Pela primeira vez,
pesquisadores quantificaram o impacto da perda de vegetação e das mudanças
climáticas globais na floresta.
Um estudo liderado por
cientistas da Universidade de São Paulo (USP), no Brasil, fornece resultados
fundamentais para orientar estratégias eficazes de mitigação e adaptação. Esses
são os temas-alvo da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP30), programada
para novembro na metrópole amazônica de Belém, no estado do Pará, Brasil. Os
resultados do estudo foram publicados na última edição da Nature Communications
e estampados na capa.
Pesquisadores analisaram
dados ambientais, de mudanças atmosféricas e de cobertura do solo coletados ao
longo de um período de 35 anos (1985-2020) em uma área de aproximadamente 2,6
milhões de quilômetros quadrados na Amazônia Legal, uma zona criada pelo
governo brasileiro para fins de desenvolvimento regional que abrange todos os
nove estados onde o bioma Amazônia ocorre. Utilizando modelos estatísticos
paramétricos, eles desvendaram os efeitos da perda florestal e das mudanças na
temperatura, precipitação e taxas de mistura de gases de efeito estufa.
A precipitação diminuiu
aproximadamente 21 mm por ano durante a estação seca, com o desmatamento
contribuindo para uma redução de 15,8 mm. A temperatura máxima aumentou cerca
de 2°C, dos quais 16,5% foram atribuídos à perda de florestas e o restante às
mudanças climáticas globais.
“Vários artigos científicos
sobre a Amazônia já mostraram que a temperatura está mais alta, que as chuvas
diminuíram e que o período de seca aumentou, mas ainda não havia uma separação
entre o efeito das mudanças climáticas, causadas principalmente pela poluição
de países do Hemisfério Norte, e o desmatamento causado pelo próprio Brasil.
Por meio deste estudo, conseguimos separar e ponderar cada um desses
componentes, praticamente mostrando uma espécie de ‘conta a pagar’”, resume o
professor Luiz Augusto Toledo Machado.
Machado, pesquisador do
Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e colaborador do
Departamento de Química do Instituto Max Planck, na Alemanha, diz à Agência
FAPESP que os resultados reforçam a importância da preservação das florestas em
pé para manter a resiliência climática.
Pesquisas mostram que o
impacto do desmatamento é mais intenso nos estágios iniciais. As maiores
mudanças no clima local ocorrem quando 10% a 40% da floresta é perdida.
“Os efeitos das mudanças,
principalmente de temperatura e precipitação, são muito mais significativos nos
primeiros percentuais de desmatamento. Ou seja, temos que preservar a floresta;
isso é muito claro. Não podemos transformá-la em outra coisa, como pastagem. Se
houver algum tipo de exploração, ela precisa ser sustentável”, acrescenta o
professor Marco Aurélio Franco, do Instituto de Astronomia, Geofísica e
Ciências Atmosféricas (IAG) da USP.
Franco é o primeiro autor do
artigo e recebeu bolsa de pós-doutorado da FAPESP, que também apoiou o trabalho
por meio de outro auxílio (21/12954-5) do Centro de Pesquisa em Inovação em
Gases de Efeito Estufa (20/15230-5) e do Programa de Pesquisa em Mudanças
Climáticas Globais – RPGCC (22/07974-0).
Sendo a maior e mais
biodiversas floresta tropical do mundo, a Amazônia desempenha um papel
importante na regulação do clima global. Por exemplo, ela é responsável pelos
chamados “rios voadores” – cursos d’água invisíveis que circulam pela atmosfera
e abastecem outros biomas, como o Cerrado, bioma semelhante ao Cerrado
brasileiro. As árvores extraem água do solo por meio de suas raízes,
transportam-na para suas folhas e a liberam na atmosfera na forma de vapor.
