segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Créditos de carbono para redução de emissões de CO2 na China: Aquecimento global ou mera retórica?

Poluição do ar em cidade chinesa. Recentemente, a China ultrapassou os EUA como a maior emissora de gases do efeito estufa. A China ganha bilhões com a venda de carbon-offsets (créditos de carbono; instrumentos financeiros criados com o objetivo de reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa). Mas, ao assumir crédito por projetos que, independentemente da questão climática, teriam sido de qualquer forma construídos, Pequim pode não estar jogando de acordo com as regras. Nas colinas cobertas de florestas próximas à cidade de Harbin, na província de Heilongjiang, no nordeste do país, empresas chinesas estão construindo enormes turbinas eólicas que girarão 24 horas por dia para gerar energia limpa. O projeto representa a esperança de que a China, que recentemente superou os Estados Unidos como a maior fonte mundial de gases causadores do efeito estufa, tenha realmente abraçado o ambientalismo. As 29 turbinas que deverão ser instaladas perto de Harbin representam também algo mais: a ideia amplamente aceita de que as forças do mercado podem ser utilizadas para ajudar na luta contra a alteração climática global. Segundo o tratado internacional conhecido como Protocolo de Kyoto, as empresas que transformam energia eólica em elétrica estão vendendo “créditos de carbono” que refletem as suas reduções de emissões de dióxido de carbono e outros gases que capturam calor na atmosfera terrestre. Compradores corporativos e governamentais de países industrializados pagam pelos créditos como forma de obedecer às regras do Protocolo de Kyoto referentes à alteração climática. As verbas geradas deveriam encorajar projetos adicionais de energia verde sem obrigar os donos de velhas fábricas e usinas de energia a fecharem as suas instalações ou a implementarem caras reformas. Os créditos vendidos segundo o pacto de Kyoto geraram no ano passado quase US$ 7 bilhões (R$ 12,4 bilhões) em todo o mundo. Pequim ficou com quase dois terços do total de rendas com o comércio de carbono desde 2002. Infelizmente, onde quer que tenham sido usados, os créditos de carbono foram objeto de manipulação. Em 4 de dezembro último, o comitê da Organização das Nações Unidas (ONU) que supervisiona o comércio internacional desses créditos recusou-se a aprovar dez usinas eólicas chinesas, incluindo o complexo em Harbin. A ONU acredita que estes projetos chineses teriam sido implementados mesmo sem as rendas obtidas com os créditos. Se isso for verdade, as vendas de créditos não estimulariam a produção de energia limpa adicional. Os compradores de créditos receberiam direitos ambientais destituídos de valor verdadeiro, e as corporações chinesas obteriam um benefício imerecido. “Esta é a versão do século 21, referente às políticas climáticas, da tradicional venda de ‘óleos curativos milagrosos’ por parte de mascates”, diz Michael Dorsey, professor de estudos ambientais da Universidade Dartmouth. Funcionários da Comissão Nacional de Reforma e Desenvolvimento da China, que supervisiona as ambiciosas metas do país para a ampliação do uso de energia renovável, não respondeu às várias mensagens telefônicas solicitando comentários sobre a decisão da ONU. Offsets sem benefícios Apesar do potencial para a exploração do mercado de carbono, representantes de 192 nações estão discutindo formas de expandir este mercado na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, em Copenhague, que terminará em 18 de dezembro. Enquanto isso, o Senado dos Estados Unidos deverá cogitar no início do ano que vem a aprovação de amplos projetos de lei que incluam provisões permitindo que as indústrias evitem certas normas para a redução da poluição por meio da compra de créditos de carbono. Desde que o Protocolo de Kyoto foi assinado, em 1997, muitos economistas, ambientalistas e políticos endossaram a ideia de que a venda de vários tipos de créditos de carbono (também chamados de offsets) constitui-se em um meio eficiente de alocar fundos para os projetos de energia limpa mais viável em todo o mundo. Atualmente existem vários sistemas de comércio desses créditos; a ONU supervisiona aqueles que operam de acordo com o que ficou estabelecido no acordo de Kyoto. O sucesso disso, no entanto, baseia-se em créditos que estimularem atividades que não teriam