Assistimos, vivemos,
percebemos, detectamos a presença destes fenômenos climáticos extremos com
regularidade em todo o mundo.
Cada semana que passa, a
desregulação ecológica nos surpreende com fenômenos “excepcionais”. Agora foi a
vez de regiões dos Estados de São Paulo e Minas Gerais. Elas assistiram,
impotentes, a uma inédita tempestade de areia semelhante às que ocorrem no
Saara. Mais um fenômeno climático de origem antrópica. Mas, não apenas
climático. Ele vem conjugado, resultado da sinergia com outro fator igualmente
antrópico: ausência de cobertura vegetal sobre o solo, seja herbácea, arbustiva
ou arbórea. O solo fica nu, exposto às intempéries, erosões, perda de
fertilidade, etc.
Consequência das práticas
agrícolas próprias à revolução verde. Trata-se de um ecossistema antrópico
monocultural no qual não há lugar para as demais espécies vegetais e animais
prosperarem. E que conduz a uma brutal queda de biodiversidade ao reduzir os
espaços de vida dos seres não humanos, inclusive dos micros organismos do solo.
Mas, o fenômeno não é
restrito apenas a esta região do Brasil. Nós assistimos, vivemos, percebemos,
detectamos a presença destes fenômenos climáticos extremos com regularidade em
todo o mundo. Eles já fazem parte integrante do dia a dia de muitas populações
do planeta. A mudança climática já está em toda parte, não mais se limitando a
alguns rincões.
A irreversibilidade deste
fenômeno é uma viagem ao desconhecido. Porém com passagem só de ida. Trata-se
de algo excepcional, inédito? Infelizmente, não. Está deixando de sê-lo. De
agora em diante, nós assistiremos a eventos extremos regularmente, eles já são
parte integrante de nosso cotidiano. Isto porque já alcançamos, em 2016 e em
2019, a um aumento de 1,26°C acima da temperatura média do planeta com relação
a média entre 1850-1900. Nas últimas 4 décadas o aumento desta temperatura foi
praticamente de 1°C – a diferença, o aumento em torno de 0,2°C, foi alcançada
durante mais de um século.
É consequência de nosso modo
de vida, do modo de produção e consumo de nossa sociedade termo-industrial.
Ora, 85% de todas energias consumidas no planeta são fósseis (carvão, petróleo
e gás natural). Quase 70% da produção de energia elétrica mundial é feita com
carvão e gás. Trata-se de um equívoco supor que o problema será superado
simplesmente fazendo a transição para as energias renováveis.
Mais impossível ainda se se pretende manter o mesmo padrão de produção e consumo atual – o mesmo modo de vida. Sem falar que será impossível integrar à sociedade termo industrial aquele que dela ainda não fazem parte – metade da população mundial. A dimensão da transição ecológica e energética é gigantesca. O problema é grave, mas ainda não desesperador.
A Terra é uma titica com apenas 13 mil quilômetros de diâmetro, ou seja, a mesma distância entre Montevidéu e Paris. Embora minúscula e vagando no imenso cosmos, o que ela abriga de mais importante e excepcional é a vida, tanto a humana, quanto a dos demais viventes. Eles prosperam na biosfera que, aliás, é uma estreita película da ecoesfera – uma camada extremamente fina situada na litosfera, atmosfera e hidrosfera. A Terra continuará a existir, terá o mesmo tamanho e seguirá sua trajetória absolutamente indiferente à existência ou não de vida em sua superfície.
Como se não bastasse, mesmo
que hoje paremos de emitir os gases de efeito estufa, a temperatura do planeta
continuará a aumentar nos próximos 20 anos, por causa da inércia. Ou melhor, o
que assistimos hoje é resultante das emissões de gases de efeito estufa (GEE)
dos últimos 20 anos. Não se reduz os efeitos climáticos como se apertássemos um
botão, fazendo com que a temperatura caia imediatamente. Muitos imaginam que
poderemos voltar e experimentar o mesmo clima que vivemos há 20, 30 anos. Ele
não voltará mais na escala humana. Aquilo que outrora considerávamos
excepcional atualmente se torna uma nova realidade. Não se trata mais de algo
efêmero: os fatos excepcionais estão se transformando em realidade permanente –
e a olhos vistos.
A questão é urgente,
urgentíssima. Muitos acreditam que graças a esforços individuais como separar
lixo, andar de bicicleta, consumir biológicos, evitar plásticos será possível
resolver a questão. Claro que ajuda, mas é insignificante face a magnitude do
desafio. Trata-se de algo irrisório, quando comparado aos financiamentos e
subvenções públicas e privadas em favor das energias fósseis, a nível mundial.
Elas são da ordem de 5,2 trilhões de dólares anuais – 6% do PIB mundial. Quem
afirma é o FMI, órgão insuspeito de difundir o “marxismo cultural”, como supõem
alguns negacionistas, inclusive marechais “sans faits d’armes”.
Entre 2016 e 2018, a rede
bancária mundial investiu 1,9 trilhões de dólares em energias fósseis.
Entretanto, a neutralidade carbono implica em não mais financiar nem um quilo
de combustível fóssil a partir de hoje. Apesar dos acordos de Paris, e das
reuniões de Estocolmo, Rio 92, Rio+20, da criação do IPCC, em 1988, e seu
primeiro relatório em 1990, das inúmeras COPs e do último relatório do IPCC,
não houve inflexão da tendência. Basta dizer que as emissões de GEE aumentaram
em torno de 60%, desde 1980.
Tanto a redução das emissões
de GEE, quanto a questão da adaptação à nova realidade climática vão custar
muito caro. Mas, a fatura será tanto mais elevada, quanto mais tempo as ações
forem postergadas – não só economicamente, mas no tocante aos demais aspectos,
incluindo a barbárie. Até mesmo os discípulos do obtuso Nordhaus –
surpreendente prêmio Nobel de Economia – são capazes de compreender este fato.
As mudanças climáticas
colocam em evidência nada menos do que a habitabilidade do planeta. A continuar
nesta toada e de maneira prolongada, conheceremos regiões inabitáveis em
consequência de temperaturas elevadas, de inundações, ou ainda de
comprometimento da produção agrícola, entre outros.
Não há possibilidades de compatibilizar o capitalismo de crescimento com princípios ecológicos. Como afirma Schumpeter, “a destruição criadora constitui a base essencial do capitalismo”. O economista austríaco reconhece, implicitamente, que o capitalismo só pode prosperar em um planeta infinito. Processo de destruição do capital obsoleto, em proveito de outro mais eficiente, nada mais é do que um gigantesco processo de transformações físicas, químicas e biológicas da ecoesfera que converte recursos naturais e energia em dejetos, afetando o vivo e o inanimado. Compromete, assim, a habitabilidade dos seres vivos sobre a face da Terra.
Ainda há tempo para mudar a trajetória. Dispomos de saber, conhecimentos científicos e tecnológicos susceptíveis de construir uma sociedade fundada sobre a sobriedade. Mas não basta apenas a sobriedade. Ela deverá ser socialmente compartilhada, equânime, livre e justa. (ecodebate)
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