terça-feira, 13 de setembro de 2011

Hidrelétricas e os gases de efeito estufa

Hidrelétricas construídas em áreas tropicais emitem mais gases de efeito estufa
Considerada por muitos ambientalistas como a fonte de energia mais limpa do mundo, a hidrelétrica polui quatro vezes mais do que o estimado, revela estudo realizado pelo Instituto Catalão de Ciências do Clima – IC3 e pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa, do Brasil. As usinas construídas em áreas tropicais, como a da floresta amazônica, “são as que mais emitem gases de efeito estufa”, informa Philip Fearnside em entrevista à IHU On-Line concedida por telefone.
O biólogo explica que “o metano é liberado pela água que sai das turbinas e o gás carbônico é emitido quando folhas e plantas apodrecem na beira dos rios”. No Brasil, a hidrelétrica de Três Marias, construída na década de 1960, em Minas Gerais, “é a campeã de emissões de metano”, assinala.
Na estimativa do pesquisador, na primeira década de funcionamento, Belo Monte e a barragem de Babaquara “emitirão o equivalente a 11,2 milhões de toneladas de carbono em forma de CO2 por ano”, gerando mais poluição do que a cidade de São Paulo. Depois de 41 anos emitindo poluentes, as hidrelétricas começarão “a gerar benefícios industriais”, avalia.
Philip Fearnside é graduado em Biologia pelo Colorado College, nos Estados Unidos, e especializou-se em Sistemas de Informações Geográficas, pela USP. Possui mestrado em Zoologia e doutorado em Ciências Biológicas, pela University of Michigan, nos Estados Unidos. Atualmente, é professor da Universidade Federal do Amazonas e pesquisador do CNPq e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Segundo o resultado do estudo que o senhor realizou, as hidrelétricas emitem quatro vezes mais gases de efeito estufa do que se imaginava. O que o estudo revela sobre a sustentabilidade das hidrelétricas?
Philip Fearnside – A pesquisa mostra que os cálculos da Eletrobrás tinham erros matemáticos e um deles era em relação à quantidade de metano emitido das superfícies dos reservatórios. Os cálculos matemáticos demonstravam que a emissão de metano estava diminuindo, quando, na verdade, estavam aumentando.
O primeiro inventário brasileiro sobre as consequências dos gases de efeito estufa, apresentado na conferência do clima, demonstrou que uma grande quantidade de gases de efeito estufa está concentrada na água e que os gases são emitidos pelas turbinas das hidrelétricas. O metano é um gás mais poluente do que gás carbônico e se forma em locais onde não há oxigênio como, por exemplo, nos niveladores das hidrelétricas.
Se formos fazer uma comparação entre a poluição e a geração de energia, é possível dizer que as hidrelétricas da Amazônia emitem mais gases de efeito estufa do que geram energia. A estimativa é de as hidrelétricas de Belo Monte e Babaquara, em Altamira, demorarem 41 anos para começar a gerar benefícios industriais, mas, até lá, as usinas emitirão muitos gases.
O governo brasileiro está investindo em hidrelétricas e argumenta que o setor produz energia verde. Na verdade, não se trata disso. A emissão dos gases de efeito estufa precisa ser controlada imediatamente, porque a floresta amazônica está em risco.
IHU On-Line – Como ocorre a emissão de gases de efeito estufa a partir das hidrelétricas?
Philip Fearnside – Os gases de efeito estufa são liberados de várias maneiras. O metano é liberado pela água que sai das turbinas. O gás carbônico é emitido quando folhas e plantas apodrecem na beira dos rios. Esses gases são responsáveis por cerca de 20 a 30% das emissões.
IHU On-Line – A emissões de gases de efeito estufa dos reservatórios das hidrelétricas foram identificadas nas usinas brasileiras?
Philip Fearnside – Sim. Estudamos as hidrelétricas brasileiras nesta pesquisa. Há diferença na emissão de gases de uma hidrelétrica construída em um lago e de uma hidrelétrica construída em uma floresta. As hidrelétricas construídas em áreas tropicais, como a Amazônica, são as que mais emitem gases de efeito estufa.
Hidrelétricas instaladas fora da Amazônia também emitem poluentes, mas em nível menor. Dados de pesquisas demonstram que a água que sai das turbinas da hidrelétrica de Balbina, próxima a Manaus, emite muitos gases de efeito estufa. Outra pesquisa averiguou que hidrelétricas da Guiana Francesa também emitem poluentes, especialmente uma que foi construída em 1994 e que é monitorada constantemente. Os dados mostram que houve grande emissão de gases nos primeiros anos de funcionamento da usina, a qual foi diminuindo com o passar do tempo. Entretanto, toda a vez que o lago enche, ocorre um pico de emissão de gases. Isso demonstra que a hidrelétrica continua emitindo gases de efeito estufa ao longo dos anos.
No Brasil, a hidrelétrica de Três Marias, construída em 1962, em Minas Gerais, é a campeã de emissões de metano, de acordo com o primeiro relatório brasileiro de efeito estufa, elaborado em 2004. Essa hidrelétrica foi construída em área de Cerrado e, embora seja antiga, ainda emite muitos gases de efeito estufa. Entre o nível de água mais alto e o mais baixo da hidrelétrica de Três Marias, há uma distância de nove metros. Em função disso, forma-se, em volta do lago, um lamaçal onde crescem gramíneos e ervas. Quando o nível da água do lago sobe, todas essas plantas ficam no fundo do lago, onde apodrecem e se transformam em metano. Segundo o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC, cada tonelada de metano tem 25 vezes mais impacto do que uma tonelada de CO2. Uma pesquisa mais recente indica que o metano é 104 vezes mais poluente que o gás carbônico.
