Um relatório encomendado pelo
Fundo Mundial para a Natureza (WWF) adverte que o verdadeiro custo do plástico
para o meio ambiente, a saúde e as economias pode ser até dez vezes superior para
os países de baixa renda, embora eles consumam quase três vezes menos plástico
per capita do que os de alta renda. O documento estima que os custos totais da
vida útil de um quilo de plástico são de cerca de US$ 150 em países de baixa e
média renda, oito vezes mais que os US$ 19 por quilo verificados nos países de
renda alta.
Quando comparamos apenas os países de renda baixa com os mais ricos, a diferença aumenta para dez vezes, sendo os países de baixa renda atingidos com custos de US$ 200 por quilo.
Esses custos desiguais têm implicações substanciais para países como o Quênia, onde os negociadores irão se reunir entre 13 e 19 de novembro de 2023 para a terceira rodada de negociações do tratado global para acabar com a poluição plástica. Há seis anos, o Quênia deu um passo ousado contra a poluição plástica, ao proibir os sacos de plástico descartáveis. Hoje, o país continua a lutar contra as importações ilegais desses sacos. Isso destaca a natureza transnacional do problema e as desigualdades paralisantes inerentes à atual cadeia de valor dos plásticos, que colocam países como o Quênia em desvantagem, independentemente das medidas ousadas que tomem.
“O nosso sistema de pegar, usar e descartar plásticos foi concebido de forma a causar impacto injusto nos países mais vulneráveis e desfavorecidos do planeta. Em vez de resolver a crise mundial de poluição plástica da forma mais eficiente, o sistema transfere a maior parte dos custos para aqueles que estão menos equipados para gerenciá-los, sem qualquer responsabilidade colocada sobre aqueles que produzem e utilizam os produtos”, afirma Alice Ruhweza, diretora de Política, Influência e Engajamento do WWF Internacional. “O relatório sinaliza a urgência de uma revisão imediata do atual sistema plástico. A manutenção do status quo poderia ser uma sentença de morte, não só para um número crescente de animais, mas para muitas comunidades vulneráveis e marginalizadas do nosso mundo, em resultado do aumento dos riscos para a saúde, incluindo a ingestão de produtos químicos nocivos e tóxicos e o aumento do risco de inundações e doenças. O tratado global sobre poluição plástica é a nossa oportunidade de mudar essa situação, incluindo nele regras globais vinculativas e equitativas para a produção e o consumo”.
Mais de 10 milhões de toneladas de plástico entram no mercado interno brasileiro a cada ano
Relatório conclui que os
países de renda baixa e média suportam um fardo desproporcionalmente grande dos
custos associados à poluição plástica, como resultado direto de desigualdades
estruturais que reforçam o atual sistema de plásticos. A primeira desigualdade
é que o sistema coloca os países de renda baixa e média em desvantagem, na
medida em que têm influência mínima sobre os produtos plásticos produzidos e
como são concebidos e, ainda assim, espera-se que gerenciem esses produtos
quando atingirem o fim da sua vida útil.
As considerações sobre a
concepção de produtos e sistemas são normalmente feitas na cadeia de produção e
consumo, em países com extensa produção de plástico e por empresas
multinacionais sediadas em países de renda elevada. Em 2019, apenas 9% dos
resíduos plásticos estavam sendo reciclados. Atualmente, cerca de 60% da
produção global de plástico destina-se a produtos de utilização única,
concebidos para serem jogados fora após apenas uma utilização (e têm um valor
tão baixo que pode isso pode ser feito).
A segunda desigualdade é que
a taxa de produção de plástico, especialmente de plástico de utilização única,
ultrapassa em muito a disponibilidade de recursos técnicos e financeiros para a
gestão de resíduos quando chega ao fim da sua vida útil em países de renda
baixa e média. Sem reduzir a produção e o consumo de plástico, os países de
renda baixa e média continuarão a suportar o fardo mais elevado dos impactos
ambientais e socioeconômicos diretos da poluição plástica.
● Proibir, eliminar ou
reduzir a produção de produtos plásticos, polímeros e produtos químicos preocupantes
de alto risco e evitáveis.
● Estabelecer requisitos
globais para design de produtos e sistemas que possam garantir uma economia
circular segura e não tóxica, que priorize a reutilização e melhorias na
reciclagem.
