As evidências científicas
mostram que a temperatura média do planeta está subindo e aumentando o degelo
dos polos, da Groenlândia e dos glaciares. Consequentemente, o nível dos
oceanos está se elevando e ameaçando as áreas litorâneas de todos os
continentes. Esta é uma verdade inconteste.
Porém, existem dúvidas sobre
o ritmo futuro do aquecimento global e da elevação do nível dos oceanos. Estes
processos serão mais rápidos se nada for feito para conter as emissões mundiais
de gases de efeito estufa e serão mais lentos se a humanidade conseguir colocar
em prática as ações de mitigação do aquecimento médio do planeta.
A anomalia média da
temperatura de 2023 e 2024 já ultrapassou a marca de 1,5ºC em relação ao
período pré-industrial, que é o limite mínimo do Acordo de Paris. Diversas
projeções indicam que o limite máximo de 2ºC pode ser atingido na próxima
década. Portanto, o cenário climático já é bastante preocupante.
Os professores Orrin Pilkey,
da Universidade de Duke, nos EUA, e Andrew Cooper, da Universidade de Ulster,
no Reino Unido, lançaram o livro “The Last Beach” (2014) mostrando que as
intervenções humanas nas áreas costeiras, junto com a elevação do nível do mar
e as tempestades e furacões por conta das mudanças climáticas, estão provocando
vasta erosão de areia em direção ao fundo dos oceanos, promovendo a “varredura”
do solo costeiro. Para eles a sentença de morte já foi proclamada para grandes
extensões de praias densamente povoadas.
O litoral brasileiro, com seus mais de 8.500 km de extensão, enfrenta um desafio crescente com o avanço do mar e a erosão costeira. Esse fenômeno, intensificado pelas mudanças climáticas e pela intervenção humana, tem transformado a paisagem de diversas praias e cidades, causando prejuízos econômicos e sociais significativos.
Há cerca de 10 anos, escrevi no Portal Ecodebate, o artigo “O fim da Barra da Tijuca? ” (Alves, 05/10/2016) mostrando que “As praias do Rio de Janeiro e da maioria das cidades do planeta correm o risco de serem varridas do mapa. Este processo pode ser socialmente grave na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que é a maior e mais complexa aglomeração urbana da zona costeira brasileira, com mais de 12 milhões de habitantes. De todas as zonas ameaçadas, a Barra da Tijuca e arredores é, entre os grandes bairros da Cidade Maravilhosa, a área mais vulnerável ao avanço do nível do mar e às inundações provocadas por ressacas, chuvas e tempestades”.
Um exemplo de degradação
decorrente da crise climática ocorre na Praia da Macumba que sofre com erosão
costeira provocada por ressacas, obras mal planejadas e descaso ambiental,
correndo o risco de desaparecer no Rio de Janeiro. Outro exemplo ainda mais
grave ocorre na praia de Atafona, um distrito de São João da Barra, no estado
do Rio de Janeiro. Nos últimos 30 anos, o nível do mar na região subiu 13
centímetros, com projeção de até 21 centímetros até 2050. A paisagem do local
foi drasticamente alterada, com ruas, casas e infraestruturas sendo engolidas
pelas águas. Estima-se que mais de 500 construções já tenham sido destruídas.
A situação de Atafona não é
um caso isolado. Cerca de 40% da costa brasileira enfrenta problemas de erosão
costeira. Diversas outras praias e cidades estão sendo impactadas, com a praia
do Saco (Estância, Sergipe), onde os moradores perderam suas casas para as
ondas. Praia do Icaraí (Caucaia, Ceará), onde a destruição já causou prejuízos
milionários, com barracas e estabelecimentos sendo engolidos pelo mar. Em
Natal, as praias de Pitinga e Ponta Negra já sofrem com a diminuição da faixa
de areia e construções ameaçadas. No litoral da Bahia cerca de 20% dos 932 km
de litoral já estão atingidos pela erosão. Para combater essa perda de areia e
proteger a infraestrutura urbana (prédios, calçadões, hotéis), praias famosas
como Boa Viagem em Recife e Iracema em Fortaleza implementam obras de
contenção, como os entroncamentos (paredões de pedras), espigões (estruturas
que avançam mar adentro para reter sedimentos) e paredões (muros paralelos à costa).
A luta contra o avanço do mar é constante.
O gráfico abaixo mostra que o
volume global de gelo marinho tem diminuído de forma acelerada nos últimos 30
anos. A diminuição acelerada do volume de gelo marinho é um forte sintoma do
aquecimento global. Embora seu derretimento não seja a principal causa da
elevação do nível do mar (essa é uma função do derretimento do gelo terrestre e
da expansão térmica da água), ele desencadeia uma cascata de feedbacks e
impactos que exacerbam as mudanças climáticas, afetam ecossistemas e alteram
padrões climáticos globais, tornando a situação ainda mais urgente e complexa.
