por consequência, a geração eólica em
todo o Brasil será alterada ao longo do século 21, através de modelos
climáticos regionais. Ambos os estudos utilizaram o cenário climático RCP 8.5,
considerado o mais “pessimista” em termos de aquecimento global, e consideraram
os períodos 2020-2050 (futuro próximo) e 2070-2099 (futuro distante).
Projeções
analisadas por ambos os estudos citados mostram um sinal claro de aumentos da
geração eólica no Brasil ao longo do século 21, principalmente nas Regiões
Nordeste e Sul, onde se predomina as maiores gerações de energia eólica
atualmente. No futuro próximo (2020-2050), REBOITA et al. (2018) mostram
aumentos mais significativos no outono com leves reduções no verão, para o
Nordeste, enquanto que para o Sul, os aumentos se concentram mais no período de
verão e primavera, com reduções mais significativas no inverno.
Ao analisar as projeções no futuro mais distante (2070-2099), os sinais são amplificados de forma geral, como apresentado na Figura 3. JONG et al. (2019) mostram sinais muito similares aos encontrados por REBOITA et al. (2018), porém as análises são anuais, e não sazonais. Entretanto, vale ressaltar que muitas incertezas são associadas às projeções numéricas, desde a escolha do cenário forçante analisado (ex: RCP 8.5) até o modelo climático utilizado.
Figura 3: Projeções futuras sazonais (2070-2098) para a densidade de energia eólica (%) no nível de 100 metros, utilizando o cenário RCP 8.5. O cálculo é baseado na diferença entre os valores encontrados no clima futuro (2070-2098) e no clima presente (1979-2005).
Determinar as causas das mudanças climáticas é algo bem complexo, pois muitos sistemas interagem entre si, dificultando a atribuição de causas. Porém, o padrão de mudanças de determinados fatores climáticos podem indicar um possível sinal do que realmente pode afetar o regime de temperatura, chuva, e mais especificamente aqui, o de vento. Relatório climático do IPCC/2013 já sinalizava que a ASAS deve se expandir em direção ao continente sul-americano no futuro, o que corrobora com as mudanças positivas na geração de energia eólica. BYRNE et al. (2018) discutem que apesar do posicionamento da ZCIT não apresentar mudanças significativas historicamente e no futuro, a banda de precipitação está se tornando cada vez mais intensa e menos abrangente (menos larga). Isso pode estar relacionado com a diminuição das chuvas no Nordeste brasileiro (REGOTO et al., 2021), que por sua vez favorece os ventos. É importante mencionar que muitos outros fatores podem estar associados às mudanças nos padrões de vento. (ecodebate)
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