Quando no telejornal se
anunciam chuvas fortes para alguma região do estado do Rio de Janeiro, parte da
população fica apreensiva. Todos sabem que, como efeitos evidentes das mudanças
climáticas, enchentes e deslizamentos seguem a previsão, com cada vez mais
recorrente contabilidade de danos e vidas perdidas.
Pesquisa do Programa de
Ecologia do Instituto de Biologia (IB) da Universidade Federal do Rio de
Janeiro descobriu que há uma forma de fazer com que a própria natureza aja como
uma esponja gigante para reter milhões de metros cúbicos de água e atenue os
problemas nos 92 municípios do estado, com baixo custo e possibilidade de
lucro.
Com base em critérios estabelecidos pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) para determinar as áreas ambientais mais degradadas e passíveis de resgate da cobertura vegetal, a pesquisadora Stella Manes da Silva Moreira utilizou um programa de computador específico de modelagem – o InVEST (Integrated Valuation of Ecosystem Services and Trade-Offs, em tradução livre: Avaliação Integrada de Trocas e Serviços Ecossistêmicos) – para traçar quatro diferentes cenários combinados com a série histórica de chuvas de cada região. O objetivo era apontar qual a melhor relação custo-benefício a fim de agilizar a recuperação da natureza. Stella Manes recebeu orientação das professoras Mariana Vale, do IB, e Aliny Pires, professora do departamento de Ecologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Governo do Rio Grande do Sul engavetou planos para lidar com mudanças climáticas.
Apesar de sofrer com eventos
cada vez mais intensos, estado não implementou projetos que poderiam amenizar
tragédias.
De acordo com a professora
Aliny, a ideia era fazer o diálogo direto com os tomadores de decisão. “Nada
melhor do que utilizar os dados do Inea para determinar onde e como fazer a
restauração. Além disso, a gente mostrou que podem vir benefícios e calculamos
o valor que ele teria”, informou a coorientadora.
O estudo contabilizou
benefícios financeiros que poderiam contribuir no delineamento de estratégias
de pagamentos por serviços ambientais e favorecer a recuperação das áreas. O
sequestro de carbono, a produção de madeira e frutos de palmeiras são
potenciais benefícios que superam os custos de implementação e manutenção de um
programa elaborado a partir do melhor cenário em mais de R$ 8 milhões por ano.
Os eventos extremos de precipitação, caso nenhuma ação seja implementada, também foram avaliados pelo estudo. Os resultados revelaram que o risco de enchentes não é proporcional ao aumento de chuva: um evento extremo máximo com intensidade da chuva dez vezes maior que a média atual pode elevar em até 70 vezes o risco de alagamentos e deslizamentos de encostas.
Apesar de sofrer com eventos cada vez mais intensos, estado não implementou projetos que poderiam amenizar tragédias.
As pesquisadoras explicaram
que, diante de imenso volume de precipitação, a capacidade de retenção de água
pelo solo cai para mais da metade. “As chuvas fortes sempre trouxeram problemas
para as pessoas, mas, em um cenário de mudanças climáticas, não só elas serão
mais frequentes, mas também mais intensas. Não é uma proporção linear de
aumento, porque as áreas com vegetação têm uma capacidade limite de absorção”,
ressaltou Stella.
Aliny Pires destacou que o
cenário seria muito pior se não existisse nenhuma cobertura vegetal: “Os
desastres naturais ocorreriam com muito mais frequência se não houvesse, por
exemplo, áreas verdes onde ocorrem deslizamentos. Muitos estudos simulam a
retirada de toda a vegetação existente em determinado local para verificar os
efeitos, e eles mostram um aumento exponencial de desastres naturais”.
No estado, dos 29 barramentos existentes, seis apresentam alto Dano Potencial Associado (DPA), ou seja, correm o risco de se romper. A cidade de Miguel Pereira, por exemplo, seria engolida pelas águas do Lago Javary. Do ponto de vista das pesquisadoras, ao recompor a vegetação, as águas chegariam mais lentamente aos reservatórios, possibilitando o manejo do fluxo.
Chuva inunda lavouras nos estados da região Sul.
Solução simples
Há diversos tipos de
recuperação da cobertura vegetal: regeneração natural sem manejo em locais que
apresentam alta densidade e diversidade de plantas nativas regenerantes;
regeneração natural com manejo, adotando medidas que induzam os processos de
regeneração natural; e, por último, plantio em área total ou restauração
ecológica, com uso de técnicas para a introdução de espécies vegetais
(herbáceas, arbustivas e arbóreas), nativas ou não, por meio de sementes e/ou
mudas, com uma ou mais espécies.
“Nós calculamos cada
percentual de reflorestamento de áreas conforme as prioridades, de 10 a 40%,
conforme diferentes estratégias de recuperação da vegetação. Também avaliamos o
custo de cada uma das propostas.
A conclusão é de que
recuperar apenas as áreas de regeneração natural com prioridade alta-média,
onde a cobertura vegetal passaria a representar apenas 30% da área do estado do
Rio, pode proporcionar a retenção de mais de 100 milhões de metros cúbicos de
água”, enfatizou Stella Manes.
Para ela, na relação custo-benefício, a melhor estratégia para poupar o estado do Rio de catástrofes naturais provocadas pela imprevisibilidade das chuvas seria, apenas, realizar o manejo das áreas de prioridade alta-média para ter excelentes resultados. “Nós verificamos que não há grandes discrepâncias a partir do cenário 2 que traçamos. Os números evidenciam que, apesar de ele não ser tão eficiente quanto os outros, o reflorestamento trará benefícios semelhantes. Os outros aceleram o processo de recuperação, mas o que descobrimos é que não é preciso investir muito para ter resultados parecidos”, esclareceu.
Ao atenuar os problemas para a sociedade com base na proteção e recuperação de áreas naturais, o estudo, intitulado Prevenção de Enchentes no Rio de Janeiro: As Soluções Baseadas na Natureza como Adaptação a Eventos Climáticos Extremos, teve reconhecimento do próprio Inea e acabou vencendo o II Prêmio Inea Soluções Baseadas na Natureza para o Desenvolvimento Sustentável. O trabalho contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), além de ter parcerias com a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) e Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede-Clima). (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário