Vicente Andreu Guillo, presidente da ANA: “Com R$
100 milhões por ano dá para proteger 100 mil quilômetros de margens de rios”
Disputa pela água
tende a aumentar – A falta de uma estratégia de gestão da água ameaça agravar
os conflitos provocados pela escassez de recursos hídricos no país. O alerta
foi feito no seminário “A Governança da Água”, no primeiro dia do fórum
Humanidade 2012, evento paralelo da Rio+20 promovido pelas federações das
indústrias de São Paulo (Fiesp) e do Rio de Janeiro (Firjan) no Forte de
Copacabana, na Zona Sul do Rio. O encontro reuniu empresários, ambientalistas,
acadêmicos e administradores de empresas de abastecimento e saneamento.
“Embora o Brasil ainda não tenha grandes
conflitos de disputa pela água, os atritos já começam a aparecer. A tendência é
que se agravem se a gestão dos recursos hídricos não for adequada”, disse
Vicente Andreu Guillo, presidente da Agência Nacional de Águas (ANA).
O Brasil tem hoje
pelo menos três áreas sensíveis de escassez de água. A mais grave é a do
semiárido do Nordeste, atingido pela pior seca em quatro décadas. Parte do Rio
Grande do Sul também sofre com a estiagem. O terceiro foco é o rio São Marcos,
localizado entre Minas Gerais e Goiás, porque a irrigação está desviando para a
lavoura a água que deveria chegar às usinas para a geração de energia.
“A fragmentação
atrapalha a gestão dos recursos para abastecimento e saneamento. A falta de
estratégia faz com que se leve mais tempo para resolver os conflitos em torno
da água”, afirmou João Gilberto Lotufo Conejo, diretor da agência, que também
participou do seminário.
Além da falta de
visão estratégica, a governança dos recursos hídricos precisa enfrentar um
desafio urgente: a necessidade de investimentos de R$ 22,2 bilhões até 2025 na
modernização dos sistemas de captação, tratamento e distribuição.
De acordo com dados
do “Atlas do Abastecimento Urbano”, da agência nacional, mais da metade dos
municípios brasileiros terá dificuldade em manter o abastecimento de água à
população daqui a treze anos. Nove por cento terão que construir novas
barragens e estações de tratamento.
A maior fatia dos
investimentos, R$ 9,1 bilhões, deverá ser direcionada à região Nordeste porque
barragens e açudes não dão mais conta das necessidades de abastecimento da
população e da irrigação das áreas agrícolas.
O Sudeste precisa de
R$ 7,4 bilhões de investimentos para fazer frente ao crescimento populacional.
As regiões Sul e Norte necessitam de R$ 2 bilhões cada uma e o Centro-Oeste do
país, de mais R$ 1,7 bilhão.
É preciso aprimorar
ainda os mecanismos de proteção aos recursos hídricos. O presidente da Agência
Nacional da Água defendeu que a economia que poderá ser feita com a
renegociação dos contratos de concessão de energia, que estão para vencer, não
seja direcionada apenas para a redução das tarifas ao consumidor. Parte poderia
ser convertida para um fundo visando projetos de reflorestamento das margens de
rios e programas de proteção das bacias hidrográficas brasileiras.
Entre as concessões
que terão de ser renovadas em breve estão as da Companhia Hidrelétrica do Rio
São Francisco (Chesf), no Nordeste, da Companhia Energética de São Paulo (Cesp)
e de Furnas Centrais Elétricas, que atende as regiões Sudeste, Sul,
Centro-Oeste e Norte. As concessionárias, de acordo com o presidente da ANA,
movimentam R$ 6 bilhões por ano.
“Com R$ 100 milhões
por ano, que é uma parte pequena em relação aos valores das concessões, dá para
proteger 100 mil quilômetros de margens de rios”, afirmou Vicente Andreu
Guillo.
O debate no fórum
Humanidade 2012 serviu para a apresentação de propostas que convergem para um
ponto em comum: a necessidade de se fortalecer a importância da água nas
discussões ambientais.
Até agora, concordam
ambientalistas, gestores públicos e representantes de entidades empresariais,
ela foi relegada a um papel acessório. Uma das ideias é a de se criar um
organismo na Organização das Nações Unidas (ONU) para tratar do tema de forma
global.
“O grande desafio do
Brasil é saneamento, saneamento e saneamento”, disse Marilene Ramos, presidente
do Instituto Estadual de Ambiente do Rio de Janeiro (Inea). Depois de pôr em
dúvida os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que
apontam que 90% dos brasileiros têm acesso à água potável e 70% são atendidos
pela rede de esgoto, Marilene atacou a timidez dos avanços na gestão da água em
termos de investimentos, agilidade e regulação. E citou o caso do Rio de
Janeiro, um dos poucos estados brasileiros que cobram taxa de água, arrecadando
cerca de R$ 40 milhões por ano com o tributo, mas ainda enfrenta muitas
dificuldades na hora de aplicar os recursos. “O país precisa de um programa nos
moldes do Minha Casa Minha Vida para o setor de saneamento.”
Já a representante
nacional da The Nature Conservancy (TNC), Ana Cristina Barros, propôs no
seminário a criação de um fundo de incentivo aos produtores agrícolas para que
eles preservem ou recuperem as florestas nas margens dos mananciais hídricos
como forma de garantir a produção de água.
O modelo mais
bem-sucedido da proposta foi implantado em Quito, no Equador, mas o sucesso
poderia ser ainda maior no Brasil porque o país é mais avançado em termos de
legislação sobre os recursos hídricos.
“O cenário no Brasil
está pronto. Só aqui existe este arcabouço legal, com agências e comitês de
água estaduais e municipais”, disse Ana. (EcoDebate)
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