Devido ao aquecimento global,
as ondas de calor recordes aumentaram cinco vezes nas últimas décadas e se
tornaram um dos desastres naturais mais mortais, com letalidade comparável à de
pandemias.
O número de 70 mil mortes na
França causadas pela onda de calor que assolou a Europa no verão de 2003, por
exemplo, só foi superado no ano passado pelo gerado pela pandemia de COVID-19,
que vitimou quase 130 mil franceses entre o início de março e o final de abril
de 2020. O pico de óbitos causados pelo calor extremo na França naquele ano,
contudo, foi superior ao registrado na primeira onda de infecção pelo
SARS-CoV-2.
Entre março e abril/2020, o
número de mortes diárias causadas pela doença chegou a 2.691 no país europeu.
Já em agosto/2003, mais de 3 mil franceses morreram em um único dia em razão da
onda de calor recorde, cuja duração, porém, foi menor que a da pandemia de
COVID-19, de pouco mais de três semanas, comparou Stefan Rahmstorf, pesquisador
do Instituto Potsdam de Pesquisa dos Impactos do Clima, durante palestra no
primeiro dia do 9º Diálogo Brasil-Alemanha sobre Ciência, Pesquisa e Inovação,
“Cities and Climate – The Multi-level Governance Challenge”, que a FAPESP e o
Centro Alemão de Ciência e Inovação (DWIH) São Paulo realizam de forma virtual
até 20/05/22.
“À medida que o planeta aquece, mais teremos extremos de calor”, afirmou Rahmstorf, considerado um dos cientistas do clima mais influentes do mundo.
Estudo feito pela equipe do instituto de pesquisa alemão, em colaboração com colegas da Espanha, já apontava, em 2013, que os extremos mensais de temperatura tornaram-se muito mais frequentes em todo o mundo. Em média, há agora cinco vezes mais meses quentes recordes em todo o mundo do que se poderia esperar sem o aquecimento global de longo prazo.
Em partes da Europa, África e
no sul da Ásia, o número de registros mensais aumentou por um fator de até dez,
e 80% não teriam ocorrido sem a influência humana no clima, apontaram os
pesquisadores em artigo publicado na revista Climatic Change.
“Os recordes de calor têm
sido quebrados constantemente. Os verões mais quentes na Europa desde 1500
foram, na ordem decrescente, em 2018, 2010, 2003, 2016 e 2002”, afirmou
Rahmstorf.
No centro da América Central,
o recorde de temperatura foi registrado em outubro de 2020, indicou estudo
feito por pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de
Desastres (Cemaden), cujos resultados foram submetidos para publicação.
“A onda de calor afetou tanto
pequenas como grandes cidades nessa região”, afirmou José Marengo, pesquisador
do Cemaden e coordenador do projeto.
Segundo Rahmstorf, o número
de dias de calor nas áreas urbanas das cidades é duas vezes maior do que nas
áreas rurais próximas.
No futuro, entre 2081 e 2100,
no cenário mais pessimista de emissões de gases de efeito estufa esboçado no quinto
relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a
quantidade de dias muito quentes pode aumentar em até dez vezes também nas
cidades, causando maior número de mortes em diversos países, incluindo o
Brasil.
Ainda de acordo com o IPCC,
duas vezes mais megacidades apresentam probabilidade de sofrer estresse térmico
com um aumento de 1,5ºC na temperatura do planeta, o que exporia mais de 350
milhões de pessoas ao risco de morte por calor excessivo até 2050.
“Para conseguir limitar o
aumento da temperatura média global abaixo de 2ºC e perseguir a meta de
mantê-la em 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, como estabelecido no Acordo
de Paris, será preciso promover transições rápidas e de longo alcance em
setores de infraestrutura urbana, o que inclui transporte, construção e também
sistemas industriais. Isso exigirá ações no contexto das cidades”, avaliou
Thelma Krug, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e
vice-presidente do IPCC.
Essas ações no nível das
cidades não poderão ser apenas ajustes ou melhorias em alguns setores porque o
tipo de mudanças que têm sido imposto pela ameaça climática precisa ser
encarado como transformação, ponderou Marc Wolfram, pesquisador do Leibniz
Institute of Ecological Urban and Regional Development.
“A mudança deve ser realmente holística e abranger não só dimensões sociais, mas também culturais, econômicas e ecológicas. Isso significa que devemos nos perguntar o que isso implica em termos de estratégias que planejamos, se podemos responder de maneira semelhante a outros problemas no passado ou se precisamos de novas abordagens e como seria uma mudança urbana radical”, afirmou Wolfram.
Cooperação Brasil-Alemanha
Um dos objetivos do 9º
Diálogo Brasil-Alemanha é fomentar a cooperação em pesquisa entre Brasil e
Alemanha na área de cidades e clima, bem como na busca de soluções.
“Se por um lado as cidades
estão implicadas na geração das mudanças climáticas, por outro também sofrem as
consequências das alterações no clima. Por isso, é preciso torná-las mais
resilientes”, disse Marco Zago, presidente da FAPESP, durante a abertura do
evento.
“Nunca houve um tema dessa série de eventos com maior impacto na vida de todos nós, que habitamos cidades pequenas, médias ou grandes, como o clima”, disse Jochen Hellmann, diretor do DWIH São Paulo.
Para participar do evento, o público pode se inscrever pelo canal do DWIH São Paulo no Youtube. A íntegra do primeiro dia de discussões pode ser conferida em https://youtu.be/mKA5elf9zik. (ecodebate)
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