O desperdício de água pela Sabesp (Companhia de
Saneamento Básico do Estado de São Paulo) continua elevado sete anos depois da
crise hídrica que secou as torneiras em diversas regiões do estado.
Levantamento do UOL indica que a média anual de
desperdício de água entre 2014 e 2019 foi de 823 bilhões de litros d'água, o
suficiente para abastecer a capital paulista por um ano, que no mesmo período
consumiu, em média, 685 bilhões de litros.
Para o cálculo de desperdício, o UOL utilizou o
"Índice de Perdas por Micromedição", informado pela Sabesp, que
inclui as "perdas reais", como vazamentos, e "perdas
aparentes", provocadas por fraudes e submedição de hidrômetros. Já o
consumo na capital paulista foi retirado da base de dados do Snis (Sistema
Nacional de Informações sobre Saneamento), do governo federal, com dados até
2019.
Desde a crise hídrica de 2014, a Sabesp reduziu as perdas
em apenas 2,8%, de 29,8% para os atuais 27%. Naquele ano — quando o volume
morto do reservatório da Cantareira foi utilizado—, 846 bilhões de litros de
água tratada não chegaram às torneiras.
Os desperdícios anuais da Sabesp nas 375 cidades
atendias por ela —61% da população do estado— dariam para levar água a toda
população da capital durante um ano inteiro e ainda sobrar.
Perdas na distribuição de água nas cidades
abastecidas pela Sabesp
Desperdícios da Sabesp no estado dariam pra abastecer uma cidade do tamanho de São Paulo.
Essas perdas preocupam ainda mais este ano em razão da seca prolongada, que afeta os reservatórios paulistas. Os níveis em setembro estão abaixo do registrado no mesmo período de 2013, ano anterior à crise. Para piorar, a expectativa é de que as chuvas continuem escassas nos próximos meses.
Segundo a Sabesp, no entanto, "a projeção
aponta níveis satisfatórios dos reservatórios com as perspectivas de chuvas do
final da primavera e início do verão", quando a situação será reavaliada.
“Não há risco de desabastecimento neste momento, mas
a Companhia reforça a necessidade do uso consciente da água”.
Armazenamento de água em 2013 e em 2021
Diferença de armazenamento
de 31/08/2013 e 31/08/2021 |
|||
Sistema
Produtor |
Percentual armazenado em 31/08/2013 |
Percentual
armazenado em 31/08/2021 |
Déficit
2021- 2013 |
Cantareira |
47,3 |
37,1 |
10,2 pontos percentuais |
Alto
Tietê |
58,6 |
44,6 |
14 pontos percentuais |
Guarapiranga |
84,3 |
50,2 |
34,1 pontos percentuais |
Cotia |
93,1 |
58,5 |
34,6 pontos percentuais |
Rio
Grande |
94,6 |
71,9 |
22,7 pontos percentuais |
Rio
Claro |
98,1 |
44,1 |
54 pontos percentuais |
São
Lourenço |
- |
57,3 |
0 |
Sabesp rebate dado Ao UOL, a Sabesp declarou que
"não é correto" afirmar que o volume perdido seria suficiente para
abastecer a cidade de São Paulo em um ano.
Para isso, diz em nota que a cidade consumiu 1,1
trilhões de litros de água em 2020, enquanto os desperdícios não teriam passado
de 505 bilhões de litros.
Sua justificativa é que "do índice total de 27%
[de perdas] em 2020, 17,4% são referentes aos vazamentos na rede, [enquanto] o
restante são perdas comerciais, água consumida que não é contabilizada (como os
'gatos')".
A fiscalização dos "gatos", no entanto, também é de responsabilidade das empresas de saneamento. É por essa razão que o "Índice de Perdas por Micromedição", utilizada na reportagem, considera a soma dessas duas perdas, chamada também de "Perdas Totais" na distribuição.
Estação de tratamento de água da Sabesp, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo.
Segundo a empresa, "somente os anos de 2019 e
2020, foram investidos, respectivamente, R$ 929,6 milhões e R$ 1,05
bilhão" para combater os desperdícios, "volume suficiente para
abastecer, durante um ano, uma população de cerca de 640 mil habitantes,
equivalente à São José dos Campos".
"Essa atuação também refletiu na queda do
índice de perdas totais na área atendida pela Sabesp de 41% em 2004 para 27% em
2020", diz a Sabesp, que embora seja uma empresa de economia mista, o
Estado de São Paulo detém 50,3% de suas ações, negociadas na Bolsa desde 2002.
Para evitar que uma nova crise hídrica se abata
sobre os municípios que atende, a empresa interligou todos os reservatórios
para permitir a transferência de água entre as regiões, embora apenas o
reservatório de Rio Claro esteja atualmente em níveis satisfatórios, ao operar
acima de 60% da capacidade.
A empresa também inaugurou o Sistema São Lourenço,
em 2018, com capacidade para atender 1,4 milhão de pessoas.
Redução de pressão
Uma das medidas adotadas pela Sabesp desde 2014 para
reduzir o desperdício de água por causa dos vazamentos é reduzir a pressão nas
tubulações.
Normalmente isso ocorre entre 23h e 5h. Esta semana,
porém, o horário foi antecipado para as 21h na capital, Guarulhos, Osasco e
Diadema. O problema é que a manobra faz com que algumas regiões, principalmente
as mais altas, fiquem sem água durante o período.
E o desperdício no Brasil?
Considerando todas as cidades do Estado de São
Paulo, e não apenas as atendidas pela Sabesp, o índice de perdas sobe para 35%
de em 2020, segundo dados do Instituto Trata Brasil divulgados em junho deste
ano.
No Brasil todo, o dado é ainda mais alarmante: a média nacional de perdas saltou de 30,6% para 39,2% entre 2014 e 2019, último ano disponível no banco de dados do Snis. A região Norte é onde os desperdícios são maiores:
Na América Latina, o Brasil desperdiça mais água que Argentina (38%), Uruguai (37%) e Chile (31%), mas perde menos água potável do que a Colômbia (46%).
As estatísticas da região, "fornecidas pelo
Banco Mundial, correspondem a valores de 2006, o que torna a situação interna
ainda mais grave, quando se considera que a passagem do tempo é geralmente
acompanhada de melhora no setor", diz o relatório do Trata Brasil.
Ainda segundo o estudo, a média de perda entre as
nações em desenvolvimento é de 35%, enquanto nos países ricos é de 15%. Em
2011, por exemplo, os desperdícios nos Estados Unidos foram de 13%. Em 2016, o
índice foi de 21% no Reino Unido, mesmo percentual da China em 2012. Já a
Austrália perdeu 10% de toda a água que tratou em 2013.
Como reduzir as perdas?
As perdas na distribuição de água são divididas em
"perdas reais", como vazamentos, e "perdas aparentes"
(fraudes e submedição de hidrômetros), explica o professor de hidrologia e
gestão ambiental da UNESP (Universidade Estadual Paulista), Jefferson
Nascimento de Oliveira.
Segundo o professor, de 1% a 2% das tubulações precisam ser trocadas nas cidades todos os anos, mas "isso infelizmente só acontece quando a água está jorrando nas ruas", diz ele. "Precisa trocar as juntas envelhecidas dos canos, que estouram quando a pressão é alta", afirma o professor, que sugere "verificação com mecanismos de auscultação".
27.08.2021 - Represa Jaguari, em Piracaia, no interior de São Paulo, que faz parte do Sistema Cantareira, em estado de alerta.
"Durante a madrugada o operador usa um aparelho
[geofone] nas ruas para verificar se há barulhos estranhos na rede, o que
normalmente indica vazamento", explica.
Segundo a Sabesp, desde 2009 ela faz inspeção
"contínua" das tubulações para identificar vazamentos, fraudes,
renovação e modernização da infraestrutura para abastecimento.
Coordenador de pesquisa do IDS (Instituto Democracia
e Sustentabilidade), Guilherme Checco lembra que "são as agências
reguladoras que definem as condições da prestação e o preço" praticados
pelas empresas de saneamento.
"As companhias no Brasil são vendedoras de
água, um incentivo vindo da regulação: a receita dessas empresas aumenta quanto
mais água ela vender. É uma lógica que não fecha porque água é um recurso
finito e estamos em plena crise ambiental", diz o especialista.
"O ciclo de chuvas no Brasil mudou, mas o setor ainda olha para os registros históricos", lamenta Checco, que deposita suas esperanças no novo Marco Legal do Saneamento, aprovado no ano passado.
"A lei define o ano de 2033 como meta para a universalização do fornecimento de água potável no Brasil", diz. "O texto condiciona essa universalização também à redução nas perdas de distribuição de água". (uol)
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