ocorrido na ausência de incentivos financeiros especiais. David G. Victor, professor da Escola de Relações Internacionais e Estudos do Pacífico da Universidade da Califórnia em San Diego, calculam que entre um terço e dois terços de todos os créditos de carbono concedidos a países em desenvolvimento segundo o que está previsto no acordo de Kyoto beneficiaram empresas cujos projetos teriam sido construídos mesmo sem esses créditos. “Os créditos de carbono oferecem às corporações a promessa de que elas levarão vantagem em qualquer circunstância”, diz Michael W. Wara, professor de direito da Universidade de Stanford especializado em políticas ambientais. “O problema é que eles não funcionam muito bem”. Burlando o sistema? As dez usinas eólicas chinesas foram rejeitadas, em parte, porque os funcionários da ONU temem que Pequim esteja na verdade reduzindo o seu apoio financeiro à energia eólica em uma tentativa de ajudar os projetos de energia limpa do país a qualificarem-se para os pagamentos de carbono recebidos do exterior. O governo chinês pode estar fazendo tal coisa por meio da redução dos valores que serão pagos às usinas eólicas pela eletricidade gerada, segundo os funcionários da ONU. Os construtores da usina eólica de Harbin estimavam inicialmente que o projeto renderia a eles um lucro anual de 8,76%. Isso faria com que a usina eólica não se qualificasse para receber os fundos de carbono, já que o índice máximo para que uma empresa beneficie-se das vendas de créditos de carbono é de 8%. O governo chinês aparentemente respondeu à situação reduzindo o valor que ele deveria pagar pela eletricidade de Harbin, reduzindo a margem de lucro do projeto para menos de 8%. Em 4 de dezembro, a ONU anunciou que colocaria um fim àquilo que parecia ser a tentativa por parte da China de burlar o sistema. Lex de Jonge, presidente do comitê da ONU que fiscaliza os créditos de carbono, disse em uma declaração que o seu departamento “tem que preservar a integridade ambiental do mercado de carbono”. Ele acrescentou: “Isso significa registrar somente os projetos que apresentariam reduções de emissão adicionais quando comparadas àquelas que ocorreriam sem que houvesse o projeto”. Alguns financiadores da energia eólica que seriam beneficiados por um robusto mercado de carbono contestam a lógica da ONU. Segundo eles, a rejeição dos créditos de carbono para os projetos chineses assustará os investidores em energias renováveis. “Sem essas rendas (derivadas das vendas de créditos), muitos investidores sairão deste mercado”, adverte Steve Lyons, conselheiro geral da China Wind & Energy, uma companhia de Hong Kong que ajuda a construir usinas eólicas na China. “Para os construtores internacionais, o retorno não será suficientemente elevado sem os créditos de carbono”. Pequim pode não ser o único governo que recua de uma posição pró-ambientalistas devido ao desejo de gerar créditos lucrativos de carbono. A Nigéria está encorajando a empresa estatal Nigerian National Petroleum Corporation e outras companhias petrolíferas do país a buscarem créditos pela redução da queima de gás natural, um subproduto da prospecção de petróleo. A queima gera grandes quantidades de gases que capturam calor, o que contribui para a mudança climática. Mas a queima de gás já está proibida na Nigéria. Agora a companhia petrolífera nacional está fazendo um lobby contra uma nova legislação que reforçaria a proibição, de forma que o pais possa beneficiar-se das vendas de créditos de carbono. O diretor-geral da Nigerian National Petroleum, Mohammed S. Barkindo, defendeu a estratégia em uma conferência sobre a alteração climática em Abuja, realizada em novembro passado. Segundo a publicação nigeriana NEXT, qualquer medida ou legislação para abolir a queima de gás enfraquecerá o critério para o registro de projetos junto à ONU para a venda de créditos. Levi Ajuonuma, porta-voz da companhia nacional de petróleo nigeriana, diz que está procurando a melhor maneira de reduzir a queima de gás. Os principais motivos para a busca dos créditos de carbono não são financeiros, são ambientais. No entanto, Victor, o professor da Universidade da Califórnia, adverte que a distorção dos efeitos do comércio de créditos de carbono está apenas começando. “Não é de se surpreender”, afirma Victor. “Os incentivos para que se faça isso têm um valor de bilhões de dólares”.

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