Algumas partes do território,
como o Centro-Oeste, deverão registrar maior aumento na temperatura e elevação
da frequência e da intensidade das ondas de calor, além de períodos secos mais
prolongados, a exemplo do leste da Amazônia e da região Nordeste.
Já no Centro-Sul do país
devem ocorrer mais chuvas fortes e com grandes volumes de água, concentradas em
até cinco dias.
As projeções constam no novo
relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas Globais/IPCC,
lançado em 09/08/21.
Algumas estimativas regionais
contidas na publicação foram apresentadas em um webinário realizado por
cientistas ligados ao Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas
Globais/PFPMCG no mesmo dia do lançamento do relatório, com o objetivo de
discutir as implicações do informe para o Brasil.
“A
temperatura média global é distribuída geograficamente. Por isso, não é sentida
da mesma forma em diferentes regiões do planeta”, disse Paulo Artaxo, professor
do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e membro da
coordenação do PFPMCG.
Em um cenário de aquecimento
de 2ºC, a temperatura no Brasil pode aumentar entre 3ºC e 3,5ºC. Já se a média
global aumentar em 4ºC, a do país pode subir entre 5ºC e 5,5ºC, principalmente
na porção central, apontou Artaxo.
“Isso desencadearia impactos
importantes, inclusive para a economia brasileira, baseada no agronegócio”,
afirmou o pesquisador, que é autor-líder do capítulo 6 do relatório.
Segundo os autores da
publicação, em razão do aumento das emissões de GEE, nos últimos 50 anos, a
temperatura da superfície global se elevou a uma taxa sem precedentes e é muito
provável que a década mais recente tenha sido a mais quente desde o pico do
último período interglacial, há 125 mil anos.
A temperatura da superfície
global foi 1,1ºC mais alta entre 2011 e 2020 do que entre 1850 e 1900, com
aquecimento mais forte sobre a terra do que sobre os oceanos.
A temperatura média nos
continentes, contudo, já aumentou 1,6ºC, uma vez que eles aquecem muito mais do
que o planeta como um todo porque os oceanos absorvem gigantescas quantidades
de calor.
“Nos continentes, já
ultrapassamos o limiar de aquecimento de 1,5ºC”, afirmou Artaxo.
De acordo com o relatório, é
provável que as emissões de gases de efeito estufa – principalmente gás
carbônico/CO2 e metano – tenham contribuído para esse aquecimento de
1,1ºC da temperatura da superfície global. Em contrapartida, as partículas de
aerossóis atmosféricos gerados pela poluição podem estar contribuindo com um
resfriamento de 0,5ºC da temperatura do planeta.
“Os aerossóis estão mascarando cerca de um terço do aquecimento atual”, afirmou Artaxo.
Se essas partículas, que espalham radiação de volta para o espaço ajudando a resfriar o planeta, forem retiradas da atmosfera por meio da interrupção da queima de carvão para geração de energia pelas usinas termelétricas e da eletrificação do setor de transporte – o que já está ocorrendo em países como a China e Índia –, esse mascaramento deixará de existir, indicou o pesquisador.
“Só com isso a temperatura do
planeta vai aquecer meio grau nas próximas décadas”, explicou Artaxo, que é um
dos maiores especialistas mundiais no estudo de aerossóis.
Efeitos nos padrões de chuva
De acordo com o relatório, a
chuva nos continentes aumentou globalmente desde 1950, mas algumas regiões
registraram – e devem sofrer ainda mais – uma significativa redução de
precipitação.
Os cenários regionais indicam
que acontecerão no Brasil alterações no padrão das chuvas, essenciais para a
agricultura e para geração de energia hidrelétrica.
“Todos os cenários indicam
que principalmente a região central do Brasil e a parte leste da Amazônia se
tornarão mais secas, com queda de 10% a 20% na precipitação. Isso acontecerá
tanto em um cenário de aquecimento global de 2ºC como de 4ºC”, disse Artaxo.
Outras regiões do país, como a Sul, podem registrar maior intensidade de chuvas.