● Tomar medidas robustas para
apoiar uma implementação ponderada e eficaz que inclua apoio financeiro
suficiente e alinhamento dos fluxos financeiros públicos e privados,
especialmente para países de renda baixa e média.
“Muitas opções incluídas no
primeiro esboço do tratado têm uma linguagem substancialmente mais fraca e
obrigações menos específicas, tornando tentador para os governos regressar aos
maus hábitos antigos de confiar na ação nacional ou voluntária em vez de criar
regulamentos comuns. Mas o nosso relatório mostrou que confiar em decisões
governamentais individuais resulta num sistema injusto, onde os encargos não
são apenas distribuídos de forma desigual, mas são suportados por aqueles menos
equipados para remediá-los”, disse Eirik Lindebjerg, Líder de Política de
Plásticos do WWF Internacional.
“Comprometer-se com um tratado baseado principalmente na ação nacional apenas nos levará de volta ao ponto onde estávamos – divididos e incapazes de conter a investida da poluição plástica. Não podemos continuar a agir como se o plástico fosse um produto barato e descartável. São custos enormes para algumas das comunidades mais vulneráveis que não têm poder para mudar o sistema. A inação resultará num custo mais elevado para todos nós. Os países devem aumentar a ambição e finalizar um tratado com regras globais harmonizadas e vinculativas se quisermos alcançar uma cadeia de valor do plástico que seja equitativa e se quisermos um futuro livre de poluição plástica”.
Do relatório – estudos de caso selecionados por região:
América Latina
Brasil: Impactos marinhos e
terrestres da poluição plástica
● Mais de 10 milhões de
toneladas de plástico entram no mercado interno brasileiro a cada ano.
● Além disso, o Brasil
importa 12 mil toneladas de resíduos plásticos por ano, uma taxa que cresce 7%
ao ano. À medida que aumentam as importações de resíduos, aumenta também a
quantidade de resíduos que são mal geridos. Se as tendências atuais
continuarem, o Brasil poderá se tornar o quarto maior gerador de resíduos
plásticos mal gerenciados.
● A taxa crescente de
poluição plástica no Brasil resulta de lacunas no sistema, em particular
infraestrutura e capacidade limitadas para coleta e reciclagem de resíduos.
Apenas 22% das cidades do Brasil coletam resíduos para reciclagem.
● Os preciosos ecossistemas costeiros do Brasil, sua vida selvagem e as comunidades sofrem o maior impacto. E a poluição ameaça agora a Bacia Amazônica.
África
Quênia: Esforços para reduzir
a poluição são dificultados pela ausência de regulamentação global
● O Quênia proibiu os sacos
de plástico descartáveis em 2017, num passo ousado para reduzir a poluição
plástica, mas a falta de regras semelhantes nos países vizinhos resultou na
acumulação de sacos de plástico no Quênia.
● Os sacos de plástico
continuam a poluir o Quênia através de fronteiras porosas que dão lugar ao
contrabando de sacos em remessas de materiais plásticos isentos da proibição,
como produtos de embalagem.
● Seis anos após a proibição, sacos de plástico estão se acumulando no lixão de Dadach Boshe, no Quênia. Moradores relataram mortes de cabras devido a estômagos inchados e problemas de saúde fatais causados pela ingestão de sacos plásticos.
Ásia e Pacífico
Fiji: Barreiras estruturais
na gestão de resíduos
● Os turistas que chegam ao
pequeno estado insular de Fiji geram sete vezes mais resíduos plásticos por
pessoa, por dia, do que os residentes de Fiji.
● Apesar do desenvolvimento
de legislação ambiental e de estratégias para a gestão de resíduos, as
restrições de capacidade das Fiji (pequena escala econômica e força de
trabalho) significaram que apenas um dos seus oito locais de eliminação
satisfaz as normas ambientais atuais, resultando numa taxa de vazamento de
plástico de 25%, ou quase 4.000 toneladas de poluição plástica a cada ano, o
equivalente a encher 80 piscinas com garrafas plásticas de 500ml.
● Além disso, a localização remota de Fiji, a escala limitada e a falta de investimento significam que Fiji tem lutado para estabelecer mercados de reciclagem viáveis e está vendo uma maior dependência da queima dos seus resíduos ou do enchimento dos seus aterros. (cee.fiocruz)
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