quinta-feira, 17 de março de 2022

O menor nível de gelo marinho na Antártida e o alerta do IPCC

O degelo da Antártida já começou e apenas 5% de perda serão suficientes para inundar grandes áreas urbanas e rurais. A maior parte do litoral brasileiro está ameaçada pelas inundações.

“Em nossa opinião, a evidência dos pontos de inflexão sugere que estamos em um estado de emergência planetária: tanto o risco quanto a urgência da situação são acentuados” - Timothy Lenton (27/11/2019)

O gelo marinho ao redor da Antártida apresentou o menor nível de todos os tempos, desde que começaram as medições por satélite. A camada de gelo que congela sobre o Oceano Antártico estava aumentando nas últimas décadas do século XX, enquanto o gelo no resto do mundo diminuía devido às mudanças climáticas. Mas no final de fevereiro de 2022, pela primeira vez, a extensão do gelo marinho ficou abaixo de 2 milhões de km2. O mapa abaixo mostra que a quantidade média de gelo em fevereiro de 2022 ficou em 2,2 milhões de km2, bem abaixo da média de 1981 a 2010 que foi de 3,1 km2.
 
A despeito das variações anuais, a reta de tendência dos dados mensais estava sempre direcionada para cima e a inclinação era positiva. Os gráficos abaixo mostram os dados relativos aos meses de fevereiro. Nota-se que entre 1979 e 2017 a inclinação da reta era de 3,0 + ou – 3,8% por década, mesmo considerando que em 2016 e 2017 a anomalia ficou abaixo da média do período. Mas considerando o período 1979 e 2022 a inclinação da reta ficou negativa, marcando -0,4 + ou – 3,4%. Ou seja, pela primeira vez nas últimas décadas a Antártida apresenta uma variação negativa nos meses de fevereiro.
O gráfico abaixo, também da National Snow & Ice Data Center (NSIDC), mostra que a extensão de gelo marinho na Antártida na média do período 1981-2010, o ano 2020-21 e o ano 2021-22. O mês de fevereiro de 2022 apresenta o menor nível de todos os tempos e, com já mostramos, pela primeira vez a extensão de gelo ficou abaixo de 2 milhões de km2.
Tendência já era conhecida, os últimos dados estão confirmando e o último relatório do IPCC veio alerta que a situação está ficando fora do controle e a crise pode ser irreversível. Em um novo relatório publicado em 28/02/22, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU alerta que ações urgentes são necessárias para lidar com os riscos trazidos pelas mudanças climáticas. O documento adverte que, para evitar a perda crescente de vidas, biodiversidade e infraestrutura, é necessária uma ação ambiciosa e acelerada para se adaptar à crise climática, com cortes rápidos nas emissões de gases de efeitos estufa.

Nos últimos 250 anos, a economia global cresceu cerca de 135 vezes, a população mundial cresceu 9,2 vezes e a renda per capita cresceu 15 vezes. Este crescimento demoeconômico foi maior do que o de todo o período dos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo sapiens e provocou a ultrapassagem da capacidade de carga da Terra. Segundo o relatório do IPCC: “As mudanças climáticas induzidas pela humanidade, incluindo eventos extremos mais frequentes e intensos, causaram impactos adversos generalizados e perdas e danos relacionados à natureza e às pessoas, além da variabilidade climática. Alguns esforços de desenvolvimento e adaptação reduziram a vulnerabilidade”.

A temperatura da Terra já aumentou 1,2ºC desde o período pré-industrial e a meta estabelecida no Acordo de Paris, em 2015, era limitar o aquecimento global a 2ºC, com esforços para que ele não ultrapasse os 1,5ºC. Mas, as gerações que estão nascendo agora e que terão muitas pessoas sobreviventes no ano de 2100, vão passar por 4 vezes mais extremos climáticos do que passam agora, no cenário de 1,5ºC. Mas se as temperaturas aumentarem por volta de 2ºC, elas terão 5 vezes mais inundações, tempestades, secas e ondas de calor do que agora.

Segundo o IPCC, pelo menos 3,3 bilhões de pessoas são altamente vulneráveis às mudanças climáticas e 15 vezes mais propensas a morrer por condições climáticas extremas.

O degelo da Antártida já começou e apenas 5% de perda será suficiente para inundar grandes áreas urbanas e rurais. A maior parte do litoral brasileiro está ameaçada pelas inundações, como mostrei em artigo do Ecodebate (Alves, 19/03/21). Assim, o degelo da Antártida é uma péssima notícia para a humanidade.

O nível do mar deve subir dezenas de centímetros no século XXI, dependendo dos níveis das emissões futuras e da aceleração do aquecimento global. As gerações que ainda nascerão irão herdar um mundo mais complicado e mais inóspito, podendo haver uma mobilidade social descendente em um mundo com muitas injustiças ambientais, apartheid climático e conflitos de diversas ordens.

O fato é que o degelo dos polos, da Groenlândia e dos glaciares já começou e tende a se acelerar nas próximas décadas. Os indicadores da crise climática e ambiental estão piores do que o esperado.

Toda a vida na Terra é vulnerável ao aquecimento global, incluindo os ecossistemas e a civilização humana. Mitigação e adaptação são fundamentais.

Todavia, se a humanidade não alterar o estilo de vida e a maneira de produzir e consumir, as mudanças podem inviabilizar a capacidade de adaptação e o colapso ecológico seria inevitável.

A inflexão da Antártida: aquecimento e aceleração do degelo. (ecodebate)

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