“Crescimento pelo crescimento
é a ideologia da célula cancerosa” - Edward Abbey (1927-1989)
A população mundial e a economia
internacional apresentaram um crescimento extraordinário nos últimos 250 anos.
Turbinada pelos combustíveis fósseis e pela superexploração da natureza, a
população mundial cresceu 9,2 vezes, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 135
vezes, por conseguinte, a renda per capita cresceu 15 vezes, entre 1773 e 2023.
Os ganhos sociais foram tremendos, por exemplo, a expectativa de vida ao nascer
média mundial, que permaneceu em torno de 25 anos desde o surgimento do Homo
sapiens, passou para mais de 70 anos em dois séculos e meio.
A população mundial chegou a
8 bilhões de habitantes em 15/11/2022. O ser humano virou não só a espécie
dominante, mas ocupou todos os espaços da Terra e tornou muito difícil a vida e
a sobrevivência das demais espécies vivas do Planeta. A humanidade cresceu e o
meio ambiente retrocedeu. O conjunto das atividades antrópicas ultrapassou a
capacidade de carga da Terra e a Pegada Ecológica da humanidade extrapolou a
Biocapacidade do Planeta. Mas em vez de reconhecer os limites da dominância
humana, a ideologia hegemônica defende a continuidade do aumento da produção de
bens e serviços.
Sem embargo, existe uma
verdade simples e inquestionável que diz ser impossível haver crescimento
ilimitado em um Planeta finito. Indubitavelmente, existem limites biofísicos ao
crescimento econômico como escreveu, em 1971, Nicholas Georgescu-Roegen no
livro The Entropy Law andthe Economic Process, onde mostra, com base na
Primeira Lei da Termodinâmica, que o metabolismo do processo produtivo é
entrópico e não cria nem consome matéria e energia, apenas transforma recursos
de baixa entropia em calor e resíduos de alta entropia (GEORGESCU-ROEGEN,
1971).
O exemplo mais evidente da entropia é a geração de dióxido de carbono pela queima dos combustíveis fósseis. Refletindo o tamanho da economia, as emissões globais de CO2 estavam em 2 bilhões de toneladas em 1900, passaram para 25 bilhões no ano 2000 e atingiram cerca de 37 bilhões de toneladas em 2019 e 2021. Em consequência, a concentração de CO2 que estava abaixo de 280 partes por milhão (ppm) antes da Revolução Industrial e Energética passou para 421 ppm em maio de 2022. Assim, o efeito estufa tem provocado o aumento da temperatura global, a acidificação dos solos, dos rios e dos oceanos, o degelo dos polos, glaciares e da Groenlândia e elevado o nível dos oceanos. Este processo ameaça centenas de milhões de pessoas que vivem nas áreas litorâneas, além de dificultar e encarecer cada vez mais a produção de alimentos.
Diante da crise ambiental e do perigo de um colapso sistêmico global o decrescimento surge como uma proposta de reduzir a sobrecarga antrópica sobre o Planeta, buscando reduzir a Pegada Ecológica e aumentando a Biocapacidade, para eliminar o déficit ambiental até se atingir o Estado Estacionário ecologicamente sustentável. O decrescimento é um movimento acadêmico e social que se opõe à ideologia global do crescimento sustentado e insustentável, que busca sempre ampliar a produção de mercadorias para um número cada vez maior de consumidores e concentrar o lucro em parcelas privilegiadas da sociedade.
O decrescimento objetiva
eliminar a sobrecarga antrópica. Para tanto, é preciso uma diminuição tanto da
população, quanto da economia, pois se houver redução do PIB e manutenção do
volume da população haverá redução da renda per capita e as pessoas, em média,
ficarão mais pobres. Decrescer apenas a população exigiria uma redução muito
forte para equilibrar a Pegada Ecológica com a Biocapacidade, o que seria
inviável na prática no curto e médio prazo. Mas existe um caminho que o mundo
pode trilhar no sentido de promover um decrescimento demoeconômico com
prosperidade econômica e social e com sustentabilidade ambiental.
Evidentemente, não é possível diminuir a população e o desemprego da noite para
o dia, pois isto tem que ser planejando no médio e longo prazo.
Devido à inércia demográfica
fica difícil imaginar um decrescimento imediato da população e da economia. O
gráfico abaixo apresenta um exercício de simulação sobre o decrescimento
demoeconômico de 2020 a 2240. Nota-se que a população mundial estava em 7,8
bilhões de habitantes em 2020, atingiu 8 bilhões em 2022 e, mesmo diminuindo o
ritmo de crescimento, deve chegar a 9 bilhões até 2040 (mas cairia para 7,3
bilhões em 2100 na hipótese de queda mais rápida da taxa fecundidade). Supondo,
para simplificar, que o PIB global é 10 vezes maior do que a população (poderia
haver, por exemplo, uma renda per capita de 10 unidades monetárias), então a
população seria de 9 bilhões de habitantes em 2040 e o PIB de 90 bilhões de
unidades monetárias.
