Rápido crescimento
econômico pressionou a água e outros recursos hídricos, deixando a China com
apenas 0,08 hectares de terra arável per capita.
A população da China dobrou nas quatro décadas entre a fundação da
República Popular, em 1949, e a revolta pró-democracia na Praça Tiananmen, em
1989. A duplicação anterior da população chinesa não levou 40 anos, mas sim 2
séculos, de 1750 a 1950. Mais recentemente, a população cresceu outro terço nas
últimas duas décadas, chegando a 1,34 bilhões em 2010. O rápido crescimento
econômico pressionou a água e outros recursos hídricos, deixando a China com
apenas 0,08 hectares de terra arável per capita, uma das médias homem-terra
mais baixas do mundo, com terras frágeis comprometidas por intensa erosão do
solo e urbanização.
Mao Tsé-tung, uma das figuras políticas mais importantes do século 20,
emergiu ousado, sangrento e resoluto de décadas de guerra civil e revolução,
quando seu exército comunista marchou sobre Pequim em 1949. Instalou-se nos
mesmos pavilhões residenciais e jardins dos imperadores, em Zhognahai.
Mestre das guerras de guerrilha, com uma estratégia baseada na
mobilização de camponeses como "vanguarda de revolução", Mao
desenvolveu um marxismo inovador, fundido com o anarquismo e o populismo
presentes na criação do Partido Comunista nos anos 1920. Em seu celebrado
Inquérito sobre o Movimento Camponês em Hunan (1927), Mao previu que
"centenas de milhões de camponeses surgirão como um tornado, uma força tão
extraordinariamente ágil e violenta que nenhum poder, não importa quão grande,
será capaz de suprimi-la".
Nenhuma dessas posturas ideológicas pode explicar a indiferença de Mao à
morte e ao sofrimento de milhões durante suas campanhas políticas. A população
da China ainda peleja para contornar as consequências do Grande Salto para Frente
(1958-61) e da Revolução Cultural (1966-76) sob a atual pressão popular e a
degradação dos recursos de água e terra.
O chefe do Partido Comunista Soviético Nikita Khrushchev relembrou como,
em 1957, Mao explicou-lhe a geopolítica do crescimento populacional da China:
"Não devemos ter medo de mísseis atômicos. Não importa o tipo de guerra
que estourar lá fora – convencional ou termonuclear –, nós iremos vencer.
Quanto à China, se os imperialistas declararem a guerra a nós, poderemos perder
mais de 300 milhões de pessoas. E daí? Guerra é guerra. Os anos vão passar e
vamos trabalhar produzindo mais bebês do que nunca."
Havia muitos slogans e exortações: "com muitas pessoas, a força é
grande"; "o homem deve conquistar a natureza"; "quando um
grande líder emergir, o Rio Amarelo vai correr limpo".
Em seu estudo Mao’s War against Nature, a antropóloga Judith Shapiro
argumenta que "o Grande Salto levou a China a uma corrida autodestrutiva
rumo ao colapso do ecossistema e da fome". "Abra os campos selvagens
para plantar grãos", Mao ordenou. "Faça a alta montanha curvar sua
cabeça, faça o rio ceder o caminho." "Prepare-se para guerra.
Prepare-se para a fome, pela causa do povo."
Ambição
Lagos foram drenados
Pastagens frágeis se tornaram desertos depois de
arados para semear trigo. Dados oficiais registraram 100 milhões de camponeses
criando sistemas de irrigação para 7,8 milhões de hectares, depois aumentados
para 32 milhões de hectares.
Na província de Henan, cerca de 110 barragens foram construídas durante
o Grande Salto para Frente, mas, feitas de terra e projetadas por camponeses
sem orientação técnica, metade delas entrou em colapso por volta de 1966. Entre
1957 e 1977, a China perdeu 29 milhões de hectares de terras agrícolas, apesar
da recuperação de 17 milhões de hectares de solo improdutivo.
