Milhares de terremotos no
sudoeste da Islândia podem sinalizar o início de um novo período de atividades
geológicas intensas que pode durar 100 anos.
Os governos não fazem o
suficiente para melhorar o gerenciamento de risco de desastres, o que deixa a
humanidade amplamente despreparada para o que está por vir.
“O aumento do nível do mar
ameaça provocar êxodo de proporções bíblicas” - António Guterres,
Secretário-geral da ONU, fevereiro de 2023.
Está cada vez mais difícil
alcançar a meta de um mundo sustentável, inclusivo e resiliente. Ao invés do
sonho de um próspero desenvolvimento humano e ecológico, os indicadores
ambientais indicam a iminência de um ciclo de catástrofes (“loop doom”). Os
danos causados pelo aquecimento global são, cada vez mais, claros e a
recuperação de desastres climáticos e ambientais estão cada vez mais caros.
Os custos ultrapassam dezenas
de bilhões de dólares. Além disso, esses desastres costumam causar problemas em
cascata, incluindo crises de água, elevação do preço da energia e dos
alimentos, inundações, furacões, queimadas, bem como aumento da migração e dos
conflitos sociais. Tudo isto drenando os recursos que poderiam ser utilizados
para o combate à pobreza, para a restauração ecológica e o aumento da biocapacidade
do Planeta.
O relatório “1,5°C – vivo ou
morto? Os riscos para a mudança transformacional de atingir e violar a meta do
Acordo de Paris”, do Institute for Public Policy Research (IPPR) e da Chatham
House, aponta que o mundo corre o risco de cair em um ciclo de catástrofes
(“loop doom”) e que os custos para lidar com os impactos crescentes da crise
climática e ambiental pode substituir o combate à própria raiz do problema.
Evitar um ciclo catastrófico exigiria uma aceitação mais honesta por parte dos
políticos dos grandes riscos representados pela crise climática e da
perspectiva iminente de ultrapassagem dos pontos de inflexão e da escalada da
transformação econômica e social necessária para acabar com o aquecimento
global.
O gráfico a seguir mostra uma média móvel de dez anos da temperatura da superfície da Terra, plotada em relação à temperatura média de 1850-1900. Embora seja interessante entender as características dos anos individuais, o aquecimento global é, em última análise, sobre a evolução de longo prazo do clima da Terra. O mundo pode ultrapassar a meta de 1,5º C anual já em 2024, mas a média decenal deve ser atingida em 2034, assim com o patamar decenal de 2ºC deve ser ultrapassada em 2060.
O gráfico abaixo apresenta o processo de aumento da concentração de CO2 na atmosfera (curva de Keeling) e os diversos eventos da governança global que foram incapazes de interromper as emissões de gases de efeito estufa. Há 50 anos, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (ou Conferência de Estocolmo), realizada na capital da Suécia, entre 5 e 16 de junho de 1972. Naquela ocasião, a concentração de CO2 na atmosfera estava em 330 partes por milhão (ppm) e a população mundial era de 3,85 bilhões de habitantes. Em 1987, quando o mundo chegou a 5 bilhões de habitantes, foi publicado o Relatório Brundtland (Nosso futuro comum), com a definição clássica do conceito de desenvolvimento sustentável, mas nada foi feito para reduzir de fato as emissões.
Em 1988, o climatologista James
Hansen fez um depoimento no Congresso Americano mostrando como o aquecimento
global estava se acelerando. Naquele ano a concentração de CO2
estava em 351 ppm. Em 1992, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92 ou Cúpula da
Terra, que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro de 3 a 14 de junho/1992, com o
objetivo foi debater os problemas ambientais globais. Naquela ocasião a
concentração de CO2 tinha passado para 357 ppm.
A 1ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (a COP1) aconteceu na cidade de Berlim em 1995. Dois anos depois, em 1997, aconteceu a COP3, quando foi assinado o Protocolo de Kyoto, no Japão. Naquele ano a concentração de CO2 estava em 367 ppm e a população mundial tinha passado para quase 6 bilhões de habitantes. A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida também como Rio+20, foi realizada entre os dias 13 e 22 de junho/2012, na cidade do Rio de Janeiro. Naquele ano a concentração de CO2 estava em 396 ppm e a população mundial tinha ultrapassado 7 bilhões de habitantes.
Nos 70 anos da ONU, foi realizado a COP21, quando foi assinado o Acordo de Paris que é um tratado ocorrido no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC). O acordo foi negociado na capital da França e aprovado em 12/12/2015. Entre as principais medidas estão a redução das emissões de gases-estufa, a fim de conter o aquecimento global abaixo de 2º C e, preferencialmente, abaixo de 1,5º C, e garantir a perspectiva do desenvolvimento sustentável. Naquele ano a concentração de CO2 já tinham ultrapassado o limiar de 400 ppm.
No final de 2021 foi realizada
a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, na cidade de Glasgow,
na Escócia. A tarefa mais urgente da COP26 foi traçar metas mais ambiciosas de
redução de gases de efeito estufa para evitar um aquecimento global acima de
1,5º C. A concentração de CO2 estava em 419 ppm. Os mesmos desafios
permanecem na COP27 do Egito, em 2022, quando concentração de CO2
atingiu 421 ppm no mês de maio e a população mundial alcançou 8 bilhões em
novembro. Em 2023, a Índia vai ultrapassar a China como o país mais populoso e
o mundo deve ultrapassar 423 ppm em maio.