Em escala global, os eventos de chuva forte se intensificarão em cerca de 7% para cada grau adicional de aquecimento, uma vez que uma atmosfera mais quente é capaz de reter mais umidade, estimam os cientistas.
“Na região mais ao sul do
Brasil já tem se observado um aumento das precipitações e se projeta que elas
se elevarão em diferentes cenários de emissões de gases de efeito estufa”,
afirmou Lincoln Alves, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais/INPE e autor-líder do capítulo do Atlas de Mudanças Climáticas, que
integra o relatório.
Cada meio grau adicional de
aquecimento global também causará aumentos estatisticamente significativos nos
extremos de temperatura, na intensidade de chuvas fortes e na gravidade de
secas em algumas regiões, como no Nordeste do Brasil e no leste da Amazônia.
Em um cenário de aquecimento
global de 2ºC, as ondas de calor e secas devem ocorrer com maior frequência e
simultaneamente, causando graves prejuízos à saúde, aos ecossistemas e à
produção agrícola, estimam os cientistas.
“Não é só o clima médio que
está mudando, mas também as características dos extremos climáticos, como ondas
de calor, de frio, enchentes, secas e ciclones. O número desses eventos está
aumentando e se projeta uma elevação significativa em sua ocorrência em todas
as regiões do globo, incluindo o Brasil”, afirmou Alves.
“Teremos cada vez mais
eventos climáticos extremos simultâneos que tendem a intensificar os impactos,
como ondas de calor combinadas com secas que, em regiões propícias a queimadas,
os efeitos são exacerbados”, exemplificou.
Chamamento para ação
Na avaliação de Thelma Krug, pesquisadora aposentada do Inpe e vice-presidente do IPCC, as mensagens do novo relatório do órgão são bastante incisivas.
Os autores se empenharam para
que a publicação tivesse uma linguagem muito clara para alertar os governos e a
sociedade sobre a emergência do problema, contou a pesquisadora.
“O sumário para formuladores
de políticas [que compila as principais informações do relatório] é um dos mais
claros que já vi desde 2002, quando comecei a contribuir com o IPCC”, afirmou.
Outras novidades do relatório
foram os materiais e métodos empregados para fundamentar as observações e
projeções. Além de 14 mil artigos publicados nos últimos anos, revisados por
241 autores do relatório, foram usados novos modelos climáticos mais
sofisticados. Dessa forma, foi possível preencher algumas lacunas de dados e
promover uma maior integração das evidências, avaliou Krug.
“Isso permitiu que o IPCC
fizesse nesse relatório projeções mais apuradas do impacto das emissões de
gases de efeito estufa no sistema climático”, afirmou.
O novo ciclo de avaliação do
IPCC deve ser concluído no início de 2022, quando será publicado o relatório
com as contribuições do Grupo de Trabalho 2, com foco em impactos, adaptação e
vulnerabilidade às mudanças climáticas, e do Grupo de Trabalho 3, com enfoque
em mitigação.
A expectativa é que os
relatórios embasem as negociações climáticas dos países nas próximas
conferências da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o clima (COPs).
“Os eventos climáticos
extremos que temos visto nos últimos anos e a mensagem do novo relatório do
IPCC, de que isso tem uma grande contribuição humana, podem dar uma nova
direção para as negociações, que é o que autores esperam”, avaliou Krug.
“As informações do novo
relatório são extremamente fortes e esperamos que tenham uma reação
correspondente, porque a ciência está aí e esperamos que ela cumpra seu papel,
que é o de ajudar os governos na tomada de decisão”, afirmou.
Na avaliação de Jean Ometto, pesquisador do INPE, o Brasil tem uma grande oportunidade para reduzir suas emissões de GEE, muito associadas às mudanças no uso e cobertura do solo para conversão de áreas de floresta em lavouras ou pastagens agrícolas.
“Estamos passando por um momento de seca extrema em uma parte importante do Brasil, que afeta a produção de alimentos e de energia e reflete as mudanças nos padrões climáticos. A maneira como o país pode atuar [para diminuir a frequência desses eventos] é reduzindo e mudando seu portfólio de emissões de gases de efeito estufa”, afirmou. (ecodebate)
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