IHU On-Line – É possível estimar que percentual de gases de efeito estufa será emitido por Belo Monte?
Philip Fearnside – Nos anos 2000 foi feito um levantamento e constatado que existiam 217 hidrelétricas no Brasil, as quais ocupam uma extensão de 33 mil km², ou seja, uma área do tamanho da Bélgica ocupada apenas por água.
Calculo que Belo Monte, mais a barragem de Babaquara, na primeira década de funcionamento, emitirão o equivalente a 11,2 milhões de toneladas de carbono em forma de CO2 por ano. As duas usinas poluirão mais do que a cidade de São Paulo.
IHU On-Line – O senhor teve acesso ao projeto original de Belo Monte? Que impactos prevê com a construção da usina?
Philip Fearnside – Belo Monte será um problema econômico para o Brasil. Explico: durante o ano, a quantidade de água do rio Xingu varia consideravelmente. Nos picos de enchente, o rio enche 60 vezes mais do que no período de secas. Entretanto, durante quatro meses do ano, o rio enche pouquíssimo e não há água suficiente para rodar a turbina de 11 mil megawatts. As turbinas são as peças mais caras de uma hidrelétrica. Portanto, deixá-las inativas durante quatro meses acarreta um custo oneroso.
Em função dos meses de seca, Belo Monte não será suficiente para gerar energia e, portanto, o governo terá de construir outras hidrelétricas no curso do rio, as quais causarão impacto nas áreas indígenas e nas florestas tropicais, além de gerarem mais gases de efeito estufa.
A construção de novas hidrelétricas não fazia parte do Plano de Belo Monte. Entretanto, o governo e as construtoras estavam fingindo que seria construída apenas uma usina hidrelétrica. As 20 mil páginas do projeto de Belo Monte viraram uma obra de ficção.
IHU On-Line – No Plano de Expansão Energético de 2020, o governo estima construir 48 novas hidrelétricas na Amazônia. Como vê a posição do Brasil de expandir a energia hidrelétrica, especialmente em áreas florestais?
Philip Fearnside – Essa política de expansão energética está muito mal pensada, pois não considera os impactos ambientais, sociais e econômicos. Essas novas hidrelétricas causarão danos às pessoas que vivem nas áreas florestais.
Outra polêmica é em relação ao uso dessa energia. Ela servirá para favorecer a fabricação e exportação de lingotes de alumínio. Belo Monte é o caso mais emblemático, porque fábricas de alumínio serão beneficiadas com a construção da hidrelétrica.
O Brasil produz alumínio suficiente para a demanda interna. Portanto, ao expandir a produção do produto e vendê-lo como commodity, o país estará exportando energia elétrica e não minério. O Brasil poderia exportar aviões fabricados pela Embraer, que são feitos de alumínio, em vez de vender a matéria-prima. Isso geraria empregos no país e essa é uma decisão política. Os 30 bilhões destinados à construção de Belo Monte, se investidos adequadamente em outros setores da economia, poderiam gerar mais emprego no Brasil, já que a construção das hidrelétricas cria poucos empregos: são 2,7 empregos para cada gigawatts/hora de energia. Portanto, são muitas as razões que nos levam a repensar esse projeto de ampliação das hidrelétricas na Amazônia.
IHU On-Line – O senhor defende uma mudança na economia amazônica a partir do desenvolvimento de serviços ambientais na floresta. Em que consiste sua proposta?
Philip Fearnside – Os serviços ambientais são benefícios proporcionados pela floresta, os quais favorecem a manutenção da vida no planeta: a biodiversidade, o ciclo de água, que é importante para as chuvas, o ciclo dos ventos etc. Esses serviços trazem mais benefícios sociais e econômicos do que a destruição da floresta. É preciso pensar em mudanças econômicas para transformar esses serviços ambientais em fluxo monetário e, assim, manter a floresta em pé.
IHU On-Line – Quais são os principais erros e acertos da política ambiental brasileira?
Philip Fearnside – Houve muito progresso ao longo dessas duas décadas. Criou-se o Ministério do Meio Ambiente e outras estruturas governamentais de defesa à sustentabilidade. A sociedade civil também se manifestou e foram criadas centenas de organizações não governamentais em defesa da Amazônia e das florestas tropicais. Por outro lado, intensificaram-se a destruição e o desmatamento do meio ambiente. Nos últimos 35 anos, tempo em que moro na Amazônia, já desmataram uma área florestal maior que a do território francês. A extensão da floresta amazônica brasileira é aproximadamente a mesma da Europa Ocidental. Então, dá para se ter uma ideia do que aconteceu.
Belo Monte também é um equívoco, especialmente porque atropelou e ignorou todo o sistema de licenciamento brasileiro: quarenta condicionantes do IBAMA e 26 condicionantes da Funai. Para que valem as condicionantes, se é possível fazer as obras de qualquer forma?
A aprovação do novo Código Florestal pela Câmara dos Deputados também é um erro. É importante que o debate sobre o tema continue para reiterar o conhecimento científico sobre os impactos ambientais deste projeto, e para que a sociedade não perca a floresta, os rios, as áreas de preservação, que têm um valor ambiental muito mais valioso do que o valor ganho no curto prazo pela exploração ambiental. (EcoDebate)

Um comentário:

Fabio Gino disse...

Ou sr. Philip Fearside (que nome estranho "lado do medo")é desinformado, ou mal intencionado. Uma hidrelétrica na Amazônia produz os mesmos produtos e impactos de qualquer local. As folhas que apodrecem nas margens, apodrecem nas margens dos rios e dos reservatórios. Turbina emitindo metano?? CH4?? Onde a turbina encontra carbono para combinar com H?? Então, devemos nos preocupar com as hélices das milhões de embarcações pelo mundo...
Como esse blog pretende existir sem energia elétrica??
As grandes hidrelétricas são vantagens comparativas imensuráveis do Brasil. devem ser construídas com excessivo cuidado desvencilhadas dos interesses das grandes construtoras e grandes consumidores. Contudo, devem ser tratadas como projeto de desenvolvimento local, regional e nacional. A construção e operação das hidrelétricas devem reunir diversos segmentos em torno do projeto de desenvolvimento. (Diferentemente de ficar dando dinheirinho aqui e ali para os grupos mais barulhentos.)
O benefício adicional que as hidrelétricas devem trazer para sociedade é a defesa incondicional de sua matéria prima - a água. E, consequentemente, a defesa dos rios, das florestas e do eco sistema que está sendo degradado criminosamente pelo desmatamento, pelas queimadas, pela poluição das águas e pela degradação dos rios..

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