Assim, a curva de Keeling
continua aumentando a despeito de todo o blá-blá-blá da governança global. De
fato, as emissões globais de CO2 estavam em 2 bilhões de toneladas
em 1900, passaram para 6 bilhões de toneladas em 1950, chegaram a 25 bilhões de
toneladas no ano 2000 e atingiram 36 bilhões de toneladas entre 2019. No
passado foram os países desenvolvidos que mais emitiram CO2 em
função da queima de combustíveis fósseis. Mas no século XXI os países fora da
OCDE emitem mais do que os países da OCDE e a soma da China + Índia emite muito
mais do que a Europa + EUA. Em consequência do efeito estufa, as temperaturas
do Planeta estão subindo e acelerando as mudanças climáticas e seus efeitos
danosos sobre a vida na Terra.
O período de 2014 a 2023 deve
apresentar os 10 anos mais quente do Holoceno, ou seja, estamos experimentando
as temperaturas mais quentes desde a última era glacial. Por conseguinte, o
aquecimento global é uma realidade inexorável e as pessoas já começam a
perceber a dimensão do problema quando sofrem os efeitos dos furacões,
inundações, secas prolongadas, ondas letais de calor, etc. Além disto, há os
ciclos de feedback climático e a possibilidade de que eles que possam levar o
clima a estágios além dos pontos de inflexão planetários.
Se os feedbacks amplificadores (como a degradação do permafrost e o degelo da Antártida) forem fortes, o resultado provavelmente será uma mudança climática trágica, indo além de qualquer coisa que os humanos possam controlar por meio da redução das emissões de gases de efeito estufa e do cumprimento dos compromissos assumidos pelos governos no Acordo de Paris de 2015.
A dramaticidade da nova realidade já tem sido documentada em relatórios do Escritório da ONU para Redução de Riscos de Desastres (UNDRR), que mostram que os impactos das mudanças climáticas e do mau gerenciamento de riscos levaram a um aumento das catástrofes “naturais”. O último relatório, lançado em 26/04/2022, confirma que, em um curto período de tempo, o mundo assistiu a um aumento sem precedentes do número de catástrofes “naturais”, e a ação humana pode piorar ainda mais o cenário no futuro.
Nas primeiras 2 décadas do
século XXI, foram registrados, por ano, entre 350 e 500 desastres médios a
grandes. Os eventos, variam de queimadas, secas e enchentes a pandemias e
acidentes químicos. A crise climática, que gera eventos atmosféricos extremos,
são a principal causa do aumento das ocorrências. As catástrofes geraram ao
mundo custos de 170 bilhões de dólares em média por ano na última década. A
Nova Zelândia, por exemplo, foi atingida, em fevereiro de 2023, pelo furacão
Gabrielle, considerado o maior desastre natural do país nesse século.
Segundo o relatório da UNDRR,
os governos não fazem o suficiente para melhorar o gerenciamento de risco de
desastres, o que deixa a humanidade amplamente despreparada para o que está por
vir. Como afirmou Amina J. Mohammed, secretária-geral adjunta da ONU, o rumo
que seguimos atualmente está colocando a humanidade numa “espiral de autodestruição”.
Nas projeções do relatório, os desastres podem aumentar para 560 por ano até
2030, ou seja, cerca de 1,5 por dia. Adicionalmente, o aumento do nível do mar
deve afetar cerca de 1 bilhão de pessoas que vivem em áreas costeiras e ameaça
provocar um êxodo de proporções bíblicas, como afirmou o Secretário-geral da
ONU, António Guterres, em fevereiro passado.
No Brasil, em 2022, pelo menos
457 pessoas morreram em desastres causados pelas chuvas no Sul da Bahia, em
Minas Gerais, no interior de São Paulo e na Região Serrana do Rio de Janeiro.
Os danos da destruição passada ainda não foram totalmente remediados e outros
desastres colocam novos desafios. Um ano depois da calamidade de Petrópolis, o
litoral norte de São Paulo foi atingido por chuvas torrenciais e inundações,
que afetaram, principalmente, a cidade de São Sebastião, em pleno carnaval, com
grande fluxo de turistas. Em 15h choveu mais que o dobro da média de fevereiro,
em São Sebastião e Bertioga. O choque de umidade e calor vindos da região amazônica
com uma frente fria na serra do Mar provocou a tempestade, que pode ser
classificado como um “evento climático extremo”, potencializado pelo
aquecimento global.
Os parcos recursos financeiros não têm sido suficientes sequer para a redução dos danos imediatos. Assim, a solução adequada e definitiva dos problemas ecossociais é deixada para as calendas gregas. As palavras que resumem o quadro geral do ciclo de catástrofes são: policrise e permacrise. Permacrise significa “um estado de crise permanente” ou “um período prolongado de instabilidade e insegurança”. Policrise significa “uma multiplicidade de crises simultâneas”. Essas crises convergentes tendem a se alimentar umas das outras e provocar situações de colapso ambiental e social.
Mudanças climáticas dobram ocorrência de desastres naturais.
Nas duas últimas décadas, mas
de 7 mil catástrofes ocorreram em todo o mundo impulsionadas pelo aquecimento
global. Impacto econômico destes desastres foi de quase US$ 3 trilhões.
Por isso, o relatório, “1,5°C –
vivo ou morto?”, diz: “Este é um ciclo de destruição: as consequências da crise
climática e ambiental atraem o foco e os recursos para combater suas causas,
levando a temperaturas mais altas e perdas ecológicas, que então criam
consequências mais graves, desviando ainda mais atenção e recursos, e assim por
diante, dando continuidade à inação que alimenta o ciclo de catástrofes”.
(ecodebate)
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