quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

A relação de interdependência do oceano e clima

Com uma costa de mais de 7,3 mil quilômetros, o Brasil também precisa trazer o oceano para o centro das discussões sobre as mudanças climáticas.

Concluída a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 27, muitos analistas interpretaram os avanços, impasses e retrocessos do texto final do evento realizado em Sharm El-Sheikh, no Egito. A criação de um histórico fundo de perdas e danos para países vulneráveis, a ausência de metas mais ambiciosas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e a decepção pela abordagem conservadora em relação às restrições ao uso de combustíveis fósseis estamparam as manchetes após o fim da primeira conferência do clima realizada na África, encerrada em 20/11/2022.

Entretanto, alguns temas importantes na busca pelo equilíbrio climático também merecem destaque e, certamente, refletem o amadurecimento da comunidade global a respeito da saúde do planeta. Adaptação a eventos climáticos extremos, que comunidades e ecossistemas de todo o planeta estão sentindo cada vez com mais intensidade e frequência, é dos temas relevantes que tiveram programação reforçada nas discussões da COP27 e certamente devem avançar ainda mais nos próximos anos. Outro exemplo desse olhar mais abrangente é a crescente percepção sobre a relação indissociável entre clima e oceano.

É provável que, ao pensarmos em ações de conservação da natureza para salvar o clima do planeta, a proteção das nossas florestas apareça em primeiro plano. É natural e essencial termos esse entendimento pela importância que as florestas têm em relação à retenção e ao estoque de carbono e aos serviços ambientais que elas nos oferecem. Porém, também é preciso perceber que sem um oceano saudável, resiliente e sustentável, não seremos bem sucedidos na missão de evitar o agravamento do quadro atual.

Na COP 27, o oceano ganhou mais relevância em comparação às conferências anteriores, com um pavilhão inteiro dedicado ao assunto. A programação reuniu representantes de governos nacionais, pesquisadores e membros da sociedade civil em debates e apresentações de boas práticas dos cinco continentes.

A ciência tem demonstrado que o bom funcionamento dos ecossistemas marinhos é essencial para a qualidade do clima global. Isso deve nos animar e, ao mesmo, nos deixar em alerta, pois os ambientes oceânicos são muito sensíveis às mudanças do clima. Como a variação térmica nos mares é bem menor que na atmosfera, todo aumento na temperatura nesses ambientes coloca espécies e habitats em risco, impactando também a vida nos continentes.

O aumento da temperatura muda a composição química da água dos mares, causando acidificação. Isso faz com que espécies com esqueletos calcários, como conchas, cracas, ostras e corais fiquem enfraquecidos e ameaçados, podendo causar um grande desequilíbrio no oceano já que servem de alimento e berçário para inúmeras outras espécies. A temperatura da água dos mares também exerce forte influência na circulação das correntes marítimas, afetando a distribuição de calor no mundo inteiro. O oceano mais quente interfere ainda no regime das chuvas e dos ventos, provocando o aumento de episódios extremos como tempestades, ciclones e furacões.

Ao mesmo tempo em que é motivo de preocupação, o oceano deve ser visto como parte da solução. As algas marinhas são responsáveis pela produção de 54% do oxigênio que respiramos, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Florestas. Para termos ideia da importância dos mares, sem os serviços ambientais prestados pelo oceano, a temperatura poderia ultrapassar 100ºC e inviabilizar a vida na Terra.

Oceano também é um grande sumidouro de carbono, capaz de absorver cerca de 38 trilhões de toneladas de CO2 /dióxido de carbono, segundo estimativas de diversos estudos publicados em revistas científicas nos últimos anos. Os solos que compõem toda a área continental são o segundo maior sumidouro de CO2 e têm a capacidade de sequestrar outras 12 trilhões de toneladas.

A imensidão do mar não pode nos deixar paralisados diante dos atuais desafios. Cada ambiente marinho importa e precisa ser cuidado. Os manguezais, por exemplo, que conseguem estocar até quatro vezes mais carbono por metro quadrado que outros ecossistemas, precisam ser protegidos e mais valorizados. Quando lembramos que o Brasil é o país com a segunda maior área de manguezais do mundo, temos noção da nossa responsabilidade.

Os recifes de corais também são muito importantes, pois conseguem reduzir em até 90% a energia das ondas que chegam até a costa. Por isso, proteger os manguezais, recifes de corais, costões rochosos, dunas, falésias, restingas e praias, compreendendo que as atividades econômicas podem – e devem – conviver em harmonia com a conservação, é o único caminho possível.

As cidades costeiras merecem destaque. Conforme ressaltou o secretário geral da ONU, António Guterres, as cidades são o grande campo de batalha onde a guerra do clima será ganha ou perdida. E são as cidades costeiras que receberão com maior intensidade os efeitos das mudanças do clima, mas que também podem proteger o continente como um todo.

Reconhecida pela UNESCO e pelo governo brasileiro como representante da sociedade civil para a implementação da Década do Oceano (2021-2030) no Brasil, a Fundação Grupo Boticário tem atuado nesta temática ao longo das últimas três décadas e vê com otimismo a crescente mobilização para esta agenda. As ações desta e de outras instituições no Brasil e no mundo têm ocorrido em prol do engajamento para um desenvolvimento sustentável, pois o mar é fonte de alimentos, energia, recursos biotecnológicos e fundamental para atividades econômicas variadas como o comércio, os transportes e o turismo.

Com uma costa de mais de 7,3 mil quilômetros, o Brasil também precisa trazer o oceano para o centro das discussões sobre as mudanças climáticas. O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), instrumento federal criado para promover a redução da vulnerabilidade nacional à mudança do clima e realizar uma gestão do risco associada a esse fenômeno, reforça a necessidade de adaptação da zona costeira por meio de um recorte totalmente voltado a esse tipo de ambiente. Precisamos interromper e reverter o declínio da saúde e produtividade do oceano e seus ecossistemas, garantindo sua resiliência e integridade ecológica. O bem-estar das gerações presentes e futuras está profundamente ligado à nossa conexão com o oceano.

André Ferretti é gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).

Janaína Bumbeer é doutora em Ciências Marinhas, especialista da Fundação Grupo Boticário e integrante da Liga das Mulheres pelo Oceano. (ecodebate)

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