Mudanças
Climáticas: Fundo de Perdas e Danos é um passo na direção certa.
Acordo sobre perdas e danos gera otimismo, mas deve ser apenas o
começo, alertam especialistas
Fundo anunciado na abertura da COP28 é passo importante, mas deve
ser acompanhado de acordos sobre eliminação gradual dos combustíveis fósseis
COP28 anunciou um acordo histórico pela implementação do Fundo de
Perdas e Danos para o enfrentamento das mudanças climáticas pelos países em
desenvolvimento. Para representantes da sociedade civil, o anúncio surpreendeu
positivamente e sinaliza que outras decisões importantes podem ser tomadas
durante a Conferência, mas ainda é preciso avançar em alguns pontos da
negociação. Esse otimismo não pode desviar as atenções da urgência das
negociações para uma eliminação gradual dos combustíveis fósseis.
Países em desenvolvimento mais vulneráveis aos impactos climáticos
e a sociedade civil vêm fazendo campanha por um Fundo de Perdas e Danos há 30
anos. Após cinco reuniões neste ano, o Comitê Transitório de Perdas e Danos
chegou a um acordo sobre um conjunto de recomendações para o fundo. A
negociação avançou apesar de divergências entre países em desenvolvimento e
desenvolvidos sobre várias questões, como o fato de o Banco Mundial ser a
entidade responsável pelo fundo e mecanismos como o acesso direto.
“A adoção das recomendações
do comitê sobre o fundo de perdas e danos é um passo muito importante e com um
peso significativo por acontecer logo no começo da COP28. As negociações ao
longo do ano foram duras, o resultado final não foi exatamente aquele desejado
pelos países mais pobres e vulneráveis, mas o fato de os países terem
concordado com a estrutura proposta para o fundo na primeira plenária mostra
que existe a disposição dos governos para finalmente viabilizar uma resposta
financeira para as perdas e danos decorrentes da mudança do clima”, diz Bruno
Toledo, professor de relações internacionais e analista do Instituto ClimaInfo.

Gaia Hasse, advogada da Laclima (Latin American Climate Lawyers
Initiative for Mobilizing Action), compartilha a percepção de que a decisão
aumenta a expectativa por mais avanços durante a COP28. “A adoção da
recomendação do Comitê já no dia de abertura da Conferência das Partes abre
espaço para maior ambição em outros itens da agenda. O Fundo de Perdas e Danos
agora conta agora com um instrumento de governança, será assistido por um
secretariado independente e supervisionado por um Conselho indicado pelas
Partes”, diz.
Entre os pontos-chave anunciados, foi
determinado que o Banco Mundial será o anfitrião interino do fundo por um
período de quatro anos e que o fundo terá um secretariado independente e um
conselho de administração composto por membros. Os membros do Comitê
Transitório apelaram para que o fundo funcione de acordo com os princípios da
UNFCCC e do Acordo de Paris. O Banco Mundial exigiu um mínimo de US$ 200
milhões para iniciar o fundo e os pagamentos para o fundo são efetuados em uma
base voluntária, com os países desenvolvidos sendo “convidados” a contribuir.
Todos os países em desenvolvimento são elegíveis para acessar diretamente os
recursos, com uma porcentagem mínima de afetação para os países menos
desenvolvidos e os pequenos Estados insulares em desenvolvimento.
“Dentre os aspectos
relevantes sobre a operacionalização do fundo, destaca-se que foi decidido que
todos os países em desenvolvimento terão acesso direto aos recursos, inclusive
através de entidades subnacionais, nacionais e regionais, e que o financiamento
será por meio de doações ou empréstimos altamente favoráveis, de forma a não
aprofundar o endividamento dos beneficiados. Embora diversos aspectos da
decisão tenham sido objeto de manifestações de insatisfação, a obtenção de
consenso sobre um tópico historicamente polêmico é reflexo do esforço e
flexibilidade de todas as partes envolvidas”, conclui Gaia Hasse.

Com o anúncio do acordo, os Emirados Árabes Unidos e a Alemanha
prometeram US$ 100 milhões para o fundo inicial. Outras promessas vieram de
Reino Unido (40 milhões de libras para o Fundo e 20 milhões de libras
adicionais para outros mecanismos de perdas e danos), Estados Unidos (US$ 17
milhões), Japão (US$ 10 milhões) e União Europeia (225 milhões de euros,
incluindo a Alemanha). Os países em desenvolvimento afirmam que as necessidades
reais estão mais próximas dos US$ 400 bilhões por ano.
“Os anúncios das primeiras dotações do fundo pelos Emirados
Árabes, Alemanha e Reino Unido também trazem mais otimismo, ainda que o volume
anunciado de recursos seja pequeno em relação às necessidades. Isso põe pressão
para que outros países desenvolvidos também coloquem recursos no fundo. Ao
mesmo tempo, por ser uma decisão sobre financiamento, ela também pode ter
efeito sobre as discussões sobre outros itens relativos ao financiamento
climático ao longo desta COP. Se esse momentum se confirmar, as chances da
COP28 entregar resultados significativos aumentam consideravelmente”, diz Bruno
Toledo.
Joab Okanda, consultor
sênior pan-africano da Christian Aid, destaca que o anúncio do fundo climático,
apesar de positivo, não deve desviar as atenções de outro tema vital a ser
discutido na Conferência, que é a eliminação dos combustíveis fósseis. “Para
reduzir as perdas e danos causados pelas mudanças climáticas, os países
precisam se comprometer com o abandono gradual dos combustíveis fósseis. Se
continuarmos produzindo combustíveis fósseis teremos cada vez mais perdas e
danos, e nenhum dinheiro será suficiente para enfrentar as consequências”.

Relatório lançado em 28/11/23 mostra que a mudança climática
causou uma perda do PIB global de 1,8%, ou US$ 1,5 trilhão, em 2022. O estudo
“Loss and Damage Today: How climate change is impacting output and capital”
apontou que os países menos desenvolvidos sofrem os maiores impactos, tendo
sido expostos a uma perda média do PIB ponderada pela população de 8,3%.
Sudeste Asiático e a África Austral foram particularmente afetados, com países
perdendo, em média, 14,1% e 11,2% do seu PIB, respetivamente. (ecodebate)
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