domingo, 13 de dezembro de 2009

Recuo das geleiras no Himalaia pesa sobre o futuro da Ásia

Neve a 5.606 metros de altitude? Não, quase nenhuma. A passagem de Khardung La, no distrito de Ladakh, no norte da Índia, pode ser a estrada transitável mais elevada do mundo, mas a neve não domina por lá. O ar é rarefeito, o céu imaculado, e os militares que vigiam essa passagem que leva à cordilheira de Karakoram, na direção da China, examinam com paciência as colinas nuas e silenciosas. Mas, assim como em todo o Ladakh, as montanhas são escuras e secas, suas encostas raramente cobertas por uma fina camada de neve. E a geleira de Khardung La? Ah, a geleira fica mais longe, explicam na estrada de Nubra. “As pessoas que se lembram dizem que era muito maior antigamente”, diz Tundup Ango, da associação francesa Geres. “Mas é por causa da mudança climática ou do tráfego sobre a estrada recentemente construída que a atravessa?” Reportagem de Hervé Kempf, enviado especial a Khardung La (Jammu e Caxemira), no Le Monde. Essa pergunta, sem resposta definitiva, talvez possa ser feita em relação a todo o maciço himalaio: as geleiras estão derretendo em massa ou não? A questão é de importância vital para mais de 1 bilhão de habitantes na Índia, no Paquistão, em Bangladesh, no Tibete e na China. Recobrindo quase 3 milhões de hectares, as 15 mil geleiras do Himalaia formam a terceira maior massa glaciar do mundo, atrás dos pólos. Com a neve acumulada, o maciço montanhoso armazena 12 mil km3 de água doce e constitui o reservatório dos grandes rios Indo, Ganges, Bramaputra, Yang-Tsé, Amarelo e Mekong. Em 2005, um relatório do WWF (Fundo Mundial para a Natureza) alertava sobre a ameaça que o aquecimento global fazia pesar sobre essa massa glacial. Um alerta repetido em 2007 no relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês): “As geleiras do Himalaia estão recuando mais rápido do que em qualquer outro lugar do mundo, e se isso continuar no ritmo atual, a maioria delas terá desaparecido em 2035″, diz o relatório. Extensão incerta Mas a questão é mais complicada do que parece, porque a situação não é idêntica em todos os pontos do maciço. Pequenas geleiras, como em Gangotri e em Kafni, no Estado de Uttarakhand, bem estudadas pelos pesquisadores apoiados pelo WWF, estão derretendo rapidamente. Mas outras, como a imensa geleira Siachen, situada a cerca de cem quilômetros de Khardung La, parecem estáveis (”Current Science”, 10/03/09). “Os dados sobre os quais o IPCC se baseava eram muito poucos”, diz Syed Iqbal Hasnain, um renomado glaciologista indiano. “Nas quatro geleiras que acompanhamos regularmente, observa-se um recuo. Mas é difícil extrapolar.” Vários fatores encorajam a prudência. Primeiro, a própria massa do maciço, que significa que o que é verdade em um lugar pode não ser em outro. Segundo, ainda não é possível articular bem os dados de campo, esparsos demais, e as observações por satélites, ainda pouco numerosas e nem sempre confiáveis. Outro problema: as equipes chinesas e indianas podem não colaborar muito bem, por causa de preocupações militares. “Meus colegas de Pequim estão pessimistas”, afirma Hasnain: “eles preveem uma redução de 45% da massa das geleiras em 2070. Mas seria necessário que pudéssemos visitar mutuamente nossas geleiras”. Ainda que a extensão previsível do recuo das geleiras seja incerta, o movimento é atestado. E outros índices o confirmam, como o aquecimento observado pelos habitantes de Ladakh. “Nós fizemos um estudo sobre a percepção da mudança climática entrevistando anciões e camponeses famosos por seu conhecimento”, diz Tundup Ango. “Todos falam de uma redução das precipitações de neve nas últimas décadas, e de um recuo das pequenas geleiras dos vales”. A falta de água, em um país já bastante seco, torna-se muito preocupante. Surgem também acontecimentos jamais vistos até onde a memória do homem alcança, como inundações em Leh, capital de Lakdah, em 2004 e 2005, ou uma invasão de gafanhotos em 2005. Quanto à causa da mudança, ela ainda deve ser explicada. O aquecimento global exerce um papel, certamente, mas também o “carbono negro”, partículas de fuligem emitidas pelo diesel e pelos lares domésticos que queimam lenha e esterco. Sua importância foi enfatizada por outro acadêmico indiano, V. Ramanathan: “Quando cai sobre a neve”, ele explica em Nova Déli, “o carbono negro a escurece, e a neve reflete menos o sol, e ela se aquece e tende a derreter”.Essa causa do aquecimento poderia ser controlada de forma bastante simples, diz Ramanathan, colocando filtros nos motores a diesel e trocando o modo de combustão das casas. Um verdadeiro desafio para a Índia, que a obrigaria a agir em casa, sem se contentar em atribuir a responsabilidade da mudança climática aos países desenvolvidos. Mas é certamente seu futuro que está em jogo nas alturas do Himalaia.

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