No final do ano passado, um
grupo internacional de pesquisadores, incluindo Machado e o professor Paulo
Artaxo, também do Instituto de Física da USP, publicou um estudo na Nature. O
estudo mostrou pela primeira vez o mecanismo físico-químico que explica o
complexo sistema de formação de chuvas no bioma. Esse mecanismo envolve a
produção de nanopartículas de aerossóis, descargas elétricas e reações químicas
em grandes altitudes, entre a noite e o dia. O resultado é uma espécie de
“máquina” de aerossóis que produz nuvens (agencia.fapesp.br/54089).
No entanto, o desmatamento e
a degradação florestal contribuem para alterar esse ciclo de chuvas,
intensificando a estação seca localmente e aumentando os períodos de incêndios
florestais. Segundo dados do MapBiomas, rede colaborativa formada por
organizações não governamentais, universidades e startups de tecnologia que
mapeia a cobertura e o uso da terra no Brasil, a Amazônia brasileira perdeu 14%
de sua vegetação nativa entre 1985 e 2023, atingindo uma área de 553.000 km² –
equivalente ao território da França. A conversão de pastagens foi a principal
causa durante esse período. Apesar do desmatamento ter atingido seu segundo
menor nível entre agosto/2024 e julho/2025 – uma área de 4.495 km² – conter a
degradação, especialmente aquela causada pelo fogo, continua desafiador.
A estação seca, que ocorre entre junho e novembro, é quando os efeitos do desmatamento são mais perceptíveis, principalmente nas chuvas. Os efeitos cumulativos intensificam ainda mais a sazonalidade.
Desvendando os dados
Para chegar às suas
conclusões, os cientistas utilizaram equações de superfície paramétricas que
consideraram tanto as variações anuais quanto o desmatamento. Essas equações
permitiram distinguir as contribuições únicas das mudanças climáticas globais e
da perda de vegetação. Eles também utilizaram conjuntos de dados de
sensoriamento remoto e reanálises de longo prazo, incluindo classificações de
uso do solo produzidas pelo MapBiomas.
Além de analisar dados relacionados à precipitação e à temperatura, o grupo examinou dados de gases de efeito estufa. Concluíram que o aumento nos níveis de dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4) ao longo do período de 35 anos foi impulsionado quase inteiramente pelas emissões globais (mais de 99%). Observaram um aumento de aproximadamente 87 partes por milhão (ppm) para o CO2 e de cerca de 167 partes por bilhão (ppb) para o CH4.
O estudo analisou dados ambientais, de mudanças atmosféricas e de cobertura do solo de aproximadamente 2,6 milhões de quilômetros quadrados na Amazônia Legal brasileira ao longo de um período de 35 anos (1985-2020); imagem: Marco Aurélio Franco et al./ Nature Communications
“A princípio, esse resultado
parecia contradizer outros artigos que mostram o impacto do desmatamento na
redução da capacidade da floresta de remover CO2 da atmosfera. Mas
isso não ocorre porque a concentração de CO2 seja algo em larga
escala. Essas foram medições locais do fluxo de CO2. Em termos de
concentração, o aumento se deve predominantemente às emissões globais”,
acrescenta Machado.
Os pesquisadores alertam no
artigo que, se o desmatamento continuar descontrolado, a extrapolação dos
resultados sugere um declínio ainda maior na precipitação total durante a
estação seca e um aumento ainda maior na temperatura.
Estudos recentes indicam que o desmatamento na Amazônia está alterando os padrões das monções na América do Sul, que trazem chuvas abundantes para o centro e sudeste do Brasil durante o verão. Essas alterações resultam em condições mais secas que podem comprometer a resiliência da floresta a longo prazo. Eventos extremos, como as secas de 2023 e 2024, apenas agravam a situação.
Tanto o desmatamento como a degradação da Amazônia têm impacto no clima, reduzindo a evapotranspiração das plantas, alterando os padrões de precipitação, aumentando a incidência de secas e de chuvas muito intensas. Cientistas têm alertado sobre os efeitos da destruição do bioma no clima regional, nacional e global há décadas. (ecodebate)
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