A partir deste período de adaptação e reorientação das novas estratégias, a população começaria a cair a partir de 2040, em média a 0,7% ao ano, e o PIB cairia em média 0,35% ao ano. O resultado mostrado no gráfico, ceteris paribus, seria uma população de cerca de 4,5 bilhões de habitantes no ano de 2140, com uma economia 15 vezes maior do que o volume da população e uma renda per capita de 15 unidades monetárias. Para 2240 haveria 2,25 bilhões de habitantes e um PIB 20 vezes maior do que a população, ou seja, uma renda per capita de 20 unidades monetárias (uma renda per capita 2 vezes maior do que de 2040).
Ou seja, se a redução da população acontecer em ritmo mais rápido do que a queda do montante de bens e serviços produzidos, ao contrário do decrescimento recessivo, o mundo poderia ter um decrescimento demoeconômico com prosperidade, com aumento da renda per capita e elevação do bem-estar social e ambiental. Além de facilitar o objetivo de redução da pobreza e da desigualdade, seria muito mais fácil para se atingir a meta de emissão líquida zero de carbono e até para se chegar às emissões negativas (isto é, captura de carbono e redução da concentração de CO2 na atmosfera).
Existe um tabu na discussão
demográfica, contudo, boa parte dos países do mundo vão passar pelo
decrescimento como mostra as projeções populacionais da ONU. A China, o país
mais populoso do mundo, vai começar o decrescimento demográfico em 2023 e deve
perder mais de 650 milhões de pessoas até 2100 (mais de 10 milhões de pessoas
ao ano, ou – 0,8% aa, entre 2050 e 2100). Cuba também terá um decrescimento
elevado, de – 0,7% ao ano, no século XXI. O Brasil deve começar o decrescimento
demográfico na década de 2040 e deve perder cerca de 50 milhões de pessoas até
o final do século. Assim, o decrescimento já está acontecendo em vários outros
países.
Com o agravamento da crise ambiental e climática, o decrescimento demoeconômico será um fator de mitigação da crise e também fator de adaptação. Poderá haver menor exploração da natureza e menor poluição se a população mundial cair (como no exemplo acima, diminuindo pela metade até 2140) e também o PIB global cair, mesmo que em um ritmo um pouco menor. Vários outros cenários de decrescimento podem ser traçados.
Como mostrou Tim Jackson, no livro “Prosperidade sem crescimento. Vida boa em um Planeta finito”: “A prosperidade para poucos, baseada na destruição ecológica e na persistente injustiça social, não é pilar para uma sociedade civilizada (…) temos a necessidade urgente de um sentido renovado de prosperidade partilhada. Um compromisso mais profundo com a justiça em um mundo finito”.
Paralelamente ao processo de
decrescimento demoeconômico de longo prazo, podemos pensar em 4 vetores para a
redução da Pegada Ecológica e para um sistema de produção e consumo mais
amigável ao meio ambiente:
1) Fazer com que a Taxa de
Fecundidade Total (TFT) do mundo caia o mais rápido possível para patamares
abaixo do nível de reposição, o que faria a população decrescer no futuro e
quanto mais rápido for a queda da TFT, maior e mais rápido será o decrescimento
populacional prospectivo.
2) Diminuir o mais
rapidamente possível as atividades antrópicas mais poluidoras, tais como
redução imediata do carvão mineral, redução do médio prazo de todos os
combustíveis fósseis, mudança da dieta alimentar com a diminuição do consumo de
carnes, redução dos gastos de guerra, destruição e mortes, etc.
3) Diminuir as desigualdades
sociais em nível local, nacional e internacional. Se os ricos diminuírem sua
Pegada Ecológica, os pobres podem aumentar um pouco sua Pegada per capita,
desde que a média global diminua.
4) Last but not least,
aumentar a eficiência energética e a eficiência produtiva na produção mundial
de bens e serviços. Ou seja, avançar com a tecnologia e os processos produtivos
para reduzir a Pegada Ecológica na produção global, reduzindo a
insustentabilidade do consumo.
O fato é que menor volume das atividades antrópicas facilitará o processo de restauração ecológica e possibilitará manter a produção adequada de alimentos para garantir a segurança alimentar, sem o agravamento das condições dos solos e do uso das águas. Em síntese, em vez de maior quantidade de pessoas e de bens e serviços, o mundo deveria investir na redução da pegada ecológica e na maior qualidade de vida e no maior bem-estar humano e ambiental.
O decrescimento e seus dois caminhos opostos
Conceito envolve projetos
distintos. Um deles despreza atividades econômicas devastadoras, mas valoriza
as que humanizam. Outro é o do Brasil atual: reprimarização (país deixa de
exportar, relativamente, mais bens industriais do que primários que são comumente
representados por commodities agrícolas e minerais), com valor agregado mínimo
e ataques permanentes ao trabalho e à natureza. (ecodebate)
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