Florestas foram destruídas para o plantio de grãos nas montanhas e para
alimentar fornos de quintal, em que camponeses derretiam ferramentas domésticas
para fundir aço para que a China pudesse ultrapassar a Grã-Bretanha, como Mao
previu: "Com 11 milhões de toneladas de aço no próximo ano e mais 17
milhões no ano seguinte, o mundo será abalado. Se pudermos chegar a 40 milhões
de toneladas em cinco anos, poderemos eventualmente alcançar a Grã-Bretanha em
sete anos. Adicione mais oito anos e vamos alcançar os EUA."
No outono de 1958, os fornos de quintal produziram 10,7 milhões de
toneladas de aço inútil, provocou o caos no campo e a pior fome induzida pelo
homem na experiência civilizatória. Oficialmente, a população da China perdeu
13,5 milhões de pessoas entre 1959 e 1961, e a taxa de mortalidade dobrou entre
1959 e 1960. Pesquisas demográficas depois estimaram a perda de entre 30 e 40
milhões de vidas.
Apesar da fome, a exportação de grãos quase dobrou em 1959, principalmente
para pagar as dívidas com a União Soviética, mesmo com a produção despencando
para um quarto em 1958-60, enquanto a mão de obra agrícola era desviada para a
construção de barragens e produção de aço de fundo de quintal.
Pessoas famintas comeram cascas de árvores, sementes, raízes, roedores e
às vezes recorriam ao canibalismo. "Não sobraram pássaros e as próprias
árvores tinham sido despojadas de suas folhas e cascas", disse um
sobrevivente. "À noite, não havia nem mesmo o ruído de ratos e camundongos,
pois eles também tinham sido comidos ou morreram de fome".
Em junho de 1959 Mao visitou sua aldeia natal, Shaoshan, na província de
Hunan, como lembrado aqui por seu médico particular: "Os homens estavam
fora, trabalhando em fornos caseiros de aço ou projetos de conservação de água.
Mao não teve de investigar muito para aprender que a vida era difícil para as
famílias em Shaoshan. Com a construção de fornos caseiros, potes e panelas
tinham sido confiscados e jogados na fornalha para fazer aço – e nada tinha
sido devolvido. Todos estavam comendo em refeitórios públicos. As famílias não
tinham equipamentos de cozinha. Todos reclamavam dos refeitórios. Os mais
velhos não gostavam porque os jovens sempre furavam a fila. Os jovens não
gostam porque nunca havia comida suficiente. Muitas brigas aconteciam, e grande
parte dos alimentos era desperdiçada quando acabava no chão.
Quando as questões de Mao cessaram, a sala se calou. O Grande Salto para
Frente não estava indo bem em Shaoshan. "Se vocês não conseguem encher
seus estômagos no refeitório público, então é melhor acabar com isso",
disse Mao. "É um desperdício de comida. Quanto ao projeto de conservação
de água, não acho que toda comunidade rural precise construir um reservatório.
Se os reservatórios não forem bem construídos, haverá grandes problemas. E se
vocês não conseguem produzir aço bom, podem parar."
Os comentários de Mao nunca foram divulgados, mas se espalharam
rapidamente, boca a boca. Logo, muitas comunidades desmantelavam seus projetos.
Mao ficou brevemente marginalizado até 1966, enquanto os líderes mais
cautelosos do partido buscavam uma "retificação" para corrigir os
erros do Grande Salto.
As Guardas Vermelhas
Depois, Mao lançou outra mobilização de massas, a Grande Revolução
Cultural Proletária (1966-76). Estudantes atacaram seus professores assim como
intelectuais "capitalistas" e "burgueses" e líderes do
Partido "revisionistas", gerando caos institucional e enviando
milhões para trabalhos forçados no interior.
Jovens em uniformes da Guarda Vermelha se aglomeraram na Praça da Paz
Celestial para reverenciar o Grande Timoeiro, balançando seus pequenos livros
vermelhos com os pensamentos de Mao antes de uma parada com oficiais veteranos
do partido forçados a usar chapéus estúpidos, em procissões ao longo das ruas
de grandes cidades na traseira de trios elétricos.
Entre agosto e setembro de 1966, 1.722 pessoas foram assassinadas em
Pequim por Guardas Vermelhos, após tortura e espancamento. O filho mais velho
de Deng Xioaping, estudante de Física na Universidade de Pequim, ficou
paraplégico após ter sido jogado do quarto andar de um prédio no câmpus. Liu
Shaoqi, presidente da China e líder trabalhista veterano, sofreu vários
espancamentos públicos nas mãos de Guardas Vermelhos enquanto era denunciado
como "renegado, traidor e sarna do partido". Depois, foi destituído
de todos os postos e deixado para morrer preso, sem tratamento para diabete e
pneumonia.
Controle da natalidade
Apenas após a morte de Mao, em 1976, as novas lideranças puderam discutir
as consequências da histeria em massa e planejar o futuro. Um dos primeiros
passos foi conter o crescimento populacional com uma política radical:
limitando os nascimentos para um filho por casal, o que gerou consequências
próprias.
"O trem-bala demográfico da China está correndo para o
desconhecido", observou Wang Feng, diretor do Centro de Políticas Públicas
Brookings-Tsinghua de Pequim. "Mudanças demográficas profundas na China
estão redesenhando os parâmetros do futuro do país. Essas mudanças incluem um
declínio substancial no suprimento de mão de obra jovem, o crescente dever de
cuidar dos idosos e uma sociedade envelhecida com características chinesas –
basicamente um enfraquecido sistema de suporte familiar, causado em grande
parte pelas três décadas da política do filho único".
A transição demográfica da China começou antes da implantação da
política do filho único. Desde 1970, a taxa de fertilidade total (o número de
partos na vida das mulheres) decaiu em três quartos, de 5,8 para 1,4, descendo
para níveis muito mais baixos em cidades como Xangai, onde a média registrada é
de 0,6 nascimento por mulher. A fertilidade na China está muito abaixo da taxa
de reposição necessária para estabilizar o número de pessoas (2,1) e é, grosso
modo, igual a de países como Rússia, Japão, Alemanha e Itália – todos com
população minguante.
Expectativa de vida
A China precisou de um quarto do tempo levado pelo Ocidente para atingir
níveis baixos de fertilidade. Simultaneamente, é a primeira grande economia que
deve envelhecer antes de enriquecer. A China aumentou sua expectativa de vida
de 40 para 70 anos em 50 anos, um processo que demorou o dobro do tempo em
outros países industrializados. O poder e a velocidade dessas mudanças
apresentam grandes problemas.
A população economicamente ativa diminui enquanto a população idosa se
multiplica rapidamente, abolindo o dividendo demográfico aproveitado pela China
nas últimas três décadas: a bênção de uma mão de obra jovem e poucos
dependentes, uma mistura que gerou um crescimento econômico per capita de até
25%. Espera-se que o número de pessoas na faixa etária de 20-24 anos caia de
116 milhões em 2010 para 67 milhões em 2030, enquanto o número daqueles acima
dos 60 deve dobrar, de 180 milhões para 360 milhões. As necessidades dos idosos
reduzirão a poupança muito abaixo dos níveis atuais de aproximadamente 50% do
PIB, enquanto demandam grandes investimentos em assistência médica e outros
serviços.
Porém, a demógrafa Judith Bannister diz que "a China tem uma
miríade de opções para administrar o aumento de idade em sua estrutura",
apontando que a população entre 15 e 64 anos cresceu de 620 milhões em 1982
para 999 milhões em 2010, um sétimo da população mundial, e vai declinar apenas
marginalmente para 960 milhões em 2030, de acordo com as projeções das
Organização das Nações Unidas.
"Grandes ganhos de produtividade podem ser feitos ao empregar sua
enorme força de trabalho atual de maneira mais eficaz do que se fez no
passado", ela argumenta. "Milhões de camponeses gastam boa parte do
ano com atividades de baixa produtividade, matando tempo entre a próxima
estação de plantação ou colheita. Milhões de habitantes de cidades estão
empregados em trabalhos improdutivos, especialmente no setor estatal. Muitos
burocratas de baixo nível parecem passar o dia bebericando chá, lendo o jornal
e tirando preguiçosas sonecas à tarde em seus escritórios."
Os ganhos necessários em produtividade dependerão de grandes mudanças
institucionais sem o tipo de erupção política que desorganizou a economia da
China no passado. Assim a China poderá encontrar maneiras de tratar as perdas
de seus recursos hídricos e de terra. (OESP)
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