Já a exploração predatória da
floresta rende entre US$ 42 bilhões e US$ 98 bilhões por ano, muito menos do
que o valor da floresta em pé. É um modelo que destrói riquezas naturais sem
impulsionar a economia.
Na mira de grandes
investimentos em obras de infraestrutura e de projetos da mineração, energia e
do agronegócio, a Amazônia é vítima de um conjunto amplo de crimes ambientais.
Na maioria das vezes,
trata-se de empreendimentos privados que, com o apoio dos governos estaduais e
federal, aceleram o processo de desmatamento predatório e a destruição dos
territórios e da vida dos povos amazônicos.
Esperada com entusiasmo pelo
agronegócio, a Ferrogrão é um exemplo clássico dos projetos de infraestrutura
que geram danos ambientais e violações de direitos. A ferrovia, que promete
impulsionar o escoamento de grãos com um corredor de 933 quilômetros entre
Sinop, no Mato Grosso, e Miritituba, no Pará, impactará 48 áreas protegidas,
entre terras indígenas e unidades de conservação, e pode levar o Brasil a
renunciar à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da
qual é signatário.
O padre e ativista José Boeing,
membro do Núcleo de Direitos Humanos e Incidência da Rede Eclesial
Pan-Amazônica (REPAM-Brasil), chama atenção para o modelo de desenvolvimento
adotado na região, que desconsidera a natureza e a cultura dos povos da
Amazônia. “Essa ferrovia vai formar um corredor de exportação que só trará
benefícios para o agronegócio. E o agronegócio não é sustentável”, afirma.
Inúmeros são os projetos de
minero-metalúrgicos, petroquímicos, hidrelétricos, hidrovias, ferrovias, que
obedecem à lógica econômica e se sobrepõe a outras preocupações, como o meio
ambiente, o que segundo o bispo de Roraima e presidente da REPAM-Brasil, Dom
Evaristo Pascoal Splengler, trata-se da disputa entre dois modelos de
desenvolvimento: o predatório e o socioambiental.
O primeiro, das grandes corporações e do poder financeiro, parte do pressuposto da exploração exaustiva dos recursos da região em vista do lucro. O segundo, considera a convivência harmoniosa com a floresta e os povos originários.
A Amazônia é alvo de investimentos desde o ciclo da borracha, seja motivada pelas políticas de exploração ou pelas estratégias adotada nos planos de ocupação do território incentivados pela exploração de seus recursos e de ações governamentais.
Para o padre Dário Bossi,
missionário comboniano e assessor da Rede Igreja e Mineração, a Amazônia sempre
foi considerada como uma terra de conquista. “Amazônia foi pensada “de fora
para dentro”, com grandes projetos considerados “desenvolvimento”,
caracterizados pelo viés do extrativismo predatório: retirar matérias prima
como látex, madeira, ouro, outros minérios, petróleo, gás, água, os quais
necessitam de grandes infraestruturas para o escoamento dos produtos e de mão
de obra barata” declarou.
“Nesse sentido, para retirar
então essa matéria prima é preciso tirar o que está em cima, ou seja, as
comunidades, as pessoas, os animais e toda biodiversidade de um território,
tudo isso em prol do “desenvolvimento”. Só que esse “desenvolvimento” custa
muito caro para as populações que foram em sua maioria deslocadas forçadamente,
ou estão no entorno desses grandes empreendimentos”, completa padre Dário.
O missionário alerta que as
obras de infraestrutura na Amazônia são criadas para atender e produzir riqueza
para fora da região, enquanto resta para os povos amazônicos os prejuízos
sociais, ambientais e econômicos. “Infelizmente é uma Amazônia pensada de fora
para dentro, onde os territórios sagrados, os bens comuns da natureza, a fauna
e a flora e a manutenção da vida dos povos da floresta estão em constantes
ameaças por conta da expansão desses grandes projetos econômicos”, conclui.
O último relatório da Rede
Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG), divulgado em
2019, apontou que 68% das terras indígenas e áreas naturais protegidas estão
sob pressão de estradas, mineração, barragens, perfuração de petróleo,
incêndios e desmatamento.
“Se essa [consulta] fosse
realizada, teríamos muitos problemas já equacionados antes do início dessas
obras, porque já sabíamos pelas pessoas que moram lá algumas consequências
desses projetos que não são normalmente mencionados no Estudo de Impacto
Ambiental”, destaca.
A Convenção 169 da OIT trata
da definição sobre os povos indígenas e tradicionais, e ainda elenca uma série
de obrigações de governos e empresas, entre elas, o direito à consulta prévia,
livre e informada a partir das suas diferentes formas de organização e
instituições comunitárias.
“Os projetos afetam como um
todo a própria região, em alguns lugares, por exemplo, no caso de Belo Monte,
já estamos vivenciando o ecocídio da volta grande do Xingu. Ele mata o próprio
ecossistema com a possibilidade de se fazer a extinção de espécies de peixes e
isso traz uma consequência terrível para essas comunidades. Então, nesse
projeto, onde se usa a água dos rios amazônicos, os ribeirinhos e os pescadores
artesanais são os mais impactados”, conta o procurador.
Ele cita outros projetos que afetam a região, como é o caso das rodovias, que impactam no desmatamento na Amazônia e no próprio clima do planeta. “Nós já sabemos e é cientificamente comprovado que as estradas são os maiores vetores de desmatamento na Amazônia e isso atinge também aqueles que dependem da floresta para sobreviver”, afirma.
O rastro de destruição começa antes mesmo das obras, pois essas iniciativas costumam valorizar as terras e chamar atenção da especulação imobiliária.
“Quando esses projetos são
realizados existe uma especulação imobiliária, uma migração muito forte que
alguns lugares até em pouquíssimos anos, 2 a 3 anos, a população local dobra. Então
você imagina numa cidade em que não existe infraestrutura suficiente para dar
conta já da população existente no local, em termos de saúde e educação, e essa
cidade vê a sua população dobrando e em menos de 2 ou 3 anos torna-se um caos
por conta dessa migração desenfreada”, explica Felício.
À medida que se intensificam
as pressões na Amazônia, fica claro o preço que se paga pelo “desenvolvimento”,
pois a lógica desses grandes projetos leva a impactos ambientais irreversíveis,
apresentando grandes mudanças socioambientais, o que inclui o aumento da
pobreza, o deslocamento forçado de famílias, a violência e o surto de doenças.
A solução está na promoção das práticas sustentáveis, na fiscalização e aplicação das leis ambientais e no apoio de alternativas econômicas que valorizem a proteção da biodiversidade e dos ecossistemas. A adoção de medidas eficazes, a conscientização global e o compromisso com a sustentabilidade são fundamentais para assegurar que a Amazônia continue desempenhando seu papel vital na manutenção do equilíbrio ambiental.
Essa reportagem faz parte do especial Desenvolvimento predatório na Amazônia. Nele, a Rede Eclesial Pan-Amazônica REPAM-Brasil detalha os impactos dos grandes projetos de desenvolvimento na Amazônia. (ecodebate)
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