O relatório “Interconnected Disaster Risks” (Riscos de Desastres Interconectados), publicado pouco antes das negociações climáticas da COP28, identificou taxas aceleradas de extinção das espécies, esgotamento de águas subterrâneas, derretimento glacial, áreas “não seguráveis”, aumento dos detritos espaciais e calor extremo como as principais ameaças interconectadas.
O relatório diz que as pessoas muitas vezes pensam nos processos como simples e previsíveis. Quando precisamos de água, abrimos a torneira e sai água. No entanto, em primeiro lugar, não pensamos muito sobre a origem da água e muitas vezes não temos consciência dos muitos processos subjacentes que ocorrem antes de ela chegar até nós. Isto nos deixa com pouca compreensão do efeito da nossa utilização sobre outras pessoas no sistema, ou do risco de que um dia a fonte da nossa água possa desaparecer.
Os sistemas estão ao nosso
redor e intimamente conectados a nós. Sistemas hídricos, sistemas alimentares,
sistemas de transporte, sistemas de informação, ecossistemas e outros: o nosso
mundo é constituído por sistemas onde as partes individuais interagem entre si.
Ao longo do tempo, as atividades humanas tornaram estes sistemas cada vez mais
complexos, seja através de cadeias de abastecimento globais, redes de
comunicação, comércio internacional e muito mais. À medida que estas
interligações se fortalecem, oferecem oportunidades de cooperação e apoio globais,
mas também nos expõem a maiores riscos e surpresas desagradáveis, especialmente
quando as nossas próprias ações ameaçam danificar um sistema.
Quando os nossos sistemas de
sustentação da vida, como os da água ou dos alimentos, se deterioram,
normalmente não é um processo simples e previsível. Uma torre feita de blocos
de construção pode permanecer de pé no início se você remover uma peça de cada
vez, mas a instabilidade aumenta lentamente até que você remova um bloco a mais
e ele tombe. Tal como a pilha de blocos, quando um certo limiar de
instabilidade é atingido num sistema, este pode entrar em colapso ou mudar
fundamentalmente. Abrimos a torneira e de repente não sai nada. Isto é chamado
de ponto de inflexão, e os pontos de inflexão podem ter impactos irreversíveis
e catastróficos para as pessoas e para o planeta.
A 6ª extinção em massa das espécies é uma realidade que ameaça a própria humanidade. Cerca de 1 milhão de plantas e animais poderiam ser dizimados dentro de décadas, com a perda de espécies importantes podendo desencadear extinções em cascata de espécies dependentes e aumentar a probabilidade de colapso do ecossistema, como o fim das abelhas e dos polinizadores que podem provocar um colapso do sistema de produção de alimentos.
O estresse hídrico é outra ameaça concreta. Muitos dos maiores aquíferos do mundo já estão se esgotando mais rapidamente do que podem ser reabastecidos, com ocorre na Arábia Saudita, na Índia, nos Estados Unidos e outros países que já enfrentando riscos graves. A seca na Amazônia mostra como a maior bacia hidrográfica do mundo pode ficar sem água “da noite para o dia”.
Os escoamentos do
derretimento de geleiras nas montanhas mais elevadas do mundo estão em
declínio. Muitas dessas geleiras e glaciares são fundamentais para a
sobrevivência de bilhões de pessoas. A Índia e a China – os dois países mais
populosos do mundo, com quase 3 bilhões de habitantes – dependem totalmente das
águas que escorrem das altitudes do Himalaia. O sul e o leste da Ásia podem
virar áreas inabitáveis se os glaciares do continente forem reduzidos
drasticamente.
Os pesquisadores também
alertaram sobre os riscos crescentes apresentados pelos detritos espaciais, com
colisões que podem tornar a órbita da Terra inutilizável e dificultar futuras
atividades espaciais, incluindo o monitoramento por satélite de ameaças
ambientais. Os recentes avanços tecnológicos tornaram mais fácil e acessível
para países, empresas e até mesmo indivíduos colocar satélites no espaço. Os
satélites tornam as nossas vidas mais seguras, mais convenientes e conectadas,
e representam infraestruturas críticas que são agora essenciais para uma
sociedade funcional. No entanto, à medida que o número de satélites aumenta,
também aumenta o problema dos detritos espaciais, que representam uma ameaça
tanto para os satélites em funcionamento como para o futuro da nossa órbita.
As alterações climáticas
induzidas pelo crescimento demoeconômico estão causando um aumento global das
temperaturas, conduzindo a ondas de calor mais frequentes e intensas com
impactos graves na população mundial. Os últimos 9 anos (2014-2022) foram os
mais quentes do Holoceno e 2023 vai bater todos os recordes anteriores. O calor
extremo já foi responsável por uma média de 500 mil mortes anuais em excesso nas
últimas duas décadas, afetando desproporcionalmente os mais vulneráveis. A alta
umidade agrava os impactos do calor, dificultando a evaporação do suor, que é o
mecanismo do corpo para se refrescar. Atualmente, cerca de 30% da população
mundial está exposta a condições climáticas mortais durante pelo menos 20 dias
por ano, e este número poderá aumentar para mais de 70% até 2100.
Também o artigo de Camilo
Mora et. al., “Broad threat to humanity from cumulative climate hazards
intensified by greenhouse gas emissions”, publicado na prestigiosa revista
Nature climate change (19/11/2018), havia mostrado que as mudanças climáticas
trarão múltiplos desastres de uma só vez. “Enfrentar essas mudanças climáticas
será como entrar em uma briga com Mike Tyson, Schwarzenegger, Stallone e Jackie
Chan – tudo ao mesmo tempo”, disse o principal autor do estudo, que descreve os
inúmeros impactos que devem atingir a civilização nos próximos anos.
No total, os pesquisadores identificaram 467 maneiras distintas em que a sociedade já está sendo impactada pelo aumento dos extremos climáticos e, em seguida, expuseram como essas ameaças provavelmente se acumularão umas nas outras nas próximas décadas.
Se algo não for feito para reduzir drasticamente as emissões de gases do efeito estufa, em vez de lidar com um único grande risco de cada vez, as pessoas em todo o mundo podem ser forçadas a lidar com três a seis ao mesmo tempo. Os desafios serão profundos, múltiplos e simultâneos. (ecodebate)
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