“A pegada hídrica também funciona como um instrumento educativo, pois
faz com que as pessoas prestem atenção na maneira como consomem a água”, aponta
a engenheira agrônoma.
Para garantir a
gestão eficiente da água e avançar nas estratégias de conservação e melhor
utilização dos recursos hídricos, ambientalistas do mundo todo apostam na
pegada hídrica, uma metodologia “desenvolvida com o objetivo de quantificar a
quantidade de água que é alocada durante o processo produtivo”, explica Vanessa Empinotti à IHU On-Line, em entrevista concedida
por telefone. Para ela, o cálculo da pegada hídrica é fundamental e contribui
para garantir a governança da água, pois além de calcular a quantidade de água
gasta na produção de bens de consumo, funciona como uma “ferramenta de gestão,
que nos mostra como se está utilizando a água e como indicativos de quais ações
devem ser tomadas para aumentar a eficiência de uso dos recursos hídricos”.
Na entrevista a
seguir, a pesquisadora informa que, embora a pegada hídrica já seja reconhecida
como um indicador eficiente para garantir o uso eficiente da água, os chefes de
Estado ainda estão “muito cautelosos” em relação ao tema, pois consideram que o
uso correto da água “impacta na geração de riquezas e na economia”.
Vanessa é
engenheira agrônoma, graduada pela Universidade Federal do Paraná, mestre pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e doutora em Ciência
Ambiental e Geografia pela Universidade do Colorado, EUA. Atualmente cursa o
pós-doutorado na Universidade de São Paulo – USP.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que é
a pegada hídrica?
Vanessa Empinotti – É
uma metodologia desenvolvida com o objetivo de quantificar a quantidade de água
que é alocada durante o processo produtivo. Portanto, a pegada hídrica
considera três tipos de água: a azul, a verde e a cinza. A água azul
corresponde à àgua retirada de rios, reservatórios e água subterrânea, que são
os corpos d’água, e é utilizada para a produção de um bem. A água verde
representa a água que vem da chuva e se acumula no solo; essa tem uma relação
principalmente com as plantas e é retirada via evaporação e transpiração. A
água cinza está relacionada à quantidade de água necessária para diluir o
poluente, que é retornado para o sistema na forma de efluentes.
Então, o diferencial
dessa metodologia é o fato de não considerar somente a água que é retirada do
rio ou do reservatório para o processo produtivo, mas também a água verde e a
água cinza. O objetivo da pegada hídrica é mostrar o quanto de água é alocada
no processo produtivo e chamar a atenção para o fato de que ela vem de
diferentes fontes.
IHU On-Line – Todas essas cores de água são utilizadas nos processos produtivos?
Vanessa Empinotti–
Isso depende. Então, no setor agrícola consideramos normalmente os três tipos
de pegada hídrica. Quando a cultura agrícola é irrigada são consideradas as
pegadas azul e verde. A pegada cinza é calculada em função da lixiviação de
componentes presentes nos fertilizantes e agrotóxicos, e o quanto de água que
será necessário para diluir esses poluentes para que o corpo de água receptor
atinja novamente a qualidade de água exigida por lei. Já no processo
industrial, normalmente se consideram somente as águas azul e cinza, porque não
se utiliza a água armazenada no solo proveniente da chuva.
IHU On-Line – No caso da agricultura, qual o desafio em relação à
pegada hídrica? É possível utilizar mais a água verde do que a azul?
Vanessa Empinotti –
Os criadores da pegada hídrica sugerem que se utilizem diferentes fontes de
água, principalmente a água verde, que vem da chuva, porque ela está armazenada
no solo, diminuindo a necessidade de retirar água de reservatórios e dos rios.
Entretanto, nem
sempre é possível optar pela água da chuva, especialmente quando a plantação é
oriunda de uma região onde é necessária a irrigação. Nesses casos, o ideal
seria utilizar tecnologias que sejam altamente eficientes no uso da água para a
irrigação. A recomendação é que se utilize a irrigação, ou seja, a água azul
nos processos produtivos que geram produtos de valor agregado, que geram
empregos e riqueza para a região. Nesse sentido, a pegada hídrica vem adicionar
mais uma informação para auxiliar na tomada de decisões.
IHU On-Line – Ainda no caso da agricultura, há bastante adesão da água
verde no processo produtivo?
Vanessa Empinotti– No
Brasil, por exemplo, a produção de soja não depende de irrigação. O país é um
dos principais produtores de alimentos que dependem da pegada verde, ou seja,
da água da chuva. O Brasil tem uma vantagem enorme em relação a outros países,
porque utiliza a melhor fonte de água para produzir alimentos: a chuva.
IHU On-Line – Como a pegada hídrica é calculada no caso das empresas de
celulose? Como essas empresas têm feito esse cálculo ou se preocupado com essa
questão, considerando que a produção de silvicultura consome bastante água?
Vanessa Empinotti – A
silvicultura é como qualquer outra atividade agrícola. Algumas empresas no
mundo estão desenvolvendo cálculos dessa pegada hídrica, que consiste em
calcular a pegada da área florestal e depois da área industrial. Quer dizer,
tanto no viveiro como na área florestal e industrial, consideram-se os três
tipos de pegada hídrica para ter a pegada hídrica total. Então, por exemplo,
predominam nos viveiros a pegada azul e a pegada cinza, porque o viveiro é
coberto e irrigado. Já na floresta, as pegadas predominantes são a verde e a
cinza e, na indústria, a azul e a cinza. Considerando esses componentes, é
realizado o cálculo da pegada de um produto específico, do papel ou da
celulose, dependendo do interesse da empresa.
IHU On-Line – Qual é aproximadamente o cálculo da pegada hídrica das
empresas de celulose no Brasil?
Vanessa Empinotti–
Não podemos divulgar o valor da pegada hídrica, pois trata-se de estudos ainda
preliminares. Todavia, no site do Water Footprint Network tem um artigo que faz
uma estimativa do valor da pegada hídrica do papel. Mas é uma estimativa bem
geral, global, e que não leva em consideração as especificidades regionais e do
país em que está sendo feita. Ali é possível ter uma ideia da quantidade
alocada de água para produzir uma folha de papel.
IHU On-Line – Que setores têm preocupação em calcular a pegada hídrica
atualmente?
Vanessa Empinotti –
No Brasil, a pioneira nessa área é a Natura. Eles não consideram apenas a
produção do produto, mas também como ele é utilizado pelo consumidor. Ao
produzir um óleo para banho, por exemplo, eles mapeiam a quantidade de água que
foi alocada na produção dentro da indústria, e fazem uma avaliação da
quantidade de água que o consumidor irá gastar para utilizar o produto. Se o
óleo for muito pegajoso, a pessoa ficará mais tempo no banho para retirar o
óleo da pele. Essa metodologia proporciona repensar a fórmula do produto para
que o consumidor não precise gastar tanta água no momento em que for
utilizá-lo.
Internacionalmente,
empresas do setor alimentício estão desenvolvendo muitos trabalhos na área da
pegada hídrica. No setor de bebidas, o cálculo também é muito forte.
IHU On-Line – Além das diferentes cores de água, que outros aspectos
são considerados ao se analisar a pegada hídrica de um produto?
Vanessa Empinotti
–Depois de quantificar a quantidade de água, a segunda fase de metodologia é
fazer uma avaliação de sustentabilidade, ou seja, contextualizar as
informações. Quer dizer, se a água utilizada para a produção de um produto é
oriunda de uma bacia hidrográfica que tem problemas de disponibilidade hídrica,
mesmo o número da pegada hídrica sendo baixo, deve-se considerar que os
recursos saem de uma área de escassez de água, e isso tem um impacto muito
maior. Sozinho, o número da pegada hídrica não nos diz quase nada. Por isso é
preciso contextualizar esse número para ver o seu impacto dentro da região onde
está sendo produzido determinado produto.
IHU On-Line – Qual a utilidade desse indicador para a governança da
água? De que maneira é possível reduzir os riscos de escassez de água,
calculando a pegada hídrica?
Vanessa Empinotti –
Em relação à governança da água, a pegada hídrica abre um espaço para o
diálogo. Internamente, para o usuário que utiliza a água, a pegada hídrica
funciona como uma ferramenta de gestão, que nos mostra como se está utilizando
a água e como indicativos de quais ações devem ser tomadas para aumentar a
eficiência de seu uso. Também é gerado um espaço de discussão interno nas
empresas, o qual é muito positivo, porque expande para o resto da sociedade.
Assim, a pegada
hídrica também funciona como um instrumento educativo, pois faz com que as
pessoas prestem atenção na maneira como consomem a água.
IHU On-Line – Qual é o interesse dos Estados na pecada hídrica? Há um
incentivo nesse sentido?
Vanessa Empinotti– Os
Estados, no mundo inteiro, estão muito cautelosos em relação à pegada hídrica,
porque de certa forma ela impacta na geração de riquezas e na economia. Por
isso os Estados não utilizam essa metodologia como referência.
Quem divulga a
metodologia da pegada hídrica é o meio acadêmico, organizações da sociedade
civil e empresas multinacionais que entendem a questão da água como um aspecto
de risco para a produção. Então, para esse setor a pegada hídrica é
estratégica, porque sem água as empresas não produzem e têm prejuízos.
Os Estados, nesse
momento, atuam mais como observadores no sentido de ver quais são as discussões
em pauta, os posicionamentos dos diferentes grupos, as possibilidades. Eles buscam
ver como a metodologia pode auxiliar na gestão da água, suas limitações etc.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?
Vanessa Empinotti –
Temos uma tendência muito grande de, ao falar em pegada hídrica, considerar
apenas o número da pegada, desconsiderando o cenário em que o produto é
produzido. Gostaria de ressaltar que, ao calcular a pegada hídrica, é preciso
avaliar o contexto em que uma maçã, por exemplo, é produzida, para saber se a
produção é ou não eficiente. Às vezes o valor da pegada hídrica menor não
indica alta eficiência na sua produção, pois ela pode estar sendo produzida em
uma região de escassez hídrica. O objetivo da pegada hídrica é sempre o mesmo: buscar
o uso eficiente da água. (EcoDebate)
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