A perda de gelo das gigantescas camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida quadruplicou desde a década de 1990 devido à crise climática e agora é o principal fator responsável pela elevação do nível do mar. O mundo caminha para um aquecimento global de 2,5ºC a 2,9ºC, o que quase certamente ultrapassaria os pontos de ruptura para o colapso das camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida Ocidental. O derretimento dessas camadas de gelo levaria a uma elevação realmente do nível do mar. A última vez que os níveis de CO2 na atmosfera foram tão altos quanto hoje, há cerca de 3 milhões de anos, o nível do mar subiu de 10 a 20 metros.
Gráfico por Zachary Labe
Um estudo publicado
recentemente na revista Communications Earth & Environment (Stokes et al.
2025) trouxe um alerta perturbador sobre os efeitos da crise climática no
degelo das calotas polares e dos glaciares no aumento do nível do mar. De
acordo com o artigo, nem mesmo o limite de aquecimento a 1,5°C acima dos níveis
pré-industriais, como define a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris, seria
suficiente para evitar o colapso acelerado das geleiras nas regiões polares.
Uma elevação do nível do mar
de cerca 1 a 2 centímetros por ano nas próximas décadas poderia resultar em um
aumento de 1 a 2 metros até 2100, ritmo que supera a capacidade de adaptação de
muitas comunidades costeiras. Grandes cidades como Santos, Recife e Rio de
Janeiro além de perderem as praias, perderiam também a infraestrutura de
transporte e ficariam profundamente abaladas nas atividades do dia a dia. A
continuar este processo, o cenário no século XXII seria catastrófico.
O estudo de Stokes e colegas (2025) deixa claro que a elevação do nível do mar se tornará incontrolável com apenas 1,5°C de aquecimento global e levará a uma “migração interior catastrófica”. Hoje, cerca de 230 milhões de pessoas vivem a menos de 1 metro acima do nível do mar atual e 1 bilhão vive a menos de 10 metros acima do nível do mar. Mesmo uma elevação de apenas 20 cm do nível do mar até 2050 resultaria em danos globais por inundações de pelo menos US$ 1 trilhão por ano para as 136 maiores cidades costeiras do mundo, além de enormes impactos na vida e nos meios de subsistência das pessoas.
As atividades industriais e econômicas adicionaram ao oceano o equivalente energético de quase 2 bilhões de bombas atômicas desde a assinatura do Acordo de Paris. O conteúdo de calor do oceano em 2025 (até uma profundidade de 2000 metros) era cerca de 104 zettajoules maior do que em 2015, o que equivale a aproximadamente 1,7 bilhão de bombas atômicas como as lançadas sobre Hiroshima em 1945. Cerca de 5 bombas por segundo.
Pesquisadores do Laboratório
Marinho de Plymouth, no Reino Unido, identificaram que a acidificação dos
oceanos ultrapassou os limites para o equilíbrio planetário em 2020. O estudo
analisou materiais coletados nos últimos 150 anos com técnicas de medição e
novos modelos computacionais. A acidificação representa o 7º limite planetário
já excedido, conforme o conceito criado em 2009 por cientistas do Centro de
Resiliência de Estocolmo para monitorar 9 fenômenos resultantes da ação humana.
Este fato ameaça a vida marinha e pode provocar um ecocídio em larga escala.
“Emerging evidence of abrupt
changes in the Antarctic environment”, publicado na Nature (Abram et al.
20/08/2025) mostra que o ambiente antártico está passando por “mudanças
rápidas, interativas e, às vezes, autoperpetuantes”. O estudo afirma que a
“mudança de regime” está aumentando o risco de elevação significativa do nível
do mar e a extinção de espécies, incluindo os pinguins-imperadores.
Diante deste quadro
desafiador, cresce a importância da COP30, que será realizada em Belém (PA), em
novembro/2025. O principal objetivo da Conferência é tomar ações para mitigar o
crescimento das emissões de gases de efeito estufa, para limitar o aquecimento
global e para evitar a subida do nível dos mares, assim como evitar a 6ª
extinção em massa das espécies.
Nos 10 anos do Acordo de Paris, a governança global precisa repensar os fracassos recentes e tomar medidas para garantir a continuidade da civilização humana e a sobrevivência das diversas formas de vida do Planeta.
Só existe um planeta Terra e não há futuro para a humanidade em uma situação de desequilíbrio ambiental e de terra